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Opinião
Quarta - 26 de Junho de 2024 às 00:45
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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O sofrimento humano, em sua multiplicidade de formas, é um tema central na filosofia, psicologia e literatura. Entre os vários tipos de sofrimento, aquele causado pela falta de propósito na vida é particularmente devastador. A ausência de um sentido ou direção pode levar a uma sensação de vazio existencial, uma condição que filósofos como Friedrich Nietzsche e Kierkegaard abordaram extensivamente.

Nietzsche, com sua declaração de que "Deus está morto", expôs a crise de valores do Ocidente. Ele argumentava que, sem uma base transcendente para o sentido da vida, os indivíduos são lançados em um mundo onde precisam criar seus próprios significados. A ausência de um propósito dado resulta, segundo Nietzsche, no niilismo, uma condição em que nada tem valor intrínseco, e o sentido deve ser forjado pela própria vontade do indivíduo. Essa falta de propósito, ou pelo menos de um propósito claro e transcendente, pode levar ao desespero e ao sentimento de abandono.

Por outro lado, Kierkegaard explorou o conceito de desespero e a angústia existencial. Para ele, o desespero é uma condição humana inerente, uma consequência da nossa consciência de nós mesmos e do infinito. A falta de um propósito superior, ou a incapacidade de encontrá-lo, pode mergulhar o indivíduo em um estado de angústia profunda. Kierkegaard via na fé religiosa uma saída para essa angústia, uma forma de reconciliar a existência finita com o desejo de significado infinito.

A psicologia moderna também oferece percepções sobre a importância do propósito para o bem-estar humano. Estudos indicam que ter um senso de propósito está associado a diversos benefícios, incluindo maior resiliência, menor incidência de doenças mentais e uma vida mais longa. A falta de propósito, por outro lado, pode levar a sintomas de depressão, ansiedade e uma sensação geral de desorientação e apatia.


A literatura frequentemente espelha essa luta humana pela busca de significado. Em "O Estrangeiro" de Albert Camus, o protagonista, Meursault, vive uma vida aparentemente desprovida de significado ou propósito. Sua indiferença diante da vida e da morte reflete um profundo niilismo e desconexão emocional. Camus, por meio de sua filosofia do absurdo, sugere que, embora a vida possa parecer sem sentido, é a revolta contra esse absurdo que pode gerar um sentido, mesmo que provisório.

Outra perspectiva literária é oferecida por Dostoiévski, cujas obras exploram frequentemente a tensão entre fé e desespero. Em "Crime e Castigo", o protagonista Raskolnikov (que significa cisão ou cisma) luta com o vazio moral e existencial, resultante de sua crença de que ele está além do bem e do mal. Sua jornada é uma busca tortuosa por redenção e propósito, refletindo a luta interna entre valores e a busca por um significado maior.

Esses reflexos filosóficos e literários sublinham uma verdade fundamental: a falta de propósito não é apenas uma questão intelectual, mas uma crise existencial com profundas implicações emocionais e psicológicas. No mundo contemporâneo, onde as tradições e valores que antes forneciam um senso de propósito estão em declínio, a busca por significado tornou-se mais individualizada e, muitas vezes, mais difícil.

O desafio moderno é encontrar ou criar um propósito que seja autêntico e satisfatório. Para alguns, isso pode ser encontrado na religião, na espiritualidade, nas relações interpessoais ou no trabalho. Para outros, pode ser uma busca contínua, uma jornada pessoal que nunca chega a um fim definitivo, mas que, ainda assim, oferece momentos de sentido e conexão.

A reflexão filosófica e a introspecção são ferramentas poderosas para navegar nessa jornada, lembrando, como disse Nietzsche, que "aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como."

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto é formado em Filosofia, Sociologia e Direito



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