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Opinião
Quinta - 01 de Outubro de 2020 às 18:27
Por: Stela Cunha Velter

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Muitos casais omitem suas dúvidas ou inseguranças quando o assunto é dinheiro. Mas a escolha do regime de bens é um dos aspectos mais relevantes do casamento, pois vai disciplinar as regras patrimoniais durante o casamento e em sua dissolução, tanto pelo divórcio quanto pela morte. Estão previstos expressamente no Código Civil 4 (quatro) regimes de bens, que podem livremente ser escolhidos pelo casal. Há hipóteses excepcionais, previstas no artigo 1.641, nas quais é obrigatório o regime de separação de bens (casamento de maiores de 70 anos, por exemplo). Além dos regimes expressamente previstos, é possível que seja criado um regime próprio, diverso dos já existentes, ou sejam misturadas regras dos regimes. Não obstante, a maioria dos casais, por opção ou mesmo por desconhecimento das regras, adota o regime de Comunhão Parcial de Bens.

Na ausência de escolha pelo casal ou na ausência de pacto antenupcial o regime aplicado é o de Comunhão Parcial, que é o regime mais adotado no Brasil e que, via de regra, também se aplica à União Estável. Trata-se do chamado regime legal ou automático.

Nesse regime, prevalece a premissa: “o que é meu é meu, o que é seu é seu e o que é nosso, é nosso!” Assim, meus bens, adquiridos anteriormente ao casamento, são só meus, os dele são só dele e os bens que adquirirmos juntos são do casal, ocorrendo a divisão em caso de divórcio, por exemplo.

Os bens que cada cônjuge já possuía são chamados bens particulares e não formam patrimônio comum. Além dos bens que cada cônjuge possui ao casar, também não entram na comunhão (não formam patrimônio do casal) bens adquiridos por herança, por doação e bens adquiridos com valores pertencentes a um só dos cônjuges. Se eu tinha dinheiro aplicado antes do meu casamento e, depois de casada uso esse dinheiro para aquisição de um imóvel, esse imóvel pertence somente a mim. Ou seja, bens adquiridos com valores de bens particulares são particulares também. É a chamada sub-rogação.

Com relação aos bens que se comunicam, ou seja, formam patrimônio do casal e serão divididos ao meio em caso de divórcio, estão previstos no artigo 1.660 do Código Civil. Alguns exemplos: bens adquiridos por fato eventual (sorteios, rifas, loteria ...); frutos e rendimentos de bens comuns ou de bens particulares (alugueres recebidos durante o casamento, mesmo que o imóvel seja de um dos cônjuges, apenas). As colheitas e crias de animais também são chamados frutos. Se eu já era dona de um rebanho de gado antes do casamento, o rebanho é só meu, mas os bezerros que nasceram durante o casamento devem ser partilhados.

Mesmo com as definições do que entra na comunhão e do que não entra, há bens que sempre causam confusão...

As verbas de indenizações trabalhistas e as depositadas no FGTS entram na comunhão? Em caso de divórcio, esses valores devem ser partilhados? A resposta não é tão simples... Se os valores correspondem a direitos adquiridos durante o casamento, devem ser partilhados. Mas se forem provenientes de direitos anteriores, mas que só foram recebidos durante o casamento, não devem ser partilhados. O que deve ser analisado, portanto, é a aquisição do direito e não o recebimento dos valores. Se um dos cônjuges recebeu as verbas trabalhistas após a dissolução do casamento, mas os valores decorrem de direitos adquiridos durante o casamento, devem ser partilhados.

E os imóveis financiados, devem ser partilhados? Nesse caso, é necessária uma análise contábil: o valor pago antes do casamento, pelo marido, por exemplo, é somente seu. Os valores pagos durante o casamento deverão ser partilhados, por constituírem patrimônio do casal. Importante ressaltar que não importa qual dos cônjuges pagou as parcelas. Todas as parcelas pagas durante o casamento formam patrimônio comum, do casal.

Os reflexos sucessórios também são importantes. Nesse regime, como mencionado, há bens considerados particulares e há bens que formam o patrimônio do casal. Em caso de divórcio, os bens do casal são partilhados meio a meio, atribuindo-se a chamada meação. Os bens particulares continuam sob a propriedade exclusiva de seu proprietário.

No entanto, em caso de morte, há hipóteses que merecem uma explicação mais detalhada: A título de exemplo: Stela se casa com Marcelo pelo regime de comunhão parcial de bens. Stela já era dona de um patrimônio de R$ 600.000,00 e, durante o casamento, adquiriu, juntamente com o marido, um patrimônio de 800.000,00. O casal teve 2 (duas) filhas: Luana e Paola. Ocorrendo a morte de Stela, o patrimônio do casal (R$ 800.000,00) será dividido ao meio, atribuindo-se a Marcelo sua meação. A outra metade (R$ 400.000,00) será entregue à Luana e Paola, em partes iguais, a título de herança (R$ 200.000,00 para cada). Com relação ao patrimônio particular de Stela (R$ 600.000,00), Marcelo não tem meação e todo patrimônio se transforma em herança, que deve ser dividida entre os três herdeiros (Marcelo, Luana e Paola), em partes iguais (R$ 200.000,00 para cada uma), nos termos do artigo 1.829 do Código Civil.
Percebe-se que, mesmo o regime mais comum e utilizado pela maioria dos casais, tem peculiaridades, e uma análise mais detalhada na escolha, pode evitar problemas durante e depois, tanto num divórcio quanto em caso de morte de um dos cônjuges.


Ms. Stela Cunha Velter, advogada, professora universitária, membro das Comissões de Direito de Família e Sucessões e da Mulher da Associação Brasileira de Advogados em Cuiabá (ABA). Instagram: @stelacvelter



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