Dor no coração? Canhém!!! Princípio da dignidade humana diz que toda pessoa deve ter direitos básicos
Em 1986, ministrei aulas no interior de São Paulo (Jales, Fernandópolis, Catanduva, São José do Rio Preto, Araçatuba, Andradina e Lins), fazia sete cidades em seis dias; mas tinha 25 anos. Sobe a égide do Plano Cruzado (1 dólar = 1 cruzado), os salários congelados pela média e os preços dos produtos tabelados; meu empregador, Chaim Zaher, além do polpudo salário, ainda me dava outros benefícios: plano de saúde, moradia e vale-alimentação. Sua visão empresarial sempre foi a de que se o empregado tivesse condições ideais para produzir, produziria mais e com eficiência. Talvez por isso, ele seja um dos bilionários do Brasil. Na contramão da racionalidade cartesiana, o prefeito Abílio nega aos professores e trabalhadores da Educação Municipal o acesso à refeição da merenda escolar.
A desculpa do alcaide é que a legislação federal proíbe que os trabalhadores da educação se alimentem da (combalida) merenda destina aos alunos. Fazendo um preve parênteses, quando tive o privilégio de estar vereador de nossa cidade, meu primeiro requerimento foi solicitar ao então secretário de Educação, Carlos Carlão Nascimento, o cardápio e o teor nutricional da merenda servida a nossas crianças. Voltando ao tema deste opúsculo, gostaria de reproduzir a fala do ocupante do Alencastro:
“Eu gostaria de fornecer alimentação para os profissionais da Educação dentro da escola. Eu acho muito injusto a pessoa trabalhar dentro da escola e não poder se alimentar naquele local de trabalho. Só que, infelizmente, é uma lei federal. A lei não permite que os profissionais se alimentem no mesmo local que há uma alimentação da merenda escolar. Se isso vier a acontecer, a gente perde o recurso do Governo Federal da merenda". Então, proíba! Simples assim... só que não!!!
O princípio da dignidade humana diz que toda pessoa deve ter seus direitos básicos garantidos. E a alimentação é um deles. Nem aluno nem profissional da educação desempenham seus papéis de estômagos vazios.
Aliás, tramita na câmara federal o projeto de lei 6268/19 que garante aos professores e demais trabalhadores da educação o direito de se alimentarem usando os recursos oferecidos pela merenda escolar. Todavia, essa lei ainda está em tramitação; apesar disso, o princípio da Razoabilidade que determina que os atos administrativos devem ser coerentes, lógicos e justos não está sendo observado pelo “gestor” municipal; aliás, nada de novo.
A segurança alimentar não é novidade na Terra Brasilis, no período colonial, quando das invasões holandesas no século XVII, Maurício de Nassau obrigou os latifundiários portugueses a plantarem mandioca para garantir a sobrevida dos escravos e, consequentemente, a manutenção da indústria açucareira.
Voltando à Razoabilidade, o prefeito Abílio deveria, no mínimo, ser razoável; ao invés de proibir os servidores da educação de se alimentarem, por que não criar o “Vale Refeição dos Servidores da Educação?” (que poderia ser estendido aos demais servidores do município). Abílio, “Dor no coração” e nem oração resolve o problema, pois “Novena não paga ao homem da venda / Não adianta nada, não enche barriga / Subir de joelhos as escadarias” (Accioly Neto). Mas claro que você não conhece.
Sérgio Cintra é professor de Linguagens e servidor do TCE-MT
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