O humor redime a vilania nas telenovelas. O lado cômico na personalidade persuasiva de um vilão tem sido responsável pelo amortecimento de suas más ações pelo público. Enquanto alguns maquiavélicos vilões dos dramas mais densos são odiados, como o irreverente Léo, de Insensato Coração, interpretado por Gabriel Braga Nunes, outros se envolvem em situações cômicas e muitas vezes conseguem a simpatia e até a absolvição.
Em Cordel Encantado, da Globo, os vilões interpretados por Débora Bloch e Luiz Fernando Guimarães já roubam as cenas mais divertidas da história de Thelma Guedes e Duca Rachid. A atriz admite ainda desconhecer se sua personagem, a Duquesa Úrsula, é má ou engraçada. "Quando tem humor, em geral, o público acolhe mais e a novela tem esse tom cômico, o que ajuda bastante", afirma. Na trama, o cúmplice da Duquesa é o atrapalhado Nicolau, o mordomo da corte de Seráfia do Norte, interpretado por Luiz Fernando Guimarães. "Ele é um traidor, cafajeste e ambicioso. Vai se envolver em situações engraçadas. O personagem não faz comédia. A situação é que leva ao riso", acredita Luiz.
O contexto cômico vivido pelo vilão não é novidade. Em 1991, Vamp, novela atualmente reprisada no canal por assinatura Viva, mostra o absurdo das ações maléficas dos vilões diluída pela comicidade presente durante toda a trama. O principal vilão, o vampiro Vlad, interpretado por Ney Latorraca, conquistou não só o público adulto, como o infantil. "O humor é uma das armas do vilão. É o tempero que permite as nuances de um personagem rico. O público esquece o mau comportamento do vilão e passa a enxergar só o que agrada. Há uma identificação parcial", defende Ney. O ator acredita que o humor afasta os vilões de um personagem monótono e desumanizado.
Na mais pura linha da vilã clássica, porém recheada de características de desenho animado, a atriz Vera Holtz assegura que se divertiu muito com sua Violeta em Três Irmãs. Em alguns momentos, a personagem era muito má. Em outros, pura comédia. "Não é só o humor que cativa o público. O vilão é multifacetado, possui sagacidade, sedução e humor. Isso o humaniza", garante. Para a atriz, a simpatia do público pelo vilão existe porque sempre há nele características com as quais o telespectador vai se identificar. "Um personagem linear não tem essa abertura. Já um papel multifacetado tem maior possibilidade de conquistar o público, por trazer dentro de si inúmeras facetas. Cada uma corresponderá a um público", avalia a atriz.
Por outro lado, existe também a sensualidade na vilania. Em Cordel Encantado, dirigida por Ricardo Waddington, além dos vilões mais requintados da realeza, há também aqueles inseridos em um contexto bucólico, aparentemente ingênuo, simples e pacato do sertão, como a serelepe Lilica, de Nanda Costa. Ela é uma criada provocante e faceira da casa do coronel Cabral, vivido por Reginaldo Faria. Personagem parecida com a ardilosa Soraia, que transformou-se em "vilãzinha", que Nanda representou em Viver a Vida, de Manoel Carlos. Tanto Lilica como Soraia são sexies, obstinadas e agem ardilosamente na ânsia do que desejam. "As vilãs são persuasivas e sensuais, mas todas também vivem situações cômicas", acredita Nanda.
Entre tantos gêneros de vilões, os autores Gilberto Braga e Ricardo Linhares, de Insensato Coração, apostaram naqueles que mesclam humor com sedução. A personagem Nathalie, interpretada por Deborah Secco, é uma ex-participante de reality show que almeja se dar bem na vida. Por vezes engraçada como "loura burra", em outras interesseira, ela quase sempre surge em tom farsesco. "Acho que esses tipos de personagens dão mais ferramentas para os atores. A mocinha limita um pouco, com ela não se pode testar, errar e tentar outros caminhos", admite Deborah. Quanto ao caráter, o de Nathalie tem se assemelhado ao da personagem Irene, vivida por Fernanda Paes Leme. Uma moça que quer conquistar o primo a qualquer custo. Ambas buscam o que querem sem se preocuparem com as conseqüências.
Na mesma linha, porém numa conduta ainda mais grave, a personagem Norminha, de Dira Paes, em Caminho das Índias preparava um copo de leite para o marido com um "Boa noite, Cinderela", ou seja, um sonífero. Era o suficiente para ele dormir a noite inteira, enquanto sua mulher rondava a cidade atrás de amantes, como uma onça a procurar uma presa. Os telespectadores aguardavam ansiosos pela fuga sorrateira. Ou seja, com o aval da comédia, a maldade e a traição eram permitidos. "Ela não era uma vilã. Foi um papel muito forte. Depois dela, a minha relação com o público passou a ser de intimidade", explica Dira.
Vilania ameaçada
Existem também os vilões sem comicidade alguma. São personagens inesquecíveis por suas perversidades causadoras de enorme aversão no público, desenhados com a brutalidade em um carrasco, sem outras vertentes.
A proximidade da ficção com a realidade mais detestada pela sociedade faz o público ter um julgamento mais severo, sem grandes afinidades ou identificações. Como em relação ao personagem de Dan Stulbach, o Marcos de Mulheres Apaixonadas. Ele vivia um ciumento marido que agredia fisicamente sua ex-esposa, interpretada por Helena Ranaldi. Ou ainda, na mesma trama, escrita por Manoel Carlos em 2003, a personagem Dóris, interpretada por Regiane Alves, que humilhava e roubava os próprios avós. "Cheguei a apanhar nas ruas por causa dele. Realmente não havia a menor graça", lembra Dan.
Instantâneas
- Em Que Rei Sou Eu?, novela escrita por Cassiano Gabus Mendes e Luís Carlos Fusco, em 1989, o vilão Ravengar, vivido por Antônio Abujamra, era destaque na trama pela sua vilania.
- Em Celebridade, novela escrita por Gilberto Braga, exibida em 2003 e 2004, o ambicioso editor da revista Fama, conduzia o personagem de vilão, Renato Mendes, interpretado por Fábio Assunção, que atraia a atenção do público por seus sarcasmos.
- Em Senhora do Destino, novela escrita por Aguinaldo Silva, exibida em 2004, a vilã interpretada por Renata Sorrah também garantiu grande parte dos risos dos telespectadores com suas ações absurdas e suas falas sádicas.
- Em Rebelde, novela exibida atualmente no horário das sete, na Record, a vilã atrapalhada Silvia, interpretada por Cássia Linhares, arma mil e umas para conseguir dinheiro e se vê dentro de situações engraçadas que fogem de seus plano.
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