BBC revela esquema que escraviza mulheres de Uganda no Iraque
Um programa de rádio da BBC afirma que mulheres de Uganda estão sendo escravizadas no Iraque, após serem ludibriadas com ofertas de emprego. Quatorze delas foram resgatadas em uma recente operação.
Ao menos cem mulheres que partiram de Uganda com destino ao Iraque em 2009 estão desaparecidas.
Uma das histórias relatadas no programa é a de Prossie, que trabalhava como professora.
Ela ouviu um anúncio de rádio em Uganda a respeito de uma oferta de emprego de uma companhia baseada na cidade de Kampala chamada Uganda Veterans Development Ltd. O anúncio afirmava que a companha estava recrutando mulheres para trabalhar por altos salários em lojas situadas em bases militares americanas no Iraque.
Ela, assim como outras 146 mulheres, se candidataram para a vaga.
Mas quando chegou a Bagdá, Prossie descobriu que havia sido "comprada" por um iraquiano pelo equivalente a US$3.500 (cerca de R$ 5.700). O verdadeiro trabalho que lhe havia sido destinado era o de ser empregada doméstica de uma família iraquiana.
Assim como muitas outras, ela era submetida a longas horas de trabalho, que por muitas vezes iam das 5h até a meia-noite. Muitas vezes, ela recebia pouca comida ou água e ficava trancada dentro de casa.
""É muito trabalho porque no Iraque existe essa poeira, que vem das tempestades de areia. Ela não para de cair, então você precisa limpar desde a manhã até a hora em que vai dormir"", afirmou Possie.
Quando ela resolveu protestar, seu empregador lhe disse: "Nós pagamos muito dinheiro por você. E nos disseram que pessoas como você não ficam doentes e não se cansam. Então, você vai ter que trabalhar".
Possie também foi estuprada pelo dono da casa. Muitas das outras mulheres ugandenses ludibriadas pelo mesmo esquema com as quais a BBC conversou também foram estupradas.
"Me senti tão triste e não tinha como sair. Eu odiava tudo na casa. Foi um tortura psicológica"", conta Possie.
Auxílio
Do outro lado de Bagdá, em uma base militar americana, um ugandense que trabalhava como funcionário autônomo do setor de segurança, chamado Samuel Tumwesigye, soube do calvário que mulheres de seu país vinham enfrentando no Iraque.
Tumwesigye conseguiu telefonar para uma delas, Agnes, que usou um telefone celular que havia conseguido esconder. Ele prometeu que iria ajudá-la.
""A primeira coisa que eu fiz foi ir para meu quarto e rezar. Pensei: "Por favor, vou começar isso. Me ajude a ter êxito.""
Tumwesigye contou com a ajuda do comandante local, o tenente coronel Theodore Lockwood, que se comoveu com o drama das ugandenses.
Ele disse a Agnes que se ela conseguisse escapar da casa e chegar à estátua do Homem Voador, perto do aeroporto de Bagdá, ele iria resgatá-la.
Agnes não tinha passaporte, contava com pouco dinheiro e não falava árabe. Ela aproveitou um dia em que a família da casa em que vivia tirou um cochilo na parte da tarde para fugir.
Foram resgatadas ao todo 14 mulheres ugandenses. Muitas estavam ou doentes ou severamente traumatizadas. Uma delas havia sido estuprada e estava grávida, e temia-se que ela cometesse suicídio. Outra não conseguia falar, devido ao trauma mental que sofrera. Muitas delas tiveram de receber tratamento devido à desidratação e à exaustão.
Lockwood conseguiu oferecer a elas cuidados médicos e até mesmo dentários na base militar. Ele gastou um total de US$ 5 mil do seu próprio dinheiro e coletou mais US$ 2.500 de colegas em roupas e outros mantimentos para as mulheres.
A empresa que recrutou as mulheres, a Uganda Veterans Development Ltd possui fortes vínculos com o partido atualmente no poder em Uganda e continua a exportar mão de obra local para o exterior.
O gerente da companhia, o coronel Mudola, disse não ser responsável pelas mulheres após o recrutamento.
""Elas não são nossas empregadas. Nós as recrutamos e elas firmam um contato com as companhias do outro lado (no Iraque). Nós cuidamos delas e fazemos questão de garantir que elas são bem tratados, mas na realidade o contrato entre os agentes e as meninas"", disse.
Fonte de renda
A exportação de mão de obra é considerada a maior fonte de divisas estrangeiras de Uganda, rendendo ao país um total de US$ 500 milhões ao ano.
A licença da empresa Uganda Veterans havia sido revogada pelo Ministro do Trabalho, após a mídia local ter denunciado as práticas a que as mulheres vinham sendo submetidas.
Mas em dezembro do ano passado, a licença foi renovada e as exportações de mão de obra foram retomadas.
Quando questionado sobre o tema, o ministro do Trabalho, Gabriel Opio, afirmou: "Nós os encontramos em diversas reuniões políticase ele é um membro da hierarquia partidária, portanto é preciso lidar com ele de modo que a atmosfera para reuniões políticas de alto nível não seja comprometida"".
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