Eu me sentia parte de um clã, lembra Maria Alice Vergueiro
"(...) Meu pai não me deixava resolver as coisas sozinha, não deixava que eu me descobrisse (...) Fiquei noiva aos 19 anos (...) Meu casamento acabou porque comecei a fazer todas as coisas que queria", conta MARIA ALICE VERGUEIRO, 76, atriz e protagonista do hit "tapa na pantera", em primeira pessoa, na seção Quando Eu Tinha a Sua Idade, do Folhateen.
O nome "Vergueiro" não é à toa, é o mesmo da rua. Meu avô tinha sido senador. Meu outro avô tinha um cassino, era boêmio. Então tive essa dupla formação.
Hoje tenho vergonha de me lembrar que um desses meus avôs conseguiu fazer minha formatura de escola no Teatro Municipal. Foi uma coisa de grã-fino, mas era para ser apenas uma formatura de ensino fundamental!
Eu tinha essa coisa de família quatrocentona. É uma herança ferrada que faz você sentir que pertence a um clã. Aos 16 anos, eu já tinha o corpo desenvolvido. Eu era muito extravagante.
Meu pai dizia que eu era "poseuse" [quem finge ser algo que não é] e metida a mais velha. Estudei no [colégio] Caetano de Campos. Eu era bem simpática: fui oradora de turma, organizei festas, participei do grêmio. Eu era metidona, gostava de discutir política. Eu ia muito a festas de formatura, bailes de debutante. Eu tinha um par constante, um rapaz de olhos azuis. Era muito romântico ter dançado a noite inteira com o rapaz de que eu gostava.
Um dia ele me perguntou se eu tinha namorado, e eu disse que não tinha e que jamais teria. Depois disso, ele nunca mais me convidou para namorar, e eu fiquei frustrada.
Gostava dele.
De resto, hoje percebo que minha adolescência estava congelada até a morte de meu pai, quando eu tinha 21 anos. Até então, eu não tinha tido contato comigo mesma.
A relação do meu pai comigo era autoritária. Ele não me deixava resolver as coisas sozinha, não deixava que eu me descobrisse. Foi uma relação de apropriação. Ele tratava meu irmão de forma bastante diferente, e isso me horrorizava.
Eu não queria ser cúmplice desse tratamento injusto. Fiquei noiva aos 19 anos e me casei aos 21. Fui mãe aos 22, e tive dois filhos. Eu gostava do meu marido, mas era um sentimento diferente do que eu tinha pelo menino de olhos azuis.
Os pais dele eram conhecidos dos meus pais. Ele era uns dez anos mais velho, fazia direito, tinha carro e status. Isso me influenciou, porque agradava aos meus pais. Se meu primeiro beijo não foi com ele, a primeira trepada pelo menos foi! E olha que foi antes de a gente se casar, e isso já era um passo. Desde pequena eu tinha um certo dom para as artes. Meu pai me punha em cima da mesa, e eu encenava. Fiz teatro infantil, mas só fui para a faculdade de artes cênicas depois de me separar, em 1962.
Meu casamento acabou porque comecei a fazer todas as coisas que queria. Queria atuar, sair, procurar coisas que me fizessem feliz. Deixei de ser a menina com quem meu marido tinha se casado.
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