Neste segundo dia de sessão no STF, os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ellen Gracie e Marco Aurélio Mello seguiram parecer apresentado pelo relator da ação, ministro Eros Grau. Em seu voto, que demorou mais de três horas para ser lido nesta quarta-feira (28), Grau disse que a ação proposta pela OAB fere “acordo histórico que permeou a luta por uma anistia ampla, geral e irrestrita”. Ele também considerou que o Judiciário não teria “autorização para reescrever a história da Lei da Anistia”.
Primeira a votar depois do relator, a ministra Cármen Lúcia lembrou parecer do então conselheiro da OAB Sepúlveda Pertence sobre o projeto da Lei da Anistia segundo o qual considerava há três décadas: “Nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro da nossa história poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável com o passo adiante no caminho da democracia.”
Cármen Lúcia citou a passagem para justificar sua posição contrária a mudança na lei. “Consolidou-se, a partir daquele entendimento fixado pela própria Ordem dos Advogados do Brasil, que todos os atos, incluídos os mais atrozes e merecedores de total repulsa e abominação praticados nos desvãos da repressão política, estavam incluídos entre os anistiados”, argumentou Cármen Lúcia. “Tanto que prevaleceu a partir daquele pronunciamento do conselho da OAB nesses 31 anos da norma”, complementou.
Ellen Gracie seguiu mesmo entendimento afirmando que “não é possível viver retroativamente a história”. Mendes e Marco Aurélio apresentaram argumentos semelhantes.
A favor da OAB
Os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto votaram pelo acolhimento do pleito da OAB por entender que a anistia não deve se concedida a torturadores e autores de outros crimes hediondos, como assassinatos, sequestros, estupros.
O ministro Ayres Britto foi responsável pela defesa mais contundente da mudança na Lei da Anistia. Ele argumentou que o texto da norma não é claro. “Não consigo enxergar no texto da Lei da Anistia essa clareza que outros enxergam com tanta facilidade, que incluiu no seu âmbito todas as pessoas que cometeram crimes, não só os singelamente comuns, mas os caracteristicamente hediondos ou assemelhados”, afirmou Britto.
Para o ministro, a anistia é um perdão coletivo que exige “clareza” ao ser concedido: “A anistia é um perdão coletivo. E para a coletividade perdoar certos infratores é preciso que faça por modo claro, assumido, autêntico e não incidindo em tergiversação redacional.”
Britto foi duro ao condenar os torturadores. “Um torturador não comete crime político. Um torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. Um torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante dos mais intensos sofrimento alheio perpretado por ele. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador”, afirmou Britto. “A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha. Com viés masoquístico à reincidência”, argumentou Ayres Britto no seu voto.
O que diz a lei
A Lei da Anistia (Lei 6.683/79) foi proposta pelo presidente João Baptista Figueiredo e beneficiou os que tiveram direitos políticos suspensos, servidores públicos, militares, dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento nos atos institucionais – conhecidos como AI – e complementares do regime militar. Ficaram de fora da anistia os condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.
A ação da OAB cobrava uma interpretação mais clara sobre o que foi considerado na norma como perdão aos crimes “de qualquer natureza” quando relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política. Para a OAB, a lei “estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crime."
A entidade pedia ao Supremo que a anistia não fosse estendida aos autores de crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores ao regime político da época.
Para a OAB, havia diferença “entre os crimes políticos cometidos pelos opositores do regime militar e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo."
A ação argumentava ainda que delitos de opinião não podem ser comparados ao cometidos por pessoas contrárias ao regime e os crimes violentos contra a vida, a liberdade e a integridade pessoal cometidos por representantes do Estado contra elas.
Polêmica
A norma completou 30 anos em agosto de 2009 e foi a primeira questão polêmica a ser levada ao plenário da Suprema Corte depois da posse do novo presidente, ministro Cezar Peluso, que substituiu o Gilmar Mendes na última sexta-feira (23). Mendes deixou o comando do STF, mas continua no quadro de ministros da Corte.
O pleito da OAB estava no centro de uma discussão entre o ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Vannuchi defende que os torturadores não se beneficiem da Lei de Anistia, enquanto Jobim acredita que a lei vale para todos.
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