Carlos Minc cita os avanços ambientais em MT
Em entrevista exclusiva ao Diário em São Paulo, onde esteve participando de um congresso sobre jornalismo investigativo, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, garantiu que selou a paz com o governador Blairo Maggi (PR). Minc elogiou a condução do Estado na formatação do MT Legal e do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico. Citou Mato Grosso como exemplo de mudança de postura, contrapondo o estado de Santa Catarina, que aprovou lei estadual que vai contra a legislação ambiental federal.
O ministro também adiantou que, neste ano, o Brasil deve obter o menor índice de desmatamento dos últimos 20 anos. Ele também avaliou como positivos os primeiros dias de execução do programa Terra Legal, que faz parte da força-tarefa Arco Verde. Lançado em Alta Floresta, com a presença do presidente Lula, o programa deve passar por 43 municípios da região amazônica para realizar mutirões de processos de regularização fundiária.
Ele explicou que as alternativas de consumo sustentável do meio ambiente devem se tornar, aos poucos, uma forma a mais de proteção da Amazônia. No entanto, reforçou que não irá abrir mão da fiscalização e também defendeu outros meios de proteção, como o boicote da carne oriunda de áreas degradadas, o famoso “Boi Pirata”, como ficou conhecido.
Diário de Cuiabá – O senhor participou há poucos dias da reunião do G8. Quais os impactos para o Brasil nessa nova meta de redução da emissão de carbono na atmosfera?
Carlos Minc – Na realidade, o G8, os países mais ricos, disseram que eles próprios iriam cortar 80% de suas emissões até 2050. E propuseram que os países em desenvolvimento, os mais fortes como o Brasil, a China e a Índia, que cortem pelo menos 50% das suas emissões. E os países em desenvolvimento não toparam muito isso porque os ricos não garantiram os fundos. Porque, pelo compromisso de Kioto, os países ricos não só têm que fazer um esforço grande para reduzir as emissões como têm que financiar os mais pobres, em desenvolvimento, a descarbonizarem suas economias. Ou seja, para que esses países possam se desenvolver com baixo carbono, que implica numa tecnologia mais limpa. Esses países não cumpriram as metas de Kioto, não explicaram por que não atingiram suas metas e não estão dizendo de onde vem o dinheiro desses fundos. Então, há uma certa quebra de confiança.
Diário – E como estão as estimativas para os índices de desmatamento da Amazônia para este ano? O Brasil deve ficar otimista ou temeroso com esses índices?
Carlos Minc – Nós, aqui no Brasil, temos metas e vamos cumprir o nosso plano. A gente vai ter, neste ano, o menor desmatamento dos últimos 20 anos. Eu ainda não considero que nosso plano esteja uma maravilha. Tanto é, que em maio nós vamos fazer a primeira revisão do plano. Precisamos incorporar algumas coisas que não foram incorporadas e abrir até para consultar popular. Mas nós vamos cumprir. Não sei se você tem idéia do que é reduzir 70% do desmatamento até 2017. Isso é menos quatro bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Isso é mais do que os compromissos assumidos em Kioto e que nos países ricos não estão sendo cumpridos.
Diário – Falando em desmatamento, qual a avaliação que o senhor faz dos primeiros dias de execução do programa Terra Legal, que foi lançado no mês passado em Alta Floresta?
Carlos Minc – Os primeiros balanços são bons. Nós estamos fazendo a cada semana três municípios. Já fizemos uns 18. Nós temos um balanço de atendimentos por tipos: quantas regularizações fundiárias, cerca de duas mil; quantas operações de crédito do Banco da Amazônia ou do Banco do Brasil, cerca de 800. Entre outras ações sociais, capacitação ou parecidas. No total, então, tem cerca de 20 mil atuações. É até difícil de somar, porque são atendimentos muito variados. Eu conversei com os dirigentes que estão operando. Quer dizer, nós somos os idealizadores: o Ministério do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e Casa Civil. Conseguimos mobilizar um monte de ministérios porque não basta “baixar o cacete”, você tem que dar uma alternativa. Porque só dizer o que não pode fazer é só fechar uma serraria aqui, o cara vai desmatar dois quilômetros além. Então, você tem que dar uma alternativa sustentável: um extrativismo com mais força, com transformação e agregação de valor; no manejo florestal; em atividades que a Embrapa está se empenhando em fazer, que é a agricultura no mesmo lugar com baixo impacto: substituir o “boi pirata” pelo peixe amazônico, uma boa proteína com menos desmatamento para pasto. Então, agora conseguimos bater na porta de todos os ministérios. Todos viram que agora temos um plano estratégico a ser seguido para não pagarmos um vexame, um “mico” internacional. Porque só o Ibama e a Polícia Federal a gente não segura o tranco. Eu acho que o Terra Legal está indo bem. Mas o que está faltando é o seguinte: nesses 43 municípios que são o objeto do programa, que representam 55% do desmatamento da Amazônia, alguns deles têm lideranças locais. Ou prefeitos ou entidades de agricultores ou de manejo florestal. Nesses é mais fácil você conseguir projetos, financiamento do Fundo Amazônia. Agora, por exemplo, vamos aprovar os cinco primeiros projetos do Fundo Amazônia e isso é uma novidade. Nós estamos com dinheiro. A Noruega entrou com dinheiro. Esse é sempre um argumento que uso. Se a gente aumentar o desmatamento, nós vamos perder cerca de R$ 1 bilhão. Então, todo mundo fala “não podemos perder”. Agora, várias outras cidades não têm essas lideranças até para organizar e conseguir esses recursos do Fundo, ou recursos do extrativismo ou do Basa para fazer uma agricultura e empregar gente, por exemplo. Então, esse é um grande problema: formar essas lideranças. Mas nós estamos trabalhando com o Sebrae, com as secretarias estaduais, como no caso de Mato Grosso, onde temos uma secretaria muito ativa. E é uma dificuldade, porque o momento é muito propício com a crise. Uma parte parou porque a gente fechou, outra parte parou porque a crise detonou. Então, estamos no melhor momento para apresentar as alternativas. A terra está boa para a semeadura dessas alternativas. Mas, infelizmente, desses 43 municípios, uns oito ou noves têm todas as condições para isso. Então, nosso maior desafio agora é ajudar essas outras cidades que sofrem a falta de lideranças locais.
Diário – A aprovação da MP da Amazônia é vista como uma forma de tirar um pouco a responsabilidade do Ibama de fiscalizar os crimes ambientais e a questão da regularização fundiária. O senhor concorda com isso?
Carlos Minc – Essa questão da MP da regularização fundiária foi um tema que eu diria maltratado pela mídia. A não-regularização é a situação atual. Então, tem 300 mil pessoas que não têm o título da terra. No Pará, por exemplo, cada terra tem cinco donos. Cada cartório tem cinco mandados. Atrás de cada cartório tem um político para conseguir algum papel para alguém. Quando você vai fiscalizar, você não sabe quem você vai notificar. Você não sabe quem é o dono da terra. E você também não sabe quem você vai poder ajudar com crédito para recuperar a área degradada. Então, a regularização fundiária, em tese, é uma coisa boa, porque ela é diminui a violência, as mortes na luta pela terra. Se não tem papel, você contrata um jagunço, mata o “sujeitinho” e diz: “olha, essa terra é minha”. Quando você dá o papel para o sujeito isso é um inibidor da violência. E por outro lado, sabendo que é o dono da terra, para fiscalização do desmatamento, é melhor. No governo, nós mandamos de um jeito, quando chegou lá no Congresso a turma começou a dar uma “mudadinha” e a retaliar.
Diário – O senhor acha que o boicote da carne oriunda de áreas degradadas vai ser mantido. O senhor acha que o “boi pirata” vai ser mantido?
Carlos Minc – Eu acho que o boicote da carne é uma coisa ótima. A população influencia os supermercados. Os supermercados, ao fazerem esse boicote, eu acho que é até uma coisa mais poderosa que a ação do Ibama. Eu sempre incentivei isso. Em outros países, as donas de casa olham que o preço aumentou, elas boicotam mesmo. Agora, essa cultura no Brasil ainda não tem. Está começando agora. Recentemente, estive em São Paulo lançando em um supermercado a campanha “O saco é um saco” para que as pessoas recusassem sacos de plástico e aderissem à reutilização. No Rio, eu aprovei uma lei onde as pessoas trocavam 50 sacos plásticos por um quilo de feijão. Quer dizer, trocar poluição por comida. Acho que o boicote vai continuar, sim. Ele foi bem- sucedido. É um exemplo de que a população deve exercer um consumo consciente.
Diário – O senhor tem se mostrado contra o código ambiental de Santa Catarina por acreditar que ele vai contra as legislações ambientais nacionais. Quais medidas estão sendo tomadas?
Carlos Minc – Veja bem: o código ambiental de Santa Catarina tem 296 artigos. Vários são muitos bons. Tem 17 que ferem a lei federal. Por exemplo, diz que em vez de proteger 50 metros da beira do rio cai pra apenas cinco. Então, isso não pode. Não se pode criar uma lei estadual indo contra uma lei federal, tornando-a mais ineficientes, se é que podemos dizer assim, ou menos restritiva. Então, nós entramos na Justiça não contra o código, mas contra os 17 artigos que ferem a lei federal que garante uma proteção mais ampla. Nós tomamos outra providência política, porque nós percebemos que no Rio Grande do Sul ia acontecer a mesma coisa. Aí eu fui lá na Assembleia Legislativa do Estado para discutir a agricultura familiar e alertei sobre a criação dessa lei, que iria ser mais ou menos nos mesmos moldes de Santa Catarina. Fui lá para conversar com os agricultores sobre essa situação.
Diário – Depois de alguns desentendimentos no início de sua gestão, como está a relação do senhor com o governador Blairo Maggi? E a relação institucional entre Ministério do Meio Ambiente e governo de Mato Grosso? A paz já foi selada?
Carlos Minc – Melhorou muito a relação, pelo seguinte: logo que eu comecei no Ministério uma das minhas primeiras frases de efeito foi de que o governador Blairo Maggi era sojicultor e poderia até plantar soja nos Andes, se deixassem. E aí nós tivemos fortes embates com o governador porque uma das primeiras coisas que ele tentou derrubar foi aquela medida do Banco Central, que entrou em vigor no dia primeiro de julho, que cortava o crédito para quem fosse desmatador ou não tivesse a regularização ambiental fundiária. Foi para o governador, foi para o presidente. Não conseguiu derrubar. Está em vigor, é boa e está ajudando a diminuir o desmatamento. Outra coisa: ele dizia que a Operação Arco de Fogo disseminou o horror porque desestruturou a economia e tal. E isso era ação de fiscalização. A única coisa que ele tinha razão nisso era que a Arco Verde estava atrasada, que agora a gente está incentivando mais. Você tem que punir, mas dar alternativas. Agora, uma hora lá o governador mudou de posição. Ele falou “oh, tem altos interesses em jogo aqui, eu não vou derrubar mesmo o boicote do crédito, não vou acabar com a Arco de Fogo”. Então, ele pensou: “quer saber de uma coisa, vou botar ordem nesse galinheiro”. Então, ele organizou esse MT Legal, que é a lei de regularização fundiária do Estado. Só que ao contrário do governador de Santa Catarina, o Blairo Maggi foi muito mais esperto. Ele foi com seus procuradores para Brasília. Eu mesmo o recebi lá no Ministério umas três vezes para ajustar a lei estadual com a lei federal e o Zoneamento Socioeconômico e Ecológico. Demorou um mês, dois meses, três meses, e acertou. Na hora em que acertou lá ele assinou a lei estadual para se adequar à lei nacional, coisa que Santa Catarina fez totalmente ao contrário, mudou o Zoneamento Econômico e Ecológico. Aí eu fui a Cuiabá e assinei um termo de acordo para a gente ajudar no licenciamento rural e no cadastramento. Daí, muitos ambientalistas estranharam: “poxa, o Minc brigava com o Maggi e agora fez as pazes”! A minha ideia é que a guerra não é o fim em si mesmo. Você briga para alguém mudar de comportamento. Depois, comecei a brigar com o governador de Santa Catarina, que fez exatamente o contrário. Então, acho que você brigar e fazer acordo, brigar e fazer acordo, eu acho que é assim que você vai mudando o comportamento.
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