O Caderno G Ideias discute hoje o trabalho de uma nova geração de artistas, apontados como renovadores da produção nacional, mas herdeiros de seus antecessores
Popular, brasileira e contemporânea
“Verdade ou consequência”: lembra dessa brincadeira? Em algumas regiões do país, ela também é chamada de “Verdade ou desafio” e fez parte da infâ
Sentamos para jogar verdade ou consequência com a chamada Nova MPB, e partimos de peito aberto para a verdade. Já estava na hora. A cidade ouviu bastante esse termo com a vinda de Marcelo Camelo e Tulipa Ruiz para o Lupaluna 2011, e agora celebra o sucesso d’A Banda Mais Bonita da Cidade. Enquanto isso, o país acompanha essa história desde o fenômeno Los Hermanos e o surgimento, na década passada, de toda uma nova geração de artistas (e de alguns pensadores), que não têm, obrigatoriamente, uma relação direta com a banda de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante.
Em nome da liberdade musical
Momentos antes de começar o bate-papo, enquanto Patrícia Palumbo ouvia qual seria o enfoque da entrevista, que seria realizada por telefone, de São Paulo, ela disse: “Vamos relaxar com essa questão da sigla MPB”. Este pode ser um breve resumo de como foi a conversa. Um relaxamento total em relação às amarras genéricas impostas pela indústria cultural e pelo senso comum, e uma celebração da liberdade criativa.
Autodescoberta curitibana
Muito bem. Agora vamos fazer uma pausa com todos esses dados e informações sobre uma nova ramificação da música brasileira para tentar entender como ela acontece em nossa vizinhança. Curitiba, a música popular brasileira contemporânea e os chamados “Novos Curitibanos”.
Na semana em que João Gilberto, um dos maiores ícones da música brasileira, completa 80 anos de vida, com uma carreira que transcende rótulos e gêneros, o Caderno G Ideias levanta hoje questões relacionadas a uma parte de seu legado. A tal Nova MPB é um movimento musical legítimo? Ou um simples termo utilizado para agrupar uma série de novos artistas? Precisamos de mais rótulos?
Qual é a sua verdade?
Por incrível que pareça, o Wikipédia apresenta uma observação bem pertinente, “apesar de abrangente, a MPB não deve ser confundida com Música do Brasil, em que esta abarca diversos gêneros da música nacional, entre os quais o baião, a bossa nova, o choro, o frevo, o samba-rock, o forró, o suingue e a própria MPB”. Não poderíamos começar uma conversa sobre o tema sem deixar isso claro. MPB é uma coisa e a música feita no Brasil é outra.
Quando vasculhamos a Nova MPB e a sua origem, procurávamos informações sobre as consequências da geração criada pelos grandes festivais de música dos anos 60, que preencheu o espaço entre a bossa nova e a Tropicália.
“Com muito pesar, eu vejo que a MPB morreu. Virou um gênero que foi se desgastando com o tempo até virar uma espécie de ‘musiquinha’ de boteco. Sons que hippies tocam em São Tomé das Letras. Minha geração odeia cair nesse termo e não é pela relação artística e, sim, porque ele virou um rótulo atrasado, e que serviria muito bem para nós”, lamenta Romulo Fróes, cantor e compositor paulista que está entre os nomes mais citados da Nova MPB.
A afirmação é reforçada por Patrícia Palumbo, jornalista e pesquisadora especializada em música brasileira (leia entrevista na página 2). “Quando alguém diz ‘Esse cara faz MPB’, é quase como se falasse que faz música antiga. Alguém que não se renovou”, diz Patrícia.
Para esta edição, foram entrevistados artistas e pesquisadores de diferentes idades e regiões. E, por mais que não pareça um movimento organizado, o atual período vivido pela nossa música conta com o mesmo discurso. Uma das primeiras unanimidades encontradas é o fato de o termo Nova MPB não fazer sentido, apesar de não incomodar a todos. “Eu não fico dramatizando isso. Entendo a necessidade que as pessoas têm de rotular ou categorizar as coisas. Quando tive de cadastrar o gênero do meu disco, não encontrei nada ideal. Criamos um gênero chamado pop florestal, e assim foi”, brinca a cantora Tulipa Ruiz, que acompanha Fróes entre os grandes nomes desta geração e, agora, pode estourar como criadora do pop florestal.
A charada foi resolvida por Patrícia Palumbo, quando diz que o cenário “está mais para música popular brasileira contemporânea. Pop com diversas faces, formado por uma turma que bebeu na fonte tropicalista”. Bingo. Música Popular Brasileira Contemporânea.
Mas e a Tropicália? Como veio parar nessa história? “Somos uma espécie de realização da Tropicália”, admite Fróes. “Desde muito cedo, nós ouvimos tudo como se fosse nosso. Tudo nos pertence, a música brasileira e a do mundo. É natural e nos comportamos assim. Quando essa ideia nasceu no pensamento tropicalista, era uma tentativa de organizar um país! Criar um Brasil que passava pela bossa nova e chegava até Odair José. Do violão até a guitarra. O Brasil é isso e nós crescemos assim, fazendo misturas e apropriações bem naturais”, concluí o músico paulista
Assim funciona a seleção natural de informação no século 21. Sem barreiras, limites ou regras. Vivemos muita coisa até hoje, e essas fronteiras não são totalmente originais. Mas quem pediu para ser original? A chamada pós-modernidade nos oferece um universo de possibilidades culturais, sociais, políticas e religiosas, e não quer nada em troca. Você pode ser o que quiser e não precisa se importar com o resto do mundo. Uma situação bem confortável, mas que precisa ser analisada com cuidado.
“Todo mundo ouve muita coisa de muitos lugares do mundo, e cria a partir disso. Reduzir o resultado final de uma criação complexa a uma cópia de uma das influências é uma atitude ingênua, preguiçosa, covarde, que tende só a contribuir para a descartabilidade dos nossos produtos culturais, os deixando desamparados”, revela Alexandre Kumpinski, vocalista, guitarrista e compositor da banda gaúcha Apanhador Só.
Nesse contexto, encontramos pontos bem parecidos entre as duas gerações – a tropicalista e a da chamada Nova MPB: o fato de dialogarem e incorporarem naturalmente em seus trabalhos as referências internacionais e regionais, além do bom uso da tecnologia. Sim, as duas mantêm o mesmo princípio de produção e justificam o “contemporâneo” dos novos artistas.
Só que essa independência criativa e diversas possibilidades contam com pontos negativos. “Tem relação com abandono. Tenho mais o que pensar no meu cotidiano, como comprar um gravador novo, um computador, amplificador... e fazer a minha música. Nestes últimos dez anos, a gente ralou muito, compôs, cantou para ninguém e o anonimato nos fortaleceu. Seguimos um esquema amador, no sentido profissional do mercado, ao mesmo tempo em que produzimos materiais com uma qualidade técnica excepcional. Chegou a hora de as pessoas pararem de discutir nossas plataformas de trabalho ou rótulos, para ouvirem com calma nossas músicas. Quero ser ouvido”, concluí Romulo Fróes em mais uma das verdades nessa história cheia de desafios.
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