"Ela era tudo pra gente", diz pai de Sandra Gomide
O pai da jornalista Sandra Gomide, assassinada há quase 11 anos, fala sobre a perda da filha e sobre a perspectiva de receber uma indenização, agora que o ex -namorado e assassino de Sandra, o também jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, foi finalmente preso.
Leia o depoimento:
"Eu nunca consegui falar com Pimenta Neves. Se eu pudesse, ia olhar na cara dele e lembrar que eu disse a ele que matar não vale a pena.
Quando ele foi condenado a 19 anos e sete meses de prisão pela morte da Sandra, achei a sentença boa. Mas logo o juiz disse que ele ia responder em liberdade. Não aguentei: "Vai pro Inferno".
É uma vergonha para o país um assassino desses ficar 11 anos fora da prisão.
No Brasil, a Justiça não funciona como uma balança. Eu me senti na parte de baixo dessa balança desequilibrada. Quem tem dinheiro tá em cima. Todo lugar que eu vou, as pessoas me diziam: "Seu João, como é que um desgraçado daquele ainda tá solto?"
Meus advogados dizem que, agora que ele finalmente foi preso, vai ser mais fácil receber minha indenização.
Eles já mandaram executar. Agora vai ficar mais difícil o Pimenta ficar entrando e saindo de fórum. Na verdade, ele é o advogado dele mesmo. E é dos bons, né?
Já saíram duas decisões para ele pagar a minha indenização, mesmo ele dizendo que não tem dinheiro e que ganha R$ 4 mil por mês de aposentadoria.
Na primeira instância, eu ganhei R$ 160 mil. Na segunda, R$ 420 mil. Eu quero o meu dinheiro. Se pegar pelo menos uns R$ 300 mil, eu quero passear um pouco com a minha mulher. faz 11 anos que a gente não sai de casa, não vai pra lugar nenhum.
Minha família é toda de Minas. Os parentes vivem chamando a gente pra ir para lá. Vou pegar um motorista, comprar um carro zero e visitar minha terra.
Eu tenho uma Quantun velha (1997), automática, mas nem assim, eu dirijo mais. Não confio em carro velho pra viajar. De 1969 até 2006, eu trocava de carro todo ano.
Estou esperando que esse dinheiro saia, mas se não sair vou continuar vivendo. Não vou poder passear e ter mordomia, mas tá dando pra viver. Temos uma empregada que cuida da gente, temos os amigos daqui.
Quando morreu, Sandra tinha uma situação boa. Foi o dinheiro das economias delas que nos segurou na fase da doença. Foi muita doença.
Tenho câncer. Não sei se vai progredir ou não. Minha mulher teve dois AVCs e ficou quase dois anos em coma. Ficou um ano numa clínica de apoio que custava R$ 1.200 por mês.
Nós dois somos aposentados. Mas as duas pensões somadas são R$ 1.400. Uma mixaria. Vendi a casa de São Paulo para sobrar um dinheiro. Acabei com o plano de saúde. Não conseguia mais pagar e eles não vinham aqui.
Temos uma pessoa para nos ajudar. Ela vem dar banho em nós dois, trocar fralda e colocar a gente pra dormir às 17h. Depois, vai pra casa dela.
Eu não sinto ódio nem desprezo pelo Pimenta. Não sinto nada por ele. Dou mais valor a minha cachorra. Pra mim, ele não é gente. Não perdoo ele, eu não sou Deus. A única pessoa que pode perdoar ele é Jesus Cristo, mas peço a Deus que não o perdoe. Ele não merece. É o tipo de crime que não tem perdão.
A perda da Sandra foi tudo. Ela era tudo pra gente. Saí do céu pro inferno. Além de perder minha filha, fiquei muito doente. Dizem que é de tanto nervoso e tristeza. Chorava muito.
Outra tristeza foi me desfazer das coisas dela. Só guardei as fotos. As joias eu vendi faz uns dois meses, inclusive o anel de formatura. Melhor vender do que ser roubado.
Doei as roupas para a associação de colostomizados faz um ano e pouco. Eles me ajudaram a tratar do câncer, porque o meu convênio não queria dar quimioterapia e radioterapia. Depois que fiz a colostomia [abertura cirúrgica no abdômen para a eliminação de fezes], a associação me fornece as bolsas.
Há dois anos, vendi também o sítio de Ibiúna, onde ficavam os três cavalos da Sandra. Seis meses depois do crime, tive que me desfazer dos animais. Só uma égua custava R$ 1.000 por mês. Eu não podia bancar e ainda tinha treinador. Cavalo de hípica se não tem treinador vira pangaré.
O preferido dela era o Oceano, o que aparece nas fotos mais conhecidas dela. Pimenta não gostava muito de mim porque uma vez botei ele pra fora do meu sítio. Ele era muito metido. Ela entrava montado no cavalo, como se fosse o dono, destruindo tudo, até as flores que minha mulher plantava.
Minha filha só se envolveu com um homem desse e tão mais velho porque faltou pedir orientação pros pais. Sou um camarada que foi sargento do Exército, que veio sozinho pra São Paulo e trouxe sete dos onze irmãos, sou casado há 50 anos. Eu tenho experiência. Pimenta foi seduzindo a minha filha e ela foi caindo. Promoveu a Sandra. Ele falava pra ela que era divorciado, mas ainda não era.
Da parte dele, foi uma paixão doentia. Ele só arrumava velhas. Pimenta sempre gostou de mostrar que era poderoso.
Até na hora de ser preso, ele aparece sempre com o peito virado pra cima. Todo preso vai preso humilde, até traficante. Pimenta Neves, não. Não baixou a cabeça e ainda riu.
Eu não achava que ele ia fazer essa covardia com a minha filha. Ele não teve coragem de olhar pra mim no julgamento. Uns dois anos depois da morte da Sandra, eu liguei na casa dele, quando ele atendeu, eu disse: "Você vai morrer igual a um frango. Eu vou cortar seu pescoço". Isso foi no auge da minha raiva.
Eu sonhava em fazer Justiça por mim mesmo. Quem tirou essa ideia da minha cabeça foram os advogados. Era só pagar R$ 5 mil a um pistoleiro.
Eu acho que ele devia se suicidar na prisão. Ele nunca teve coragem, mas dizem que tá com depressão. Eu nunca tive medo de morrer. Já tentei suicídio umas três vezes. A última foi há pouco tempo, depois que eu quebrei o fêmur e fui parar numa cadeira de rodas.
Agora, eu tô com vontade de viver. Quero ver o assassino da minha filha morrer ou sair da cadeia um caquinho."
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