Consumo de crack é grande num dos bairros mais antigos de Cuiabá; crianças são os principais alvos
Bocas-de-fumo proliferam e Pedregal vira "cracolândia"
Andando pelas ruas do Pedregal e proximidades, percebe-se que é na calada da noite que o uso e o comércio de drogas - com destaque para o crack (droga, geralmente fumada, feita a partir da mistura de pasta de cocaína com bicarbonato de sódio) - chega ao seu ápice, num dos mais antigos bairros de Cuiabá.
As ruas estreitas e escuras são tomadas por grupos de pessoas que compram, vendem e fumam crack. Em alguns pontos do bairro, os encontros entre viciados e traficantes são tão grandes, que as ruas se assemelham a uma "cracolândia".
"Jovens magros, sujos, olhar perdido, à procura de mais uma pedra de crack". Esse é o quadro de uma triste realidade não apenas no Pedregal, mas em bairros próximos, como Jardim Leblon, Lixeira e Barro duro, segundo a professora L.R., testemunha dessa triste situação.
Professora do Ensino Médio, L. passou o ano letivo de 2010 dando aulas na Escola Estadual João Brienne de Camargo, na Rua João Gomes Sobrinho, e que atende alunos dessas localidades. Segundo ela, o uso e a comercialização de drogas, principalmente o crack, são uma triste realidade local.
"O uso e o tráfico começam cedo. As crianças acabam sendo levadas pelo tráfico. Depois de viciadas, elas vendem a droga para sustentar o uso", disse a professora.
L. é professora de alunos com idade entre 12 a 18 anos, fase em que a maioria dos jovens desperta interesse pelas drogas. "Muitos me falam que se sentem incomodados com o assédio dos que querem comprar drogas e também dos que vendem. Me falam que é comum estarem nas ruas e serem abordados por rapazes e moças, em carros novos, e que perguntam onde é o ponto [boca-de-fumo]", revelou.
A Rua 4 de Janeiro, também conhecida como Rua da Paz, no Pedregal, é considerada um dos maiores pontos de venda e uso do crack no bairro. L. disse que já flagrou grupos de usuários com a droga em plena luz do dia.
"Já aconteceu de eu estar indo dar aulas e flagrar uma turma usando crack, em plena luz do dia. Cachimbos são deixados nas calçadas, como se isso fosse normal", contou a professora.
"Sempre falam que a droga é uma escolha. Quando vejo uma criança de 10 anos viciada em crack, com o pé inchado de tanto andar descalço, e que mal consegue conversar em função das sequelas da droga, pergunto: ela teve tempo de fazer escolhas?", questionou.
Infância perdida
A diretora da Escola Estadual João Brienne de Camargo, Valdirene Aparecida Freitas, disse que as drogas fazem parte do cotidiano das crianças e juventude local.
"Uma criança de oito anos estava oferecendo acetona para um coleguinha de sala. Fui na casa dos pais e constatei que a família era totalmente sem estrutura. O convívio com a droga era considerado normal para esse aluno", relatou a diretora.
Valdirene contou ainda que é fácil perceber quando a criança começa a se envolver no submundo da droga, no bairro Pedegral. "Tem criança muito pobre que chega na escola com R$ 50 para comprar lanche. Depois, começa a faltar às aulas, abandona a escola. Temos muitos alunos usuários. Todo esse caos é derivado da falta de apoio familiar. Muitas vezes, os próprios pais são usuários ou traficantes", disse a professora.
Segundo ela, a situação já foi pior. A escola, por exemplo, não tinha muro, o que facilitava a entrada de usuários e traficantes, que faziam o comércio de drogas, além da prostituição.
"Já tive que tirar os alunos da quadra de esportes, por que chegavam homens e mulheres para se drogar e prostituir. Solicitei recursos da Secretaria de Educação e as reformas nos deram mais segurança", revelou Valdirene Freitas.
Cotidiano
Moradores do bairro Pedregal relataram que costumam ficar incomodados e sofrem com as vidas perdidas pela droga. A dona de casa R. S. D., 78, por exemplo, contou que é triste ver adultos e crianças que nasceram no bairro e estão perdidas no vício do crack.
"Tem rapaz e moça, os quais vi crescer, carreguei no colo... Hoje, são viciados, parecem zumbis. Os filhos deles, certamente, irão pelo mesmo caminho. Nem tenho mais graça de sentar na porta de casa, dói o meu coração", disse a moradora do Pedregal, desde o ano de 1970.
Outras "bocas"
O uso indiscriminado do crack, lamentavelmente, não é privilégio da região do Pedregal. O Centro Histórico de Cuiabá, a Praça Ipiranga, o Morro da Luz e Avenida da Prainha são alguns dos locais que foram tomados pelo submundo da droga.
Alguns casarões abandonados, no Centrão de Cuiabá, servem à prática do tráfico de drogas, à prostituição e à jogatina.
Não existe uma política da segurança voltada para esse problema. A reportagem já teve a oportunidade de flagrar a presença de viaturas da PM, durante o dia, circulando por esse locais, mas sem uma ação ostensiva e/ou repressiva.
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