Parceria com grandes empresas amplia participação do terceiro setor no Brasil. Alguns empresários optam por investir em projetos próprios
ONGs receberam R$ 2 bi da iniciativa privada em 2010
No entanto, as empresas ainda têm dúvidas se financiam ONGs menores – mas com um conhecimento maior no terceiro setor – ou criam os próprios projetos. É o que mostra uma pesquisa recente da Gife. De 133 associados, 54 financiam projetos de terceiros e 79 executam iniciativas próprias.
Gerente de programas da rede, Andre Degenszajn argumenta que não há maneira certa de investir, já que cada opção depende da estratégia do investidor. Ele cita como exemplo a Fundação Bradesco, que aplica R$ 300 milhões anuais em uma rede de escolas em todo o país. “Com uma capacidade de recursos desta, eles conseguiram criar uma estrutura e atuar diretamente”, diz. Já em casos onde não há tanta verba disponível, é possível “terceirizar” a atuação e formar parcerias com ONGs com maior know-how, alcançando um número maior de beneficiários.
Trabalho social
A Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) é uma organização da Bahia que também se especializou em financiar projetos menores. A Cese reúne cinco igrejas que atuam no Brasil e tem foco no fomento de pequenas organizações comunitárias e movimentos sociais. Em 2007 o grupo criou o projeto Ação Para Crianças, que beneficia iniciativas incipientes.
A mobilizadora de recursos da Cese, Marília de Jesus Santos, explica que as ONGs interessadas criam uma mobilização local para arrecadação de recursos, como uma festa ou bingo, e a Cese dobra o valor arrecadado em até R$ 4 mil. Assim, se a ONG local precisa de R$ 8 mil para executar um projeto, precisa conseguir a metade e os outros 50% são garantidos pelo grupo ecumênico. Cerca de 20 mil crianças já foram beneficiadas e R$ 425 foram investidos.
Parcerias privadas para as questões sociais
ONGs são defensoras de causas sociais e atuam sobre realidades que conhecem com profundidade, encontrando eco à sua atuação e projetos na percepção de pessoas, dentre elas empresários e seus colaboradores, pessoas físicas e jurídicas que financiam com recursos privados o trabalho das organizações sociais.
Empresas são criadas para organizar processos de produção de bens e serviços, de forma a atender a demandas do mercado, cobrando-lhes o preço que cubra os custos de produção e gere lucro – nada mais que reserva de valor para novos investimentos, para remunerar os riscos do negócio e para viabilizar a inovação tecnológica. Dentre os investimentos programáticos de uma empresa para o crescimento de sua planta e de sua participação no setor em que atua, a diretoria também pode inserir a tomada de decisão sobre o chamado investimento social privado.
Este se dá por meio de uma fundação ou instituto social criado pela empresa ou por meio de um outro segmento que de forma indireta pode fazer parte das relações empresariais: as organizações não governamentais, de interesse público e sem fins lucrativos, criadas por outros atores da sociedade civil. As ONGs se organizam na lógica da prestação de serviços sociais demandados pela sociedade e não plenamente atendidos pelos programas, projetos e recursos dos governos, não tendo a obrigação de gerar lucro.
Para organizar sua atividade, tal qual o setor privado lucrativo ou o setor governo, a ONG incorre no custeio de salários, aluguéis, impostos. Não subsiste sem recursos financeiros e precisa buscá-los nos indivíduos e famílias generosas, nas parcerias com governos e com empresas.
ONGs são defensoras de causas sociais e atuam sobre realidades que conhecem com profundidade, encontrando eco à sua atuação e projetos na percepção de pessoas, dentre elas empresários e seus colaboradores, pessoas físicas e jurídicas que financiam com recursos privados o trabalho das organizações sociais.
O somatório de recursos, de conhecimentos e de redes de relacionamento em prol de dada questão social potencializa a capacidade de minorar o problema, de reduzir os riscos sociais, de angariar outros defensores e parceiros, até de construir ou aperfeiçoar política pública específica.
Tomada a decisão de se identificar com uma causa social e reconhecer organização já atuante e reconhecida pelo trabalho que realiza, a empresa fortalece seu vínculo com a sociedade, o trabalho social da ONG e realiza o investimento social privado, objetivando maior justiça social. Principal, se mantém focada no seu objetivo genuíno: produzir e gerar lucros empresariais.
Ana Lucia Jansen de Mello de Santana é economista, advogada, professora da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre o Terceiro (Nits).
Outra transformação é que o Gife não trabalha mais com o conceito de filantropia e sim com investimento social privado, que atua nas causas e não nos sintomas, e tem o objetivo de transformar a realidade social.
Bons exemplos
Em Curitiba, uma ONG que trabalha com contação de histórias consegue atender anualmente 14 mil pessoas graças às doações de instituições maiores. O Instituto História Viva foi criado em 2005 por Roseli Bassi. Inspirada no famoso médico norte-americano Patch Adams, ela criou um batalhão de voluntários que faz a alegria de velhinhos, pacientes de hospitais e crianças que vivem em abrigos. Para dar vida ao projeto, ela conta com patrocínios como o do Instituto HSBC Solidariedade. As ações aprovadas pelo braço social do banco recebem R$ 60 mil para investimento. Em 2009 o HSBC investiu em 263 projetos brasileiros um montante de R$ 15,8 milhões, com quase 70% das iniciativas voltadas para a educação.
Entre os projetos criados por Roseli há a contação de histórias para meninos abrigados em uma instituição na capital e também em hospitais, entre eles o Hospital de Clínicas. Ela conseguiu incentivar o voluntariado e hoje 90% do trabalho é desenvolvido por pessoas que doam parte de seu tempo para o próximo. Um dos trabalhos é transformar histórias reais de idosos que vivem em asilos em contos de fadas, que são depois lidos para crianças com câncer. Posteriormente, ela fazem desenhos sobre as histórias que, então, são entregues aos idosos.
Outro bom exemplo sobre a parceria entre ONGs e o setor privado é a Fundação Tide Setúbal. Eles resolveram o dilema entre investir em ONGs menores ou ter projetos próprios apostando nas duas alternativas. A instituição é uma fundação familiar ligada aos herdeiros do banco Itaú. O trabalho começou na década de 70, quando a ex-primeira-dama de São Paulo Tide Setúbal começou a atuar em São Miguel Paulista, um bairro pobre da periferia paulistana. Em 2005 os filhos criaram a fundação, que já beneficiou 121 mil moradores da comunidade.
Coordenadora-geral da fundação, Paula Galeano explica que a instituição decidiu investir em um curso de gestão para o terceiro setor, com ensinamentos sobre administração e captação de recursos, que beneficia as ONGs de São Miguel Paulista. Além disso, criou em parceria com lideranças comunitárias dois projetos: o Clube da Comunidade e o Galpão de Cultura e Cidadania, que servem como espaços públicos para cultura, esporte e lazer. “Há muitos resultados, mas talvez um dos maiores seja o reconhecimento da comunidade local. Não somos alguém que sabe mais e sim estamos integrados”, diz Paula.
Quanto mais recursos, maior a atuação
Grandes institutos e fundações do Brasil conseguem ter atuação nacional em função do volume de recursos investidos pelas empresas mantenedoras. A maior parte dos investidores privados associados à rede Gife investe mais de R$ 2 milhões anuais na área social. Um terço dos associados atua em todo o território nacional, investindo em vários estados e regiões.
O Instituto Lina Galvani se encaixa neste perfil. A instituição foi criada em 2003 com uma perspectiva diferente da maioria das demais organizações do terceiro setor e decidiu investir na terapia comunitária. A metodologia de escuta da comunidade é pautada pelo trabalho do educador brasileiro Paulo Freire e consiste em entender as demandas locais e encontrar as alternativas em conjunto com os moradores. A ONG é um instituto empresarial familiar e já investiu R$ 3 milhões em projetos que beneficiaram 10 mil pessoas.
A presidente do instituto, Cecília Galvani, conta que em Angico dos Dias, na divisa entre Bahia e Piauí – uma das localidades atendidas –, foi estimulado que a comunidade criasse uma associação local para pleitear parcerias privadas e públicas. A ideia foi tão bem-sucedida que os próprios moradores criaram uma rede de parcerias locais envolvendo vários setores como empresas, escolas e sindicatos.
Eduardo Ehlers, doutor em desenvolvimento local pela Universidade de São Paulo, argumenta que as ONGs não conseguem gerar capital social se não se envolverem com a comunidade local. “É fundamental que haja articulação entre todos os atores para que ocorram mudanças efetivas. Quando não se criam laços nem comprometimento, o risco de insucesso é maior.”
Comentários