Encenações da peça ‘O Púcaro Búlgaro’ e oficina de técnicas do autor para o romance-em-cena trouxeram a Cuiabá, o inusitado gênero teatral de Aderbal Freire-Filho.
Fim de semana de romance-em-cena no Cine Teatro Cuiabá
No último domingo (14), 20 artistas matogrossense tiveram a oportunidade de conhecer e experimentar um pouco do que é o cômico e intenso gênero teatral criado pelo ator e diretor Aderbal Freire-Filho, o romance-em-cena. A oficina ‘Técnicas do Ator para o Romance-em-Cena’aconteceu no palco do Cine Teatro Cuiabá, das 11h às 14h, e teve como orientadores e companheiros de discussão, quatro atores da peça "O Púcaro Bulgaro", encenação do gênero.
Apresentações a parte, a oficina começou com um panorama histórico do gênero, ainda recente, que destacava os motivos que levaram Aderbal a pensar e criar o romance-em-cena. “Quando o Aderbal fala do gênero, ele nos conta que ouvia comentários de que o cinema acabaria com o teatro, por tudo que era possível nas telas e não no palco. A idéia de encenar um romance tal qual está no texto foi uma forma de ‘se provocar’ e fazer um teatro com o maior número de palavras possível”, contou um dos atores da peça, Isio Ghelman. Ainda segundo o ator, o problema não é a quantidade de palavras mais sim “a palavra sem vida no teatro, a palavra que esteja descaracterizada”.
A peça ‘O Púcaro Búlgaro’ é a terceira a desenvolver a técnica de colocar em cena todo um romance sem tirar uma única palavra. Antes desta, outras duas ‘A mulher carioca aos 22 anos’ e ‘O que diz Molero’ foram encenadas, compondo as três o projeto ‘Romance-em-cena: processo de criação e trajetória de uma trilogia’, de Aderbal, aprovado no Programa de Bolsas de Estímulo à Produção Crítica em Artes, da Funarte em 2008. O projeto gera novas possibilidades estéticas e de investigação no teatro contemporâneo, como explicou Aderbal em uma de suas entrevistas. “O gênero romance-em-cena é uma vontade de montar um romance sem perder todos os sabores e valores da palavra. Quando adaptamos o texto, fazemos uma outra obra (...) A idéia é botar o romance em cena tal como é”.
Outro ponto destacado pelos atores que ministraram a oficina foi a mistura de narração e ação no personagem. “Se fala em terceira pessoa e se age em primeira. Unimos o épico e o dramático, no sentido de, o épico ser é a narração da ação e o dramático ser a ação. No romance-em-cena os dois acontecem juntos", pontuou. Para visualizar, Isio lembrou a cena de um dos personagens da peça. “É o que acontece na cena do Hilário. Imaginem o Hilário entrando na sala. O personagem entra, é ele mesmo que pronuncia a frase: "Hilário entra na sala" e faz a ação de entrar", descreveu. Sobre este ponto da técnica utilizada no gênero, Aderbal em entrevista registrada em seu blog, lembrou que colocar um ator ou vários atores narrando a peça é algo que já foi feito muitas vezes, “mas o grande segredo dos espetáculos de romance-em-cena é que a gente faz desaparecer essa figura de um narrador, fazendo que o texto de quem se está narrando vá para o personagem”, pontuou.
Os participantes da oficina também conhecer um pouco sobre os bastidores do gênero em questão nos comentários dos atores sobre as outras duas peças ‘A mulher carioca aos 22 anos’ e ‘O que diz Molero. “Mulher carioca tinha 5 horas de duração, começava em um dia e terminava no outro. Tinha gente que vinha nos dois dias, outras nem apareciam mais e umas dormiam nas poltronas. Era muito inusitado, amavam ou odiavam”, lembrou Gillray Coutinho. Ainda sobre a introdução do gênero nos palcos, o ator comentou a impressão da platéia diante da peça. “Pensavam que éramos os mais amadores de todos, que nem conseguíamos adaptar o romance pra teatro e perdidos, ficávamos esperando a hora do personagem entrar parados nos cantos do palco”, enfatizou rindo.
A beleza dos romance-em-cena, segundo os atores, está no texto puro levado ao palco. Sobre ‘O Púcaro Búlgaro’, texto de Campos de Carvalho, a atriz Ana Barroso salienta que, como não há adaptação, as características do texto são preservadas, como a brincadeira do autor com as palavras. “Campos de Carvalho tem essa face de construir e desconstruir as palavras. Há vários desdobramentos de sentido para as frases e isso fica evidente no palco. É o que acontece quando a personagem Rosa diz ‘Rosa troca as flores do vaso’ e na ação, o que vemos em seus gestos, é que ela passa purificado de ar floral na privada. A platéia entende os dois sentidos”, argumentou.
Para finalizar a oficina, atores e participantes passaram algumas cenas do espetáculo e observaram características da encenação dos personagens. “Quando você faz a narração, você faz a ação daquilo que diz com toda a intensidade. Isso caracteriza e fica claro”, explicou Gillray. Dois dos participantes ainda ganharam cortesias para a apresentação do espetáculo ‘OPúcaro Búlgaro’ na noite de ontem (domingo), onde conferiram, na prática as idéias absorvidas durante a oficina.
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