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Nacional
Sexta - 06 de Março de 2009 às 14:47

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Em artigo escrito para o Congresso em Foco, coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ataca Gilmar Mendes e acusa o governo de privilegiar o agronegócio. Leia a íntrega do texto assinado por Marina dos Santos:

Cadê a reforma agrária?

Marina dos Santos*

Nos últimos dias, o Brasil vem assistindo a uma ofensiva anti-democrática das forças da direita contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A classe dominante do nosso país, que conta com parte da mídia hegemônica para estimular o processo de criminalização dos movimentos sociais, se fortalece na mesma medida em que atua na contramão da consolidação de uma sociedade justa.

O atual presidente do STF, que jamais proferiu uma condenação aos grupos de latifundiários armados no campo ou à concessão de financiamentos públicos aos grandes grupos econômicos que promovem o trabalho escravo, chacinas contra populações indígenas e quilombolas, crimes ambientais e a demissão de milhares de trabalhadores, configura-se como o mais novo estandarte das forças retrógradas da política brasileira.

Gilmar Mendes, suposto guardião da Constituição Federal, é também o responsável pela liberdade do banqueiro Daniel Dantas e nunca justificou o repasse de R$ 2,4 milhões de recursos públicos para seu Instituto Brasiliense de Direito Público, dirigido por Nelson Jobim.

Ao defender os interesses da burguesia brasileira, Mendes abre caminho para uma retomada eleitoral conservadora em 2010. Vejamos: na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, existe um passivo de conflito agrário pendente há quatro décadas. Ali, existem mais de 400 mil hectares de terras públicas estaduais indevidamente ocupadas por fazendeiros-grileiros. Na semana do carnaval, os quatro movimentos de sem terra que atuam na região realizaram ocupações de protesto em várias fazendas.

Por que a repercussão destas ocupações de terra foi tão grande? Primeiro, porque vários fazendeiros possuem ligações políticas na capital e, depois, porque José Rainha - que não faz parte de nenhuma instância de decisão política do MST - anunciou que as ocupações do seu movimento eram em protesto contra o governador José Serra. Foi assim que o tema se transformou em disputa eleitoral e foi assim que o ministro Mendes nos provou que, até outubro de 2010, veremos disputas pela terra no Pontal se transformarem em briga eleitoral.

O MST, que em sua trajetória de 25 anos acumula centenas de prêmios por sua atuação na luta por reforma agrária, conseguiu assentar 370 mil famílias por meio das ocupações de terras, conquistou 2 mil escolas públicas em acampamentos e assentamentos, que garantem o acesso à educação a mais de 160 mil crianças e adolescentes, alfabetizou 50 mil adultos e jovens e formou mais de 4 mil professores. Com o compromisso de fornecer alimentos para o povo brasileiro, o MST criou mais de 400 associações e cooperativas em assentamentos, que trabalham de forma coletiva para produzir alimentos sem transgênicos e sem agrotóxicos. O Movimento tem 96 agroindústrias, que melhoram a renda e as condições do trabalho no campo e oferecem alimentos de qualidade e baixo preço nas cidades.

O Movimento nunca usou nenhum centavo de dinheiro publico para realizar ocupações de terra. Desde o governo FHC, o Estado brasileiro vem sendo depenado e funções ligadas ao setor público agrícola, como educação no meio rural, alfabetização, assistência técnica, saúde e armazenagem foram desativadas. As ONGs, fruto do neoliberalismo do governo FHC, surgiram em áreas de assentamento para suprir as funções do Estado e passaram a receber recursos públicos. Algumas ligadas aos assentados, outras não, passaram a atuar onde as políticas estatais não chegam, ou chegam de maneira insatisfatória. Não há nenhuma ligação entre essa atuação e as ocupações de terra, e dizer o contrário é pregar a cartilha ideológica da bancada ruralista do Congresso. Ministros do governo Lula compreendem a importância desses convênios, que garantem os direitos dos trabalhadores rurais, e sabem que Gilmar Mendes constrange o Parlamento e ataca o povo brasileiro, ameaçando a nossa democracia.

A única solução para os conflitos no campo é a realização da Reforma Agrária. No entanto, o governo vem dando prioridade ao agronegócio e às grandes empresas da agricultura. O recente conflito em Pernambuco foi uma tragédia anunciada. Acampadas há oito anos, as famílias das Fazendas Consulta e Jabuticaba (improdutivas, que servem apenas para especulação imobiliária) já sofreram mais de 20 despejos e inúmeras ameaças de morte. Na semana passada, depois de mais um despejo feito pela Polícia Militar, o fazendeiro contratou pistoleiros para intimidar, perseguir e espancar um dos líderes do acampamento. Nesse clima de tensão e ameaças permanentes, alguns acampados acabaram reagindo e o conflito causou a morte de quatro jagunços. Há muito tempo as famílias já tinham denunciado às autoridades a presença de pistoleiros e a violência. Não foi o melhor desfecho, porque o MST repudia a violência. A culpa da violência é, portanto, das autoridades, que foram omissas. No Brasil, há muitos outros acampamentos, em igual situação de tensão e conflito. Até quando vão esperar para realizar a Reforma Agrária?

* Integrante da direção nacional do MST.





Fonte: 24 Horas News

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