Mais acelerados que nunca
O Datafolha produziu e a Folha de S.Paulo publicou no último domingo (04.10) uma ampla pesquisa sobre os padrões éticos dos brasileiros, e ambos chegaram a uma curiosa conclusão: o brasileiro defende um alto padrão moral, mas uma parcela expressiva da população amostrada (83%) admite já ter cometido algum ato de corrupção ou ilegítimo, como oferecer ou aceitar propina, vender o voto, comprar produtos piratas, baixar músicas pela internet sem pagar, burlar o imposto de renda ou furar um sinal vermelho, entre tantos outros pecadilhos éticos e morais. Ou seja, é o “faça o que eu digo e não o que eu faço”.
Os entrevistados também vêem corrupção em praticamente todas as instituições nacionais, no Congresso Nacional e nos Partidos (92%), na Presidência e nos Ministérios (88%), Governos Estaduais (87%), Assembléias Legislativas (86%), Prefeituras, Polícias e até nos Clubes de Futebol, que receberam 77% de indicações para a pergunta sobre onde há ou não corrupção.
Como diz o jornalista Janio de Freitas, analisando aspectos do estudo, há “corrupção para todos os gostos e todos os repúdios”. E não apenas no Brasil. Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, economista pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, assina outro artigo sobre a pesquisa, na mesma edição, apontando que a corrupção atualmente é uma “epidemia global”.
E o que tudo isso tem a ver com o caso do afastamento de José Geraldo Riva das funções administrativas da Assembléia Legislativa, sob a acusação de improbidade administrativa. Nada e tudo. Nada no sentido de que o afastamento, em si, decorre de decisão judicial, ainda que provisória, e que nem sempre uma decisão judicial é justa, como alega o próprio deputado. E tudo se considerarmos que esse tipo de acusação vem sendo feita contra Riva ao longo da última década, e seu crescimento político ainda parece em franca ascensão.
Alguns defensores do deputado não precisariam inventar a justificativa do etnocentrismo ou do preconceito para seu afastamento. Já seus detratores ficam no tema se Riva é ou não é corrupto – ambos os argumentos são muito frágeis e confundem opinião com análise. O que interessa mais nesse debate é saber por que alguém com esse tipo de acusação recorrente chegou à condição de político mais influente do Estado na atualidade.
Há inúmeros estudos e pesquisas indicando que a corrupção não é mais um valor que influencia negativamente o voto dos eleitores, assim como partidos, orientação ideológica e conceitos abstratos e complexos (entre eles indico “A Cabeça do Eleitor”, de Alberto Carlos Almeida). Esses seriam atributos irrelevantes dos candidatos. O estudo do Datafolha referido aqui reforça uma dessas teses, a do “rouba mas faz”, que parece ser uma das principais leis da política contemporânea, não apenas no Brasil mas no planeta. Alguns podem contestar, e admitir, no máximo, que hoje predomina a “política de resultados” ou ainda o “pragmatismo”. Dá na mesma, afinal, há corrupção para todos os gostos e todos os repúdios.
José Riva não se constituiu no político mais influente e importante de Mato Grosso na atualidade apenas por estar na Mesa da AL há 14 anos ininterruptos; por ter sido eleito presidente pela unanimidade dos 24 deputados, inclusive os mais radicais do PT, PDT E PPS; por ser o principal mediador da relação dos três poderes entre si e desses com a sociedade; e principalmente por ser apontado como pêndulo das eleições de 2010, podendo decidir a disputa em favor do lado para o qual pender, entre outros. Esses são fatores que demonstram seu poder. Mas, o que parece explicá-lo de fato são dois outros fatores: a) o de atuar onde o Estado não chega; e b) ser o principal mediador dos conflitos políticos e institucionais.
Quanto ao primeiro caso, note-se que nos grotões de Mato Grosso, especialmente nas regiões norte, noroeste e nordeste, José Riva é o próprio Estado, e resolve problemas que vão desde a ambulância para doentes, o acesso ao micro-crédito, construção de escolas, pontes e outros próprios públicos, e até mesmo quem é preso e quem é solto pela polícia. E essa sua atuação começa a chegar às grandes cidades, como Cuiabá, Várzea Grande, Sinop e Rondonópolis (basta notar que Riva fez o presidente da Câmara de Cuiabá, indicou secretário na prefeitura, e influencia muito os prefeitos Zé do Pátio, de Rondonópolis, e Juarez Costa, de Sinop).
Já no segundo caso, Riva é o protetor de vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais e senadores de vários partidos, inclusive do PT, e, na prática, é o verdadeiro Líder do Executivo na Assembléia desde o governo de Dante de Oliveira. E isso sem falar que é o principal interlocutor do Judiciário junto ao Executivo, e vice-versa. Não há instituição hoje em Mato Grosso que não tenha ainda recorrido a Riva para resolver algum assunto consistente, incluindo aí o Ministério Público, a Maçonaria e a Imprensa.
Visto dessa forma, Riva afinal é um bandido ou um mocinho? Bandido para quem? Mocinho para quem? O que está errado: Riva ser o que é ou a sociedade tê-lo tornado/legitimado quem é? E na sua sucessão, teremos um político tão forte e tão diferente? Quem seria esse nome? E se a decisão liminar for reformada por algum desembargador ou pelo TJ (como muitos apostam que acontecerá sem demora), Riva sairá de vítima? Terá um salvo-conduto? Ficará mais forte ou mais fraco eleitoralmente? Quem duvida que Riva baterá novo recorde de votos em 2010? É possível exercer o poder sem se corromper? Se sim, por que ninguém acredita nisso, já que a percepção geral do povo brasileiro é que todos são corruptos, inclusive os nossos times do coração? Se a corrupção é, de fato, um tema tão determinante para a civilização, porque nossa sociedade reproduz com tanta veemência a lei de Gerson ou o jeitinho brasileiro? Se são as perguntas que movem o mundo, com certeza estamos mais acelerados que nunca.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: kleberlima@terra.com.br.
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