Revolta líbia contrasta com movimentos do Egito e da Tunísia
A revolta popular contra Muammar Kadafi, que já é considerada uma guerra civil, contrasta com o desenlace relativamente pacífico das revoluções da Tunísia e do Egito, inspiradoras da onda de protestos contra os regimes autoritários da região.
A prisão, em 15 de fevereiro, do advogado Fethi Terbil desencadeou a revolta contra Kadhafi. Os meios de comunicação pensavam que o líder líbio seria derrubado por manifestantes pacíficos, como aconteceu com os presidentes tunisiano, Zine El Abidine Ben Ali, e egípcio, Hosni Mubarak.
Mas a violência da repressão dirigida pelo regime de Kadhafi ou a formação de "frentes" mostraram que, na Líbia, as coisas seriam diferentes do que o que aconteceu na Tunísia e no Egito.
"O que está acontecendo já é uma guerra civil", afirmou Arshin Adib-Moghadam, especialista em Líbia da Escola de Estudos Orientais e Africanos, de Londres. "Nenhuma das duas partes retrocede, por isso é muito provável que haja uma longa guerra de desgaste", acrescentou.
Depois da rápida deserção de chefes militares e soldados e as renúncias de ministros (Interior e Justiça) e embaixadores, alguns observadores mais otimistas chegaram a pensar que o regime viria logo abaixo.
"Mas acho que Kadhafi previu que haveria deserções", explica Fred Wehrey, da americana RAND.
Essas deserções ocorreram apenas em certas regiões, em particular no leste do país, onde se concentram opositores históricos ao regime.
Bairros de Trípoli e cidades situadas ao sul da capital também tentaram revoltar-se durante as duas primeiras semanas de protestos, mas foram sufocados pelo regime, como aconteceu em Zawiya (oeste).
O "guia da revolução" despachou para Zawiya uma brigada de elite sob comando de um de seus filhos, Jamis. Médicos relataram por telefone à AFP cenas de guerrilha urbana e um "banho de sangue", com tanques disparando nas ruas.
"Parte da estratégia se baseia em instaurar um clima de terror para que a população não apoie a oposição", explica Wehrey.
"A oposição não está suficientemente equipada, mas luta com determinação. Dá a impressão de que está começando a usar táticas de guerrilha", acrescenta Adib-Moghaddam.
Para os especialistas, o conflito poderá durar um longo tempo, já que as características do território líbio e do estado das forças armadas e da insurreição impossibilitam grandes ofensivas.
"Nenhum dos dois bandos pode conquistar um território e mantê-lo. Quando se conquista um território, é preciso consolidar as posições e mantê-las de forma duradoura", indica Wehrey.
Os combates são intensos em torno das cidades das zonas petrolíferas do leste do país. Dessa forma, o regime lançou-se a conquistar a cidade de Brega, na parte oriental do país, para controlar o petróleo e "cortar" a eletricidade de Bengahzi, centro da insurreição.
Por sua parte, os insurgentes procurar cortar os recursos do líder líbio, que optou por distribuir dinheiro para a população para obter seu apoio.
"Em curto prazo, a família Kadhafi tem recursos suficientes para manter o país funcionando. Não creio que possam derrubá-lo ou que ele vá renunciar por motivos econômicos", concluiu Adib-Moghadam.
Líbios enfrentam repressão e desafiam Kadafi
Impulsionada pela derrocada dos presidentes da Tunísia e do Egito, a população da Líbia iniciou protestos contra o líder Muammar Kadafi, que comanda o país desde 1969. As manifestações começaram a tomar vulto no dia 17 de fevereiro, e, em poucos dias, ao menos a capital Trípoli e as cidades de Benghazi e Tobruk já haviam se tornado palco de confrontos entre manifestantes e o exército.
Os relatos vindos do país não são precisos, mas a onda de protestos nas ruas líbias já é bem mais violenta que as que derrubaram o tunisiano Ben Ali e o egípcio Mubarak. A população tem enfrentado uma dura repressão das forças armadas comandas por Kadafi. Há informações de que aeronáutica líbia teria bombardeado grupos de manifestantes em Trípoli. Estima-se que centenas de pessoas, entre manifestantes e policiais, tenham morrido. Muitas dezenas de milhares já deixaram o país.
Além da repressão, o governo líbio reagiu através dos pronunciamentos de Saif al-Islam , filho de Kadafi, que foi à TV acusar os protestos de um complô para dividir a Líbia, e do próprio Kadafi, que, também pela televisão, esbravejou durante mais de uma hora, xingando os contestadores de suas quatro décadas de governo centralizado e ameaçando-os de morte. Desde então, as aparições televisivas do líder líbio têm sido frequentes, variando de mensagens em que fala do amor da população até discursos em que promete vazar os olhos da oposição.
Não apenas o clamor das ruas, mas também a pressão política cresce contra o coronel. Internamente, um ministro líbio renunciou e pediu que as Forças Armadas se unissem à população. Vários embaixadores líbios também pediram renúncia ou, ao menos, teceram duras críticas à repressão. Além disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas fez reuniões emergenciais, nas quais responsabilizou Kadafi pelas mortes e indicou que a chacina na Líbia pode configurar um crime contra a humanidade. Mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional iniciou investigações sobre as ações de Kadafi, contra quem também a Interpol emitiu um alerta internacional.
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