Um novo modelo de financiamento, que propõe a captação de recursos de forma colaborativa para realizar projetos criativos está dando oportunidade para quem não vê vantagem nos modelos tradicionais de obtenção de recursos. É o crowdfunding, que já levantou mais de US$ 20 milhões nos Estados Unidos, e que começa a ganhar atenção no Brasil. "Basicamente é um grupo de pessoas se unindo para juntar o dinheiro para fazer alguma coisa acontecer", diz o desenvolvedor de software Daniel Weinmann, que junto com Luís Otávio Ribeiro e Diego Borin Reeberg, fundaram a primeira plataforma de crowdfunding no Brasil, o Catarse.me, há pouco mais de um mês.
Segundo ele, o sistema de financiamento coletivo não é uma novidade, mas se tornou mais fácil com ajuda da internet. "Um dos exemplos mais clássicos de crowdfunding é a construção da Estátua da Liberdade, que foi construída com dinheiro da população através de doações", diz Weinnmann. Os recursos são levantados por meio de sites, ou plataformas, onde são apresentados os projetos. A pessoa faz a doação, mas caso o a verba necessária não seja levantada após o fim do prazo, o dinheiro é devolvido ou aplicado em outra ideia. Quem aposta em projeto bem aceito por outros usuários recebe uma recompensa, que dependendo de cada projeto, pode ser a cópia de um livro, ingressos para o espetáculo financiado, ou a inclusão do nome nos créditos.
Atualmente, no Catarse.me, o perfil se restringe a projetos criativos, que envolvam a criação de algo com "começo, meio e fim", explica Weinnmann. "Nossa curadoria é bastante rígida para identificar quem são essa pessoas e quanto elas estão prontas para explicar, fazer um bom vídeo e mobilizar uma comunidade para fazer o projeto acontecer", diz, citando projetos jornalísticos e artísticos como maioria no Catarse, que com pouco tempo de vida, registrou 20 mil pessoas interagindo com o ambiente de projetos. Desse total, 350 usuários já doaram R$ 20 mil.
Já para Igor Simas, Leandro Guedes e Rafael Mazza - sócios de uma agência digital - o lançamento da plataforma Showzasso.com nesta semana foi mais uma forma de viabilizar a vinda de músicos que gostariam de ver ao vivo. Assim como outra iniciativa já bem sucedida no Rio de Janeiro, os três focam em artistas de menor projeção que procuram oportunidade para tocar em São Paulo. A primeira empreitada tem como objetivo arrecadar R$ 54 mil em 270 cotas de R$ 200 cada. "Se fecharmos o número mínimo para bancar o show nos primeiros ingressos, a gente não ganha nada e o show acontece", afirmam.
Mas não é só de boa música que vivem os jovens empresários. Depois de garantido o show, os ingressos são abertos ao público em geral e o grupo também pode vender cotas de patrocínio a empresas, que ajudam a antecipar a confirmação do evento e a financiar o negócio. De acordo com eles, a promoção do evento deixa de ser sem fins lucrativos a partir do momento em que o show é confirmado. No entanto, caso haja lotação da casa, os primeiros a comprarem cotas são reembolsados integralmente.
Crowfunding para "estartar"
Além de financiar projetos criativos, o crowdfunding pode ser visto como uma nova modalidade para o financiamento de negócios, os chamados "crowdfunding para estartar" (dar início). "É a ideia de financiar uma empresa recebendo ações como retorno", explica Weinnmann. Apesar de já ser uma realidade na Europa, no Brasil e nos Estados Unidos, a idéia esbarra nas restrições legais.
Para o professor do curso de ciência econômicas da Universidade Metodista de São Paulo David Hedorn, as restrições para a obtenção de recursos para iniciar um negócio por meio de crowdfunding esbarram em questões culturais. "O que acontece no Brasil é uma questão cultural. O sistema financeiro, o sistema bancário, os empréstimos tradicionais por vias públicas ou privadas, são uma coisa que é plantada na cultura dos países que foram colonizados por hispânicos. Então nós não temos essa tradição de, por exemplo, oferecer uma possibilidade de que você participe de uma ideia e que se torne um sócio. Isso é muito mais comum nos países que foram colonizados pelos anglo-saxões como Inglaterra e Alemanha".
Hedorn explica que a captação de recursos por parte de empresas privadas no Brasil, que não sejam financeiras, exige o cumprimento de uma série de exigências. "Não é muito simples. Hoje, a CVM (Comissão de Valores Imobiliários) é quem cuida do segmento do mercado de capitais no Brasil. Então não é fácil você captar a poupança do público sem você ter uma série de pré-requisitos, que são marcos regulatórios, exigência legal", diz ao falar sobre uma espécie de segregação econômica. "As ofertas públicas que ocorrem em bolsas são de no mínimo R$ 300 milhões ou R$ 400 milhões de captação".
Para os paulistas da Showzasso, a burocracia é um dos obstáculos a serem superados para o sucesso do crowdfunding no Brasil. "Estudamos a viabilidade financeira, burocrática e técnica parar tornar este projeto possível. Não diria que qualquer um poderia fazer isso da noite para o dia. Até o momento a maior burocracia é o visto para o artista fazer o show no Brasil. Além disso, há o custo da criação do site e de um sistema que faz a compra dos ingressos-reembolsáveis", afirmam.
Segundo Weinnmann, um grupo de Minas Gerais está montando o site chamado Lovemoney que visará reunir recursos para empreendimentos com algum retorno para aqueles que optem por investir na ideia. "O que eles vão fazer é dar um retorno do investimento a essas pessoas. Não é uma cota societária, mas sim como se fosse um empréstimo quase sem juros", diz. A legislação brasileira proíbe pessoas a emprestarem a juros maiores do que 1% - essa operação só é permitida a bancos e financeiras. Segundo ele, é um formato mais próximo dos microlandings (algo como pequenos empréstimos).
Os microlandings, no exterior, são usados para financiar iniciativas de cunho social, como é o caso do Kiva.org. "Isso não é uma doação, é um empréstimo, e como nos Estados Unidos não existe a mesma rigidez que aqui (no Brasil), a pessoa pode até cobrar juros em cima disso", diz Weinnmann. Segundo ele, um exemplo semelhante foi colocado em prática no Brasil, o Fairplay, que teve os serviços bloqueados pelo Banco Central. "Por cobrar uma taxa de juros acima de 3%, eles foram enquadrados pelo Banco central como agiotagem (...) O ponto central é que eles não eram uma instituição financeira, mas estavam prestando serviços de uma instituição financeira, então, estavam brigando com "peixes grandes"".
Vantagem para empresas
O professor diz que as empresas podem aproveitar as plataformas de crowdfunding para entrar nas redes sociais. "Porque por meio do uso das redes sociais é possível filtrar e bombardear o público alvo com campanhas para arrecadação. Se não fosse esse meio, esse tipo de arrecadação seria feita por meio de mala direta, e outros canais". Weinnmann diz que o Catarse vai abrir uma nova modalidade de parceria na qual empresas entram como parte do financiamento dos projetos, e recebem retorno por meio da divulgação.
De acordo com Andre Pereira Gabriel, que é engenheiro, mas possui especialização em gestão de negócios e finanças, para que o crowdfunding dê certo no Brasil devem ser analisadas as questões culturais e de nicho de mercado. "Pode ser que esses sites dêem certo, mas temos que adaptá-los para a cultura e realidade brasileira". Ele cita o exemplo do Queremos.com.br que tem funcionado para financiar a vinda de bandas de outros países para o Brasil.
Ele diz que os modelos disponíveis no Brasil são bem similares aos americanos, mas aponta que o conceito de crowdfunding ainda é muito novo no Brasil. "Primeiro porque é um sistema totalmente novo, pouquíssimas pessoa sabem o que é isso. Pode ser que daqui a um ano o crowdfunding pode ser tão comum como os sites de compras coletivas. Há um ano, as pessoas perguntavam o que era compra coletiva, mas ninguém sabia."
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