Escorraçados da Líbia, somalis rejeitam repatriação
Os egípcios foram embora. Os bengalis estão na fila para embarcar. Os ganenses começaram nesta terça-feira a ser repatriados. Sobrarão os somalis, que não têm aonde ir.
Os trabalhadores braçais da Somália que fugiram da Líbia se amontoam num campo de refugiados perto da fronteira líbio-tunisiana sem perspectiva alguma de ser removidos.
Somalis não querem nem podem voltar a seu país, um dos mais pobres, perigosos e disfuncionais do mundo.
A Somália está sem governo efetivo desde o início da guerra civil, em 1991. Típico Estado falido, tem poucas e incipientes representações diplomáticas e praticamente não emite passaportes.
Com petrodólares e demanda por mão de obra dócil, a Líbia havia se tornado ao longo dos anos uma espécie de segunda pátria para muitos retirantes somalis.
No levante contra Muammar Gaddafi, somalis foram comparados pela população rebelde com mercenários pró-regime e saíram da Líbia caçados como animais.
Muitos foram espancados e roubados no caminho até a Tunísia, elogiada por acolher todos que fogem da Líbia.
Agora se voltam para o Acnur, a agência da ONU para refugiados, que os acolhe num campo com dezenas de barracas antes de tentar realocá-los em países que se disponham a recebê-los.
Shuaib Albom, 23, era operário de construção em Trípoli. Vindo de Mogadício, chegou à capital líbia em 2006, após 25 dias viajando de carro pelo deserto. Ele agora sonha em ir para Helsinque, na Finlândia, onde seu irmão vive com status de refugiado.
"É complicado, não tenho nem passaporte, mas tenho fé que a ONU dará um jeito", disse à Folha nesta terça-feira, enquanto perambulava pelo campo poeirento.
Amina Dahina, 40, quer ir para os EUA. "Adoro a América", diz ao ajeitar o véu colorido sobre a cabeça. Dahina passou dois anos em Trípoli, acompanhando os três filhos, todos operários.
Zahra S., 22, está no campo com marido e bebê de cinco meses. Enquanto se dirigia a uma fila de distribuição de comida, disse não saber para que país gostaria de ir. "Serve qualquer um em que não houver guerra", afirma a moça, também coberta.
O Acnur registrava até esta terça-feira ao menos 400 somalis. É pouco diante das dezenas de milhares de egípcios que passaram pelo campo antes de ser repatriados por seu governo com apoio de organismos internacionais.
Mas os somalis estão entre os poucos que se encaixam na definição legal de refugiados: populações que não podem voltar para seu país de origem por riscos de violência ou perseguição.
PREOCUPAÇÃO MÁXIMA
Em entrevista à Folha enquanto visitava o campo perto da fronteira, o alto comissário das Nações Unidas para refugiados, o ex-premiê português Antonio Guterres, admitiu que a situação dos somalis é uma das principais preocupações.
"Não é uma situação nova, já que há 10 milhões de refugiados no mundo. Fazemos um apelo geral para que muitos países ajudem a resolver o problema", disse Guterres.
"O Brasil tem nos ajudado nos esforços de reinstalação, acolhendo inclusive palestinos", afirmou o ex-premiê, insistindo em que não se tratava de um apelo particular ao governo brasileiro.
Guterres afirma que a atual crise migratória é fruto de um problema maior. "É preciso fazer com que a guerra acabe."
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