Hospital atende vítimas de surto pós-conflito na Líbia
Suraya Mustafá, 23, está amarrada à força a uma cama há dez dias. Com os olhos virados, balbucia sem parar frases desconexas.
Numa sala ao lado, Aljia Awd, 38, se esconde debaixo do cobertor com medo de ser despedaçada por milícias.
Ela destapa timidamente os olhos e diz que seus quatro filhos estão prestes a ser mortos pelos soldados de Muammar Gaddafi.
Suraya e Aljia são novas pacientes do Hospital Psiquiátrico de Benghazi, um dos únicos dois da Líbia -o outro está em Trípoli.
Elas estão entre as dezenas de casos diagnosticados de líbios sem histórico de doença mental que tiveram surtos psicóticos deflagrados pela guerra atual.
Suraya apresentou sintomas depois que sua família viu de perto um bombardeio em Bin Jawad. Tornou-se violenta e incapaz de qualquer comunicação lógica.
Aljia, moradora de Guedames, foi levada pela família até Benghazi depois de não conseguir mais cuidar dos filhos por pânico das notícias e relatos da guerra.
Psiquiatras do hospital que as acolhe dizem ter atendido ao menos cem pessoas, mulheres e homens na mesma proporção, desde o início da revolta líbia, em fevereiro.
"Houve dias em que pacientes chegavam às dezenas", disse à Folha Mansour Elhoty, um dos psiquiatras coordenadores do hospital, aparentemente limpo, bem cuidado e seguro. "Muitos casos são de reação psicótica aguda, mas há também gente sofrendo estresse agudo, ansiedade e depressão."
Segundo Elhoty, a maior parte das pessoas foi medicada e rapidamente liberada para voltar para casa. Famílias receberam instruções sobre como lidar com surtos.
O hospital registrou nos últimos dias alta das internações, mas também houve várias saídas. Todos os presos políticos que o regime de Gaddafi havia internado sob alegação médica aproveitaram a tomada de Benghazi pelos rebeldes para escapar.
"Sabíamos que não eram doentes mentais, por isso fechamos os olhos para a sua saída", diz Elhoty.
Durante anos, o psiquiatra e seus colegas eram obrigados a trancar pessoas trazidas por agentes do governo que apresentavam supostos certificados de patologia.
Os presos ficavam na ala A, reservada aos casos mais agudos de doença mental.
O local onde dormiam os inimigos do regime, visitado pela Folha, consistia em duas salas de azulejo gelado e com banheiros sem água corrente. Em um dos muros havia uma caricatura de Gaddafi desenhada à mão, com a frase: "Líbia livre".
Ouvem-se a todo instante os gritos dos pacientes não políticos da ala A, que se apertam nas grades de uma janela para tentar falar com visitantes. "Gaddafi é um cachorro, Gaddafi não é legal", repetia sem parar um agitado paciente idoso.
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