Alec Ross acredita no poder do povo. E que esse poder vem da internet. O conselheiro sênior para Inovação da secretária de Estado americana, Hilary Clinton, afirma que o Twitter tira poder das instituições e o coloca nas mãos dos cidadãos, e foi assim que governos caíram no mundo árabe recentemente. Com 38 anos e 341 mil seguidores no Twitter, Ross sabe que as mesmas ferramentas podem ser usadas para o bem e para o mal, e afirma que o governo americano está alerta para a ameaça terrorista, que é potencializada no ciberespaço. "O ar, a terra, o mar e o ciberespaço são lugares onde uma guerra pode ser travada", diz.
Formado pela Universidade de Northwestern, Ross trabalha para Barack Obama desde as prévias do Partido Democrata nas eleições de 2008. Antes disso, ele fundou com colegas da faculdade a One Economy, uma organização sem fins lucrativos que leva tecnologia e informação aos quatro continentes. Com a missão de pregar a liberdade na internet e ensinar como a diplomacia pode fazer uso das novas tecnologias, incluiu nesta semana o Brasil em seu extenso roteiro de viagens.
Na última quarta-feira, o conselheiro de Hillary se encontrou em Brasília com os ministros de Educação e de Ciência e Tecnologia, Fernando Haddad e Aloizio Mercadante, além do porta-voz da presidente Dilma Rousseff, Rodrigo Baena. Horas antes de embarcar de volta para Washington, na tarde de quinta-feira, ele encontrou empresários de internet em São Paulo e conversou com o Terra. A seguir, os principais trechos da entrevista.
As mídias sociais e a internet são um componente muito importante dos movimentos políticos recentes no mundo árabe. O senhor vê esses movimentos como pontos de virada na cultura política desses povos?
Uma coisa que a internet faz é dar o poder de governos e grandes instituições aos indivíduos e a pequenas instituições. A internet muda como o poder é distribuído. Nos Estados Unidos, isso foi bom para Barack Obama. A internet permitiu a alguém relativamente novo na política se tornar poderoso de uma forma que não teria sido possível 10, 20 anos atrás. O que vemos no Oriente Médio é poder indo de Estados autoritários para indivíduos, de uma forma que considero profunda. Estas ferramentas vão dar às pessoas a habilidade de ser parte da mudança ou de forçar a mudança. Se você dissesse seis meses atrás que as ditaduras no Egito ou na Tunísia seriam expulsas por pessoas usando a internet, a maioria das pessoas não acreditaria.
O senhor vê esse movimento como uma tendência no Oriente Médio ou na América Latina? Acha que isso vai acontecer novamente?
Acho que sim. Às vezes, a mudança vai ser revolucionária, e às vezes vai ser pacífica, ou até modesta. Mas os indivíduos ganharão poder. Veja a Síria, que está brutalmente assolando seu povo, porque o governo não quer se reformar. O presidente Bashar al-Assad diz que quer reforma, mas seus atos e os atos de seu governo não refletem isso. Então os cidadãos estão usando uma variedade de meios, incluindo a internet, para divulgar as atrocidades que acontecem dentro do país. Os países têm escolha. Eles podem comprometer as pessoas em um processo legítimo de reforma, ou terão muita dor de cabeça tentando conter as mudanças que os cidadãos demandam.
Não poderiam fazer isso fechando a internet por exemplo? E o que a comunidade internacional pode fazer para deter isso?
Eles estão tentando fazer isso agora. Ben Ali (Zine El Abidine Ben Ali, presidente da Tunísia) ciberatacou os 19% dos cidadãos tunisianos, que tinham contas no Facebook, tentando tirar informações sobre quem estava inflando os movimentos dissidentes. No Egito, Mubarack simplesmente cortou a internet e as redes de telefonia móvel. Isso enfureceu as pessoas. Ditadores podem fechar a internet, mas se você faz isso, é basicamente dizer que você não valoriza a voz do seu povo. Quando Mubarack fez isso, a comunidade internacional se levantou. Os EUA se manifestaram, publicamente e reservadamente. A comunidade europeia também. É uma oportunidade para a América do Sul se engajar também, porque a maior parte da América do Sul - não toda, mas boa parte - é um ambiente de informações abertas, e de internet aberta.
O poder das redes sociais torna mais fácil para grupos terroristas recrutar pessoas e espalhar suas mensagens. O governo dos EUA está trabalhando para prevenir isso, ou é preciso esperar, saber o que estão fazendo para então combater?
No centro dessa questão, está um fato muito importante: que a internet poder ser usada por qualquer um, com qualquer tipo de intenção. O que a rede faz é amplificar o que já existe no mundo concreto. O propósito dos sites da jihad é radicalizar jovens e impressionáveis muçulmanos. A internet é tão facilmente usada por pessoas pregando o ódio e tentando recrutar para o terrorismo quanto para qualquer outro propósito. O que podemos fazer de melhor é assegurar que, quando essas pessoas postam mensagens de ódio, as nossas mensagens questionando a legitimidade da Al-Qaeda, Hezbollah e outros também estejam lá. Hilary Clinton costuma comparar a internet à energia nuclear, que pode tanto abastecer uma cidade ou destruí-la. A internet é como o aço: pode ser usado para construir um hospital ou uma metralhadora. Depende de quem o está manipulando.
Dez anos após os ataques do 11 de setembro, o seu governo teme um novo ataque usando novas tecnologias?
Nós estamos alerta para o fato de que há muitas vulnerabilidades em nossas ciber redes. Uma das coisas que nosso secretário de Defesa fez foi designar o ciberespaço como um terreno de guerra. Isso significa que o ar, a terra, o mar e o ciberespaço são lugares onde uma guerra pode ser travada.
Então vocês estão observando.
Sim, precisamos estar. Porque estamos sendo atacados o tempo todo. Temos de ter nossas ciberdefesas. E você não pode ser utópico sobre essas ferramentas. Há hackers, há pessoas colocando worms e códigos malignos nos sistemas. Eu desisti completamente de qualquer noção de privacidade em redes móveis. Simplesmente parto do princípio que não tenho privacidade.
Como se pode observar, prevenir e lutar contra esses movimentos sem ser invasivo?
É difícil. Eu, pessoalmente, com meu Twitter, meu Facebook, quando falo no telefone celular, eu parto do princípio que é tudo completamente transparente para o mundo inteiro.
E todo mundo deveria pensar assim?
Não. Infelizmente, eu sou mais alvo do que o resto das pessoas. Estou envolvido diretamente com a agenda de liberdade na internet do governo americano, e há muitos países que não gostam dela, e então eles não gostam muito de mim. E por causa disso, parto do princípio que todas as minhas contas estão comprometidas, com exceção da minha conta oficial do governo. E é assim que vejo a minha vida. É terrível, mas é verdade.
Falando em privacidade, o governo americano tem uma posição muito clara sobre o WikiLeaks, mas como poderiam autoridades ou pessoas se proteger dos vazamentos sem, novamente, ser invasivo ou censor?
Acho que as pessoas devem poder falar sobre o que elas quiserem falar. O problema com o WikiLeaks é que foi roubo. Um soldado de 22 anos chamado Bradley Manning fez download ilegal de dezenas de milhares de documentos. E agora está sendo processado por isso. Não é diferente de levar um caminhão até um prédio, carregá-lo com os arquivos de outra pessoa e ir embora. Então, consideramos o ato do soldado Manning um roubo. Até esse ponto, é a única pessoa que vem sendo processada no caso WikiLeaks, e assumimos que será punido.
Mas ele não é o único culpado pelo vazamento dos documentos no site.
Há uma investigação em andamento no departamento de Justiça dos EUA sobre isso, mas neste momento, a única pessoa a ser processada é Bradley Manning. Podemos não gostar do que o Wikileaks fez, distribuindo essas informações, mas essa é uma questão legal, e cabe a advogados determinar se eles infringiram a lei ou não. E se quebraram a lei ou não, não quer dizer que gostamos disso. Em face a isso, temos de pensar em coisas maiores, como por exemplo, como se gerenciar informação em um mundo cada vez mais conectado.
Como lidar com a transparência...
Exatamente. Isso força todos nós a pensarmos em estratégias de gerenciamento da transparência de informações num mundo com redes que são cada vez mais transparentes.
Os diplomatas americanos estão sendo mais cuidadosos após o WikiLeaks, quando falam ao telefone, mandam e-mails?
Eu não vi nenhuma mudança.
Não?
Não. Hilary Clinton é uma secretária de Estado muito forte. Ela nos pressiona a fazer nosso trabalho. E se tivermos medo de falar, de escrever, de digitar, não faremos nosso trabalho.
Como o seu e outros governos estão lidando com essa necessidade de transparência?
Nos EUA, estamos tentando mudar o default de ¿fechado¿ para ¿aberto¿. Deixar a maior parte das nossas informações abertas, como parte da política de governo. O que o presidente Obama disse que ¿toda a informação que não for confidencial tem de estar acessível ao público¿, em um modo que pessoas possam criar aplicativos e ferramentas para usar essa informação. Por exemplo, se você está procurando uma casa, poderá ir ao site da agência de proteção ambiental e descobrir qual o nível de poluição em determinado endereço. Mas parte tem mesmo de ser fechada. Eu não acredito em transparência radical. Não acredito que qualquer comunicação entre diplomatas deva acontecer em frente a uma câmera. Há um direito, que muitas vezes é necessário, de manter comunicação privada fora do alcance do público.
Há resistência a esta abertura, dentro e fora do governo?
Pessoas fora do governo querem isso.
Todos os setores?
A maioria, sim. Os cidadão americanos querem que o governo seja conduzido tão publicamente quanto possível. Dentro do governo, o presidente Obama vem pressionando bastante por isso. A maioria das pessoas quer, mas há pessoas para quem isso é uma mudança de comportamento. E as pessoas terão de simplesmente se acostumar.
O senhor esteve recentemente no Congo e agora no Brasil. Já foi à Ásia, ao Oriente Médio?
Sim, Estive no mundo inteiro. Na Indonésia, no Catar, no Bahrein, Síria. Uma das coisas importantes quando os Estados Unidos tentam liderar é que temos uma única e global bandeira: liberdade na internet. Então vamos aos quatro cantos do mundo tentando usar a internet nesse sentido, seja em um ambiente muito fechado no Oriente Médio ou em um ambiente aberto como o Brasil.
E como essa mensagem foi recebida no Oriente Médio?
Varia. Sabe quem recebe bem? O povo.
Mas o senhor não fala diretamente com o povo, fala com autoridades...
Eu falo com todo mundo. É bem recebido pelo povo, e às vezes é bem recebido pelos governos, mas muitas vezes, não. E tudo bem! Acho que é importante para nós ter uma bandeira única e pressionar esses governos a abraçar a causa, e as pessoas a participar. É uma mensagem importante: você não pode governar um país se ignorar seus cidadãos ou não permitir que eles se comuniquem. Isso é particularmente verdade em países onde os direitos das mulheres são cassados. Você não pode ter crescimento econômico se metade da população está fora da força de trabalho. Os líderes gostam de ouvir isso? Não. É a coisa certa a dizer? Sim.
Eles não gostam, mas o senhor acha que eles entendem?
Eles entendem de onde nós viemos.
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