Mostra do Fim do Mundo começa em agosto
Temperaturas no inverno não passam de zero grau, e as correntes do canal de Beagle costumam armar grandes tempestades em volta de Ushuaia, povoado mais próximo da Antártida, no extremo sul da Argentina.
No auge da estação de esqui, enquanto não somem as geleiras que vêm derretendo, a terceira edição da Bienal do Fim do Mundo acontece no fim de agosto deste ano.
Depois de duas edições no verão, a mostra foi adiada agora para coincidir com a temporada turística dali.
Se, em temperaturas mais amenas, com o evidente degelo do horizonte, o foco era o apocalipse ecológico do aquecimento global, a versão invernal da Bienal do Fim do Mundo trata de tempos dilatados e questões perenes.
Dilatados, porque é toda uma era geológica, a atual, chamada Antropoceno, que baliza a exposição. Perenes, porque os projetos escolhidos são reflexões sobre os quatro elementos --terra, ar, água e fogo--, evocando certa pureza ancestral.
"Fiquei muito emocionada em Ushuaia, com aquela baía, as geleiras", diz a curadora da mostra, Consuelo Císcar, à Folha. "É um espaço que ainda não tem todas as suas redes construídas."
Na visão de Císcar, que também dirige o Instituto Valenciano de Arte Moderna, na Espanha, é a chance de deixar marcas permanentes num território marcado por transformações climáticas.
Seu projeto vem na esteira da regionalização de bienais mundo afora, exposições que se tornam menores e tentam estreitar cada vez mais os laços com a cidade onde ocorrem. Cerca de cem artistas, em grande parte argentinos, estão escalados para essa Bienal do Fim do Mundo.
Pelo menos duas obras, aliás, devem ficar montadas em Ushuaia mesmo depois da exposição. Júlio Quaresma, artista angolano, vai construir duas pirâmides e uma árvore iluminada, enquanto o espanhol Paco Caparrós monta uma caixa de luz que flutua sobre o mar.
Também está nos planos a construção de cinco novos projetos de arquitetos argentinos, obras que vão se integrar à paisagem da Terra do Fogo e ampliar espaços para futuras edições da mostra.
Mas, enquanto isso não sai do papel, a Bienal tenta reavivar o que já existe em Ushuaia. Um hangar que serviu de aeroporto durante a Guerra das Malvinas vai reunir trabalhos sobre os quatro elementos e um recorte sobre relações entre arte e esporte.
No antigo presídio, que marcou a ocupação do povoado no começo do século 20, a curadoria quer instalar um núcleo sobre arte e gastronomia, homenageando o diretor espanhol Bigas Luna.
Outra aproximação com o contexto local é a parte da mostra dedicada a Vicente Blasco Ibáñez, espanhol que tentou fundar uma colônia rural na Argentina. Nessa pegada campestre, também está nos planos até um piquenique no gelo e espetáculos de flamenco sobre a neve.
Se estranha a combinação, ninguém esconde que essa é uma exposição multidisciplinar, com forte vocação para alavancar o turismo na região e despertar mesmo o interesse de quem mora ali.
"Essa bienal precisa ser feita com pessoas do lugar, eles têm que sentir que a exposição é deles também", diz Císcar. "Falamos dos quatro elementos para ter um impacto sobre todos os sentidos, mesmo com o frio."
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