Boa cachaça só precisa ter cheiro de cana, segundo degustador
Na ficha de avaliação, opções como "inhaca" e "na falta de tu, vai tu mesmo". Virando a página, novas opções. De categorias mais ortodoxas, como "seca" e "densa", a classificações mais livres: "parece remédio" e "engoli um gato".
A primeira ficha refere-se ao aroma. A segunda, ao sabor. Ali à frente, o professor brada: "A boca do degustador é insubstituível".
Num curso de formação básica de degustador de cachaças, no Rio, o "cachaçólogo" Marcelo Câmara, degustador profissional e consultor de alambiques pelo país, é radical na defesa da bebida.
"Tem muito conhecedor de uísque e de vinho falando de cachaça. Gente que nunca entrou num engenho, que não toma aguardente", diz.
"No restaurante, o maître não sabe indicar uma cachaça. Você pede uma caipirinha e perguntam se é de vodca ou de saquê. São raros os que têm carta de cachaça."
"CACHACIER"
A ideia, então, era fazer dos alunos razoáveis entendedores do assunto. Na sala, em um hotel de Ipanema, mais cinco candidatos a "cachacier". Causou estranheza uma recomendação: a de evitar desodorante, para reduzir a interferência no olfato.
Mas, até que a bebericação começasse, muita teoria pela frente. Câmara falou e falou. Em cinco minutos, disse a palavra cachaça 36 vezes.
O curso passa pela história, desde o primeiro alambique, em São Vicente (São Paulo), no século 16. Por termos complexos das propriedades químicas. Pelas classificações da cachaça, de nova fresca --recém-saída da destilaria-- a reserva especial --quando são curtidas por mais de três anos.
Às 16h06, começou, enfim, a bebedeira. "Cachaça não tem buquê. Cachaça só tem um cheiro. De cana!"
Em pouco mais de uma hora, cinco doses de pinga. Ou "mé". Ou "amorosa". Sinônimos de uma enorme lista distribuída aos alunos.
Não dá para se tornar um especialista. Mas dá para sair entendendo mais do assunto. E para ficar tonto.
Faltou um tira-gosto. Ou "bota-gosto", como o professor pede, com razão, que sejam chamados salaminhos, bolinhos e azeitonas.
CACHAÇA PODE DEIXAR DE SER "RUM" NOS EUA
O Brasil e os Estados Unidos negociam uma troca para que a cachaça ganhe espaço lá fora. Se reconhecer o Jack Daniel"s como uísque (hoje entra como uísque de milho), os EUA deixam de ver a cachaça como rum, rótulos dos destilados de cana.
A MELHOR AGUARDENTE
Dicas do "cachacier" Marcelo Câmara (ilhaverde.net):
PREÇO
Despreze cachaças em embalagens elaboradas, luxuosas ou caras demais
ALAMBIQUE
Prefira uma cachaça artesanal, de alambique. Não se lê a palavra "artesanal" no rótulo (indicação proibida por lei), mas expressões como "de alambique" ou "fabricada por"
CAIPIRINHA
A verdadeira cachaça é a nova, isto é, "branca", incolor e com teor alcoólico de 38% a 48%. É a única adequada para preparar caipirinha e batidas
ENVELHECIDA
Não compre cachaça com mais de quatro anos de envelhecimento, pois estará demasiadamente amadeirada
ALQUIMIA
Não compre "blends", misturas de diversas cachaças ou cachaças envelhecidas em várias madeiras. Isso é feito por quem não sabe fabricar uma cachaça de excelência
AROMA
Em casa, ao abrir a garrafa, aspire a cachaça ainda no gargalo: ela deverá ter cheiro de cana. Se não tiver cheiro do bagaço, não é cachaça boa
COPINHO AMERICANO
O copo deve ser uma miniatura para que o aroma e o sabor sejam retidos
PETISCO
Os melhores acompanhamentos para a cachaça são as carnes e frutos do mar, fritos, assados ou defumados, e frutas ácidas.
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