Crônica de uma cidade partida
Depois de quase dez anos de obras e muita controvérsia, o novo trem urbano de Jerusalém deve entrar em operação em agosto. A Prefeitura diz que o objetivo é aliviar os pesados congestionamentos e integrar uma cidade que cresceu quase três vezes nas últimas quatro décadas.
Enquanto modernos vagões prateados já circulam entre as antigas construções de pedra de Jerusalém, ninguém acredita que eles serão capazes de romper a barreira étnica que divide a cidade.
Jerusalém foi unificada por Israel na Guerra dos Seis Dias, que hoje completa 44 anos. Caíram os muros, mas uma fronteira invisível persiste entre o lado oriental (árabe) e o ocidental (judeu), como moradores de uma mesma casa que vivem de costas uns para os outros.
"Nunca vou ao lado oriental, o que tenho a fazer lá?", diz a israelense Elah, 22, que trabalha na segurança da Prefeitura, a poucos metros da antiga linha divisória, exatamente onde passam os trilhos do novo trem urbano.
Elah não vê contradição em considerar o lado árabe um mundo à parte enquanto vive em Guivat Zeev, um dos assentamentos construídos no setor oriental de Jerusalém, que foi ocupado por Israel em 1967.
A estudante, que está juntando dinheiro para uma viagem ao Brasil, não é exceção. Poucos israelenses costumam ir ao setor árabe da cidade. Os que vão, muitas vezes se sentem como turistas num país estrangeiro.
No sentido oposto o tráfego é maior, já que muitos palestinos trabalham e usam serviços no lado ocidental, como hospitais, cinemas e shopping centers. Ainda assim, a convivência é mínima.
Os moradores do lado oriental se sentem muito mais ligados ao mundo árabe do que a Israel. Quando ligam a TV, preferem a rede Al Jazeera, do Qatar, ou outras emissoras do golfo Persa, além das palestinas.
DIVISÃO HISTÓRICA
Entre 1948, quando Israel foi fundado, e 1967, Jerusalém foi uma cidade fisicamente dividida, com a parte oriental controlada pela Jordânia --incluindo a murada Cidade Velha, onde estão locais sagrados do judaísmo, islã e cristianismo.
Com a vitória israelense em 1967, a cidade foi ampliada para o território ocupado. Os limites municipais cresceu de 40 km2 para 70km2.
Aos moradores do setor árabe foi oferecida duas opções: receber a residência permanente, com direito aos serviços do Estado, ou a completa cidadania. A maioria (mais de 90%) preferiu a primeira opção.
Em 1980, o Parlamento aprovou a anexação da parte ocupada, uma medida considerada ilegal pela maior parte da comunidade internacional. Hoje, é a maior cidade de Israel, com 125 km2 e 789 mil habitantes, sendo 62% judeus, 36% muçulmanos e 2% cristãos.
No centro de Jerusalém, bem ao lado das muralhas da Cidade Velha, os trilhos do trem urbano percorrem exatamente um dos trechos da linha verde, como é conhecida a fronteira pré-1967.
Projetado para ligar o setor ocidental ao oriental, o que beneficiará árabes e judeus, o trem foi criticado pelos palestinos como mais um projeto de Israel para reforçar a unificação da cidade.
Carregada de simbolismo político e religioso para israelenses e palestinos, Jerusalém é um dos temas espinhosos do conflito. Mas a impressão de que uma solução é impossível é desmentida por quem já esteve envolvido nas negociações.
Dov Weissglas, que foi chefe de gabinete do ex-premiê Ariel Sharon, conta que as bases de um acordo, incluindo Jerusalém, estiveram sobre a mesa de negociação três vezes desde o início do processo de paz, em 1993.
Elas seguem os chamados Parâmetros de Clinton, negociados pelo então presidente americano em 2000: as áreas árabes de Jerusalém são palestinas e as judias são de Israel. O princípio também se aplicaria à Cidade Velha.
Em seu discurso recente no Congresso americano, o linha-dura Binyamin Netanyahu, premiê de Israel, repetiu o mantra sobre a indivisibilidade de Jerusalém, mas observou que com "criatividade e boa vontade" uma solução para a disputa pela cidade é possível.
Hatem Abdel Kader, responsável por Jerusalém na Autoridade Nacional Palestina, admite concessões em outras partes da cidade, inclusive trocas territoriais que manteriam os assentamentos judaicos. Mas diz que a criatividade tem limites.
"Nenhum palestino aceitará um acordo que não garanta nossa parte da soberania da Cidade Velha", diz Kader.
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