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Opinião
Terça - 06 de Agosto de 2024 às 00:35
Por: Sebastião Carlos Gomes de Carvalho

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Quão próximo está a nossa capital da capital da Venezuela? Se formos medir em distância física será em torno de 2.800 kms em linha reta, ou perto de 5.000 kms por estradas, nem sempre facilmente transitáveis. Mas, e se formos medir em distância política? A distância será bem menor. Como assim? Já está a indagar o leitor. E eu já tento a explicar.

Ah! A direção nacional do PT, do alto de sua sábia relevância, no dia anterior também dava como democrática e correto o resultado da eleição

Os fatos que envolvem o processo eleitoral no país vizinho estão expostos em todos os meios de comunicações em todo o mundo. Aliás, eles antecedem mesmo a eleição propriamente dita. Potenciais candidatos da oposição foram presos, exilados ou impedidos de concorrer. Eleitores bloqueados em seu direito de se inscrever e mesmo de comparecer às secções eleitorais.

Tudo público e notório. A insanidade do ditador de plantão não teve, e nem está tendo, limites. Não vamos falar da caótica situação econômica que em poucos anos transformou um dos países mais ricos da América, graças ao petróleo, em escombro miserável, com uma multidão de pessoas vivendo em condição sub-humana ou buscando o exilio. Só no Brasil já são perto de seiscentos mil.

No mesmo passo dessa situação, se pode apontar a catastrófica destruição ambiental, acelerada sobretudo por sua maior riqueza o petróleo. A PDVSA que já foi classificada como a terceira maior empresa da América Latina e, segundo a Fortune, a 41ª empresa petrolífera entre as 500 maiores do mundo.



Hoje sucateada, contribui para poluir os rios e a floresta onde explora o petróleo, gerando uma destruição ambiental sem precedentes. Além, é claro, da dívida altíssima que tem para com o Brasil. Mas, falemos de política, e mais especificamente da fala do presidente Lula feita em Cuiabá.

Nesta terça feira [30], em entrevista à TV Centro América, o presidente se manifestou de forma indigna à história da qual a tantos anos tem sido figura proeminente e da qual é fruto o seu sucesso político. Disse, com a cara limpa de um anjo caído na terra, de que "não tem nada de grave, nada de assustador" acontecendo no país vizinho e de que "é normal que tenha uma briga" entre Maduro e a oposição.

Disse outras coisitas mais, todas capazes de arrepiar e envergonhar menino de grupo escolar. Tais distorções foram ditas no mesmo dia em que a autoproclamada reeleição de Maduro era bravamente contestada pelo povo insurgente nas ruas incandescidas de Caracas e de outras cidades e vilas do país, e em que já se começavam a contar os cadáveres e os presos chegavam a perto de mil, incluindo as mais expressivas figuras da oposição.

Lula, que está perdendo crescentemente o seu realce internacional, afirmava tal estultícia quando o mundo democrático já começara a questionar o anúncio do resultado que atribuía a vitória ao ditador, sem que disso tenha havido qualquer comprovação, já que as atas e os documentos eleitorais simplesmente desapareceram.

O respeitado Centro Carter, o único observador independente admitido pelo governo, emitira parecer no qual considerou "grave violação dos princípios eleitorais" o anúncio da reeleição de Maduro sem a divulgação das atas com os resultados de cada seção eleitoral. Ressalve-se, no entanto, que houve o imediato reconhecimento dos “democráticos” presidentes da Rússia, da China, de Cuba, da Nicaragua etc. Estes sim sabem fazer eleições com a mais ampla participação da oposição.

De quebra, Lula uma vez mais criticou interferências de outros países nos assuntos internos, numa indireta aos Estados Unidos. O princípio da soberania das nações deve ser sagrado. Só que, para quem assistiu nos meses recentes a ameaça de invasão que Nicolas fez, e faz, à Guiana com quem vem mantém disputas territoriais, vê-se muito bem que a atual Venezuela não tem qualquer autoridade moral para falar em soberania.

Ah! A direção nacional do PT, do alto de sua sábia relevância, no dia anterior também dava como democrática e correto o resultado da eleição.

O Lula procurando dar uma de equilibrado mediador disse que precisava esperar a apresentação das atas eleitorais. Escrevo na sexta feira e essas atas, prometidas ao brasileiro que seriam apresentadas dois dias depois, não apareceram. Algum néscio acredita que, se e quando chegarem, de onde vierem, serão elas autênticas?

A situação se assemelha muito com o Brasil da Velha República, de antes de 1930, com os votos e urnas manipulados pelos “coronéis”. Convenhamos, nesse sistema, o sr. Lula jamais seria presidente. Ademais, se o ditador venceu, por que então essas atas sumiram, afinal não seria ele o maior interessado em apresentá-las? Já pensou se isso tivesse acontecido aqui no Brasil?

Disse ainda o nosso mandatário que “é normal quem perde reclamar” e que “se continuar insatisfeita, a oposição que recorra à Justiça”. Isso parece ser uma piada de mau gosto. O brasileiro indica ser a única pessoa minimamente informada que acredita na independência do judiciário venezuelano. Há muito anos, desde Chavez, as instituições foram todas cooptadas pelo poder executivo.

Os “juízes” da Comissão Nacional Eleitoral são todos nomeados pelo Presidente e a menor discordância é motivo para destituição. Será que ele pretende fazer crer que o CNE tem a mesma independência e lisura que o nosso TSE? Será que se o Lula fosse candidato de oposição na Venezuela seria hoje o Presidente da República? O Amorim poderia informar ao Lula que a senhora Caryslia Beatriz Rodríguez Rodríguez, presidente do Tribunal Supremo de Justicia, é militante chavista desde a Facultad de Derecho da Universidad Central de Venezuela e filiada ao Partido Socialista Unido de Venezuela, o partido fundado por Hugo Chavez.

Antes de ser escolhida em janeiro deste ano para a presidência do TSJ, foi indicada para vários cargos importantes do regime e eleita pelo PSUV e pelo Movimiento Electoral del Pueblo, com apoio de organizações dominadas pela ditadura, para o Concejo Municipal de la Alcaldía de Caracas, da qual foi presidente, e em 2021, com a renúncia da prefeita, tornou-se a prefeita da capital.

No ano seguinte, foi nomeada magistrada e tornou-se membro da Sala Electoral do TSJ. Foi ela que, nessa posição, no ano passado anulou a eleição primária da oposição. Participaram mais de três milhões de eleitores e o argumento utilizado, mais uma vez, foi pífio: os organizadores havia cometidos delitos contra a Constituição.

Foi essa escolha que consagrou o nome de Maria Corina Machado, a grande líder venezuelana e latino-americana. É para esse pessoal que o Lula quer que a oposição recorra? Um adendo: o próprio TSJ já é uma anomalia. Em 1999, Hugo Chaves destituiu todos os ministros da então Corte Suprema de Justiça, alguns foram presos ou exilados, e criou um Tribunal a sua imagem e semelhança.

Mas, o que tem a ver o título deste artigo com os acontecimentos venezuelanos? Sim, além da lamentável, mas reveladora entrevista ter sido concedida em solo cuiabano, o presidente Lula fez Cuiabá ficar tão próxima de Caracas.

Simples: estamos em véspera de uma campanha eleitoral acirrada, num território que nunca foi favorável aos partidários do presidente e num momento em que persiste a polarização, como o PT responderá à questão em torno das liberdades públicas, do uso dos meios de comunicação, enfim, do exercício pleno da Democracia? Não me venham dizer que estes não sejam temas a serem tratados numa escolha de âmbito municipal. Enfim, como o PT e seus associados, de resto em todo o país, irá se comportar quando questionado, e certamente o será, diante de uma questão tão fundamental?

Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado, historiador e professor. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.



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