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Nacional
Segunda - 30 de Março de 2009 às 15:25

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Tinha tudo para dar errado. Por algum motivo desconhecido, o óvulo fecundado, que normalmente é levado pelos cílios da tuba uterina até o útero, tomou o caminho contrário e se instalou na cavidade abdominal, perto do intestino.

A placenta, que em geral se adere à parede interna do útero para obter nutrientes que alimentam o bebê, ficou do lado de fora e poderia ter deixado o feto sem nutrição ou se descolado a qualquer momento, gerando uma hemorragia fatal para mãe e filho.

E a escassez de líquido amniótico (causada pelo funcionamento incompleto da placenta), em geral, deixa a criança sem espaço para se desenvolver e leva a más-formações de membros e órgãos.

Foi assim, contrariando uma sucessão de prováveis fracassos, que a gravidez da dona de casa Izabel Aparecida Rodrigues, 32, vingou. A placenta encontrou um jeito de nutrir o feto, expandindo-se mais do que o normal em busca de vasos sanguíneos por fora do útero. Durante a gestação, o órgão sofreu pequenos descolamentos que geraram hemorragias, mas elas puderam ser controladas com transfusões.

Izabel sentiu muita dor e teve que ser internada para receber sangue e repousar quase todo mês. Mas a barriga foi crescendo -inclinada para a esquerda, é verdade- e, no dia 12 de fevereiro deste ano, na 36ª semana de gestação, nasceu o bebê, uma menina de 2,2 quilos, chorando e saudável.

Natural de Cachoeiro do Itapemirim (ES) e mãe de mais três filhos, de 14, dez e nove anos, Izabel procurou um médico aos dois meses de gestação, queixando-se de dor e sangramento. As duas notícias, sobre a gravidez e o local inusitado onde o feto havia se instalado, vieram juntas.

"Fiz um ultrassom e vi que o bebê estava fora do útero. Pensei que poderia estar dentro da trompa, mas não parecia. Pedi que outro médico olhasse, fizemos uma ressonância magnética e confirmamos a gravidez abdominal", conta seu obstetra, Roberto Bastos, da Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro do Itapemirim.

A reação, segundo Izabel, foi um misto de alegria e tristeza. Ela tinha o direito de abortar, pois estava com a vida em risco. Mas, quando perguntou ao obstetra se havia chance de a gestação ir adiante e ele disse que sim, apesar de remota, ela preferiu confiar. "Decidi deixar ir para a frente. Confiava sempre em Deus e no médico", diz.

A gravidez era acompanhada com ultrassom no mínimo a cada 15 dias associado a um doppler, que mostrava se a circulação da placenta estava funcionando. Todo mês, a dona de casa ficava internada por cerca de uma semana para receber sangue e repousar. Acabou tendo que abandonar um emprego que tinha conseguido dois meses antes, como doméstica.

O marido e amigos, ao vê-la passando tanto mal, chegaram a sugerir que ela abortasse, mas Izabel diz que essa hipótese não passou por sua cabeça.

Quando completou 36 semanas, o médico decidiu fazer uma cesárea, pois temia que a falta de líquido amniótico causasse sequelas. A incisão, geralmente transversal e acima do púbis, foi longitudinal e do lado esquerdo do umbigo. "Tivemos que descobrir o melhor local para tirar o bebê. Nossa preocupação era que o intestino estivesse na frente, pois não queríamos mexer nele", diz Bastos.

A placenta, que nos partos vaginais é expelida e nas cesáreas é retirada pelo médico, teve que ficar -e está até hoje no organismo de Izabel. "Como a placenta dela ficou ligada a vasos importantes, não podemos tirá-la sob o risco de causar hemorragia. É preciso esperar que ela seja reabsorvida naturalmente", diz Bastos, que acredita que o processo demorará dois ou três meses.

"Me senti muito feliz quando ouvi o choro. Foi nessa hora que fiquei sabendo que era uma menina", lembra Izabel. Ela não teve dúvidas: chamou a filha de Maria Vitória.

A recém-nascida foi levada para a UTI neonatal porque teve uma ligeira dificuldade respiratória, típica de prematuros. Mas, cinco dias depois, mãe e filha tiveram alta. Segundo Izabel, Maria Vitória é agitada, mas não dá muito trabalho. "Ela é espertinha e vive virando na cama e se mexendo, mas não é de chorar muito, não."

Caso raríssimo

A gravidez abdominal é muito rara. Segundo estudos, sua incidência varia de 1 para cada 10 mil a 1 para cada 64 mil partos. Mesmo entre as gestações ectópicas (fora do útero), trata-se de um caso incomum, pois, quase sempre, o embrião se instala na tuba, onde não se desenvolve por falta de espaço.

Mais raro ainda é esse tipo de gravidez ir adiante. A chance de sobrevivência neonatal é de no máximo 20%. "A gente estuda na faculdade que isso pode acontecer, mas eu estou formado há 22 anos e nunca tinha visto", conta Bastos.

O médico procurou referências na literatura científica e só encontrou um artigo no Brasil que reportasse uma gestação abdominal em que o bebê nasceu vivo, em 1999, em Recife (PE). O texto cita outros dois casos relatados em Fortaleza (CE) e em João Pessoa (PB). Bastos, agora, escreve um artigo sobre o caso de Izabel.





Fonte: Folha de S.Paulo

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