Institucionalização política dos BRIC não faz sentido, diz criador do termo
O processo de institucionalização política do grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) não faz sentido na avaliação do economista Jim O’Neill, criador do acrônimo que reúne os quatro gigantes emergentes.
Em entrevista à BBC Brasil, O’Neill diz que a aliança política do grupo, que realiza sua 3ª reunião de cúpula anual nesta semana, na China, não traz grandes benefícios para os países-membros.
“Qual o objetivo dos países BRIC se reunirem?”, questiona O’Neill, atual presidente da gestora de ativos do banco Goldman Sachs na Grã-Bretanha.
“Não sei bem, a não ser o fato de que é uma chance de eles se reunirem sem os Estados Unidos, algo que os russos em particular gostam muito”, afirmou.
Para o economista, apesar da reconhecida importância econômica dos quatro países, eles têm muitas diferenças entre si.
“A Índia tem muito orgulho de sua democracia, a China não. Brasil e Rússia têm níveis de renda per capita semelhantes, o dobro da China e seis vezes a da Índia”, enumera.
Ele diz que “é preciso cautela sobre o que eles estão tentando conseguir juntos”, mas reconhece que economicamente pode haver alguns benefícios da união.
Entre esses benefícios, ele cita as negociações dentro do grupo para a utilização de moedas próprias nas trocas comerciais entre os países e a posição comum no grupo sobre o possível crescimento do uso dos DES (títulos de uso limitado emitidos pelo FMI e baseados no dólar, no euro, no iene japonês e na libra britânica).
Os países em desenvolvimento defendem que os DES tenham seu uso ampliado e passem a incorporar também o real e o yuan chinês, para serem usados como uma espécie de moeda comum para o comércio internacional.
“Nessas questões, consigo ver um propósito comum. Em outras, não estou tão seguro”, disse.
África do Sul
O’Neill também critica o recente convite para que a África do Sul se junte ao grupo BRIC a partir da cúpula desta semana.
“Isso não faz muito sentido para mim”, diz. “A África do Sul é pequena em comparação com esses países, tem só meio porcento do PIB global”, afirma.
Para ele, há outros países com potenciais econômicos mais parecidos com os dos BRIC, como Turquia, Indonésia, México, Coreia do Sul, Arábia Saudita e Polônia.
“(O convite à África do Sul) é um pouco estranho”, diz ele. “Algumas pessoas dizem que é porque eles estão representando a África, mas se perguntar aos outros países africanos eles não vão concordar com isso”, afirma.
Mercados de crescimento
Recentemente, O’Neill anunciou que o Goldman Sachs deixaria de se referir aos países BRIC como “economias emergentes” e passaria a denominá-los como “mercados de crescimento”.
Segundo ele, é um reconhecimento pelo desenvolvimento verificado por esses países na última década. “Esses países ficaram muito importantes e alcançaram questões chave, então não deveríamos pensar mais neles como mercados emergentes tradicionais”, afirma.
Ele observa que os quatro ainda estão longe de atingir o mesmo nível de riqueza de países como Estados Unidos, Grã-Bretanha ou Alemanha, mas diz que “estão certamente indo nessa direção”.
“Esses países não estão no mesmo nível de desenvolvimento que a maioria dos países desenvolvidos, mas claramente também não são mais economias emergentes, são algo intermediário”, explica.
Para ele, o Brasil tem uma boa chance de se tornar um país desenvolvido nos próximos 30 anos ou menos.
“O Brasil acabou de se tornar a 7ª economia do mundo, cerca de dez anos antes do que tínhamos previsto em 2001. Pode ser que as coisas sigam da mesma maneira e que em 20 anos a riqueza do povo brasileiro seja a mesma que a de muitos paises desenvolvidos hoje”, diz.
“A renda per capita brasileira é hoje próxima de US$ 10 mil. Se a economia triplicar de tamanho em 20 e poucos anos, como acreditamos que pode, isso significaria uma renda per capita de US$ 30 mil, o que não está muito longe da renda per capita da Itália”, observou.
Desafios
Apesar de ver esse potencial de crescimento no Brasil, O’Neill adverte que o país enfrenta desafios, como o controle dos gastos públicos, as taxas de juros altas e a sobrevalorização do real.
Para O’Neill, a presidente Dilma Rousseff terá pela frente o grande desafio de tentar repetir o sucesso conseguido pelo antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
“Acho que Lula deveria ser reconhecido como o mais importante formulador de políticas do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) da última década. É difícil conseguir o mesmo sucesso depois dele”, comenta.
O’Neill observa que muitos problemas enfrentados pelo atual governo são consequência do sucesso do governo anterior em evitar a contaminação da crise global por meio de uma expansão da política fiscal, exigindo agora medidas para controle de gastos públicos.
Para ele, as medidas já tomadas pelo governo para tentar solucionar esses problemas ainda não tiveram os resultados desejados. “Certamente não foram suficientes para reduzir as taxas de juros, porque elas não foram reduzidas e a moeda continua bastante forte”, diz.
“Eu recebo visitas do Brasil que me dizem que Londres é barata para elas (por conta do real valorizado). São as únicas pessoas do mundo que acham isso... Isso não era um problema que Lula enfrentou, então isso é um grande desafio”, comenta.
Para O’Neill, as discussões atualmente em curso entre os BRIC poderão ajudar o Brasil a enfrentar esses problemas.
“A questão de usar as próprias moedas para o comércio e de aumentar o uso dos DES pode ser parte de uma solução de longo prazo da qual o Brasil é parte”, afirma.
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