Gays comemoram avanço nas eleições municipais
O número ainda é pra lá de tímido. Dos 52.137 vereadores eleitos em todo o país este mês, apenas cinco são assumidamente homossexuais – três deles transexuais. Mas, para o movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), o saldo das urnas é motivo de comemoração. Em 2004, apenas um integrante do grupo conseguiu vaga no Legislativo municipal no interior do Espírito Santo.
Este ano, além de garantir presença na câmara municipal de uma capital, Salvador, o movimento também viu suas propostas serem incorporadas por outros 27 eleitos que, apesar de não serem homossexuais, se declararam aliados no combate à discriminação em função da orientação sexual.
Entre eles, estão prefeitos eleitos de cidades importantes, como Gilberto Kassab (DEM), de São Paulo, Márcio Lacerda (PSB), de Belo Horizonte, Ricardo Coutinho (PSB), de João Pessoa, Raul Filho (PT), de Palmas, Carlito Merss (PT), de Joinville (SC), e Dr. Hélio (PDT), de Campinas (SP). A ex-senadora Heloísa Helena (Psol), eleita vereadora em Maceió, também está entre as apoiadoras da causa (veja a lista completa).
O movimento gay atuou de maneira ostensiva nestas eleições. Embora apenas cinco por cento dos 100 candidatos lançados pelo grupo tenha sido eleito vereador, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) organizou uma campanha de captação de apoio dos candidatos aos seus projetos.
Um termo de compromisso com as demandas da plataforma gay foi enviado a boa parte dos postulantes a prefeitos e vereadores dos principais municípios brasileiros. Para conseguir apoio da comunidade, que conta com 203 organizações em todo o país, o candidato deveria assinar o documento. Ao todo, 221 candidatos se comprometeram com as exigências do grupo.
Na pauta específica da comunidade, há demanda por maior representação pública do segmento, com a definição de um plano municipal que inclua uma coordenadoria da diversidade e a criação de um conselho LGBT.
Os candidatos também assumiram outros compromissos, como estender aos casais homossexuais os mesmos direitos previstos para os demais servidores públicos municipais, incluir temas relativos à sexualidade e à homossexualidade na sala de aula e reconhecer os parques e jardins das cidades como espaço público de livre afeto de LGBT.
O presidente da ABGLT, Toni Reis, explica que o lançamento do termo de compromisso foi uma estratégia traçada pela entidade para garantir apoio de políticos nas esferas municipais, onde muitas das ações a favor do grupo são gestadas. "Precisamos de apoio nas câmaras legislativas e no Poder Executivo, e essa foi a maneira que encontramos para que os candidatos nos apoiassem", justifica.
Balanço positivo
Para o coordenador-executivo do projeto Aliadas, braço estratégico da ABGLT no Congresso Nacional, Igor Martini, a eleição deste ano representa um grande avanço para o movimento. "Candidatos ligados a movimentos sociais costumam ter pouca sustentação financeira, então consideramos o resultado muito positivo", avalia.
"Para quem tinha só um, saímos ganhando", acrescenta Toni Reis, referindo-se à eleição, em 2004, de Moacyr Sélia (PR-ES), mais conhecido como Moa, vereador em Nova Venécia, município com pouco mais de 46 mil habitantes, localizado a 225 quilômetros de Vitória. Este ano, Moa foi reeleito com 871 votos. Além dele, outros dois transexuais foram eleitos no último dia 5: Léo Kret (PR), em Salvador, e Isaías Martins de Oliveira (PV), em Patos de Minas (MG). Também serão empossados no início de janeiro os vereadores José Itaparandi (PTB), de Paço do Lumiar (MA), e Sander Simaglio (PV), de Alfenas, ambos assumidamente gays.
A intenção da comunidade, segundo Igor, não é eleger homossexuais a qualquer custo. Para ter apoio do movimento, é preciso apresentar uma plataforma consistente de apoio à causa, defende. Ele cita o deputado Clodovil Hernandes (PR-SP), homossexual assumido, como exemplo de gay que não carrega a bandeira do grupo. "Clodovil não foi eleito pelo nosso segmento. Ele não tem projetos nem na nossa área, nem em área alguma. Não é um nome de referência para nós", critica.
Apoio variado
Uma das estratégias da ABGLT para ampliar o número de adesões aos seus compromissos foi não restringir as alianças aos partidos de esquerda, tradicionalmente identificados com a defesa dos direitos humanos. O grupo angariou apoio de candidatos das mais variadas correntes partidárias. Em Salvador, por exemplo, os candidatos derrotados à prefeitura Antonio Imbassahy (PSDB), Walter Pinheiro (PT) e ACM Neto (DEM) assinaram o termo.
Nem a religião do petista, que é evangélico, nem a filiação do democrata a um dos partidos mais conservadores, impediram que eles se comprometessem com o documento. Toni Reis justifica que, para conseguir a aprovação de projetos, é preciso ter o apoio de vertentes variadas e, por isso, a associação não faz discriminações.
Dançarino e advogado
Da chapa de ACM Neto, aliás, fez parte o transexual Leo Kret, eleito vereador com 12.861 votos, o quarto candidato mais votado na capital baiana. Em seu espaço no horário eleitoral (confira), Leo levantava suas plataformas políticas voltadas para a juventude, os artistas, os LGBTs e a população carente e pedia votos para o candidato do DEM.
O vereador eleito é dançarino de uma banda de axé e forró baiana, a Saiddy Bamba. Aos 24 anos, conta que decidiu tentar a carreira política para atender ao pedido de seu público. Leo participava de programas populares de rádio e TV de Salvador, onde se tornou figura bastante conhecida. Apesar da derrota de ACM Neto logo no primeiro turno, Leo conta ter feito sua parte. "A maior caminhada dele fui eu quem promovi", relata.
O município de Alfenas, localizado no Sul de Minas, ganhou também seu primeiro representante gay. Sander Simaglio, um advogado de 32 anos, foi eleito com 629 votos, e prepara-se agora para enfrentar um possível preconceito de seus colegas na Câmara Legislativa a partir de janeiro próximo. "Não permito comentarem sobre minha opção sexual. Meu eleitor é consciente, votou em um cidadão antenado que, por coincidência, é gay", defende.
Sander conta que sua bandeira vai além do movimento LGBT. Ele afirma que seu trabalho será voltado para a defesa dos direitos humanos em geral no município de 65 mil habitantes. Segundo o advogado, menos de 10% de seus eleitores são gays. Na avaliação dele, ainda falta politização entre seus companheiros. A conhecida falta de unidade entre os militantes da comunidade, lembrada pelo vereador eleito de Alfenas, deixa claro que o grupo ainda terá muito trabalho pela frente.
Grupo fortalecido
Apesar das disputas internas, a causa avança visivelmente. Para o sociólogo Antônio Testa, professor da Universidade de Brasília (UnB), o crescimento da comunidade LGBT começa a partir do momento em que o grupo "sai do armário" e reivindica direitos. Com isso, afirma o professor, o Estado sente-se obrigado a reconhecê-los, e a legitimação acaba fortalecendo o grupo.
Em Brasília, por exemplo, o Executivo incluiu os LGBTs na proposta de lei orçamentária deste ano. A quantia é pouca: apenas R$ 6,9 mil. Mas, para Testa, o importante foi o gesto de reconhecimento do poder público. A partir daí, lembra ele, fica mais fácil lutar para alcançar resultados significativos.
Com o potencial que tem para se organizar e de votos para oferecer, o movimento gay tende a se consolidar como um dos principais grupos de pressão política do país, acredita Testa. "É possível que, em alguns anos, a comunidade LGBT seja o mais importante grupo de pressão, pela sua capacidade de fazer alianças com as minorias. A democracia brasileira permite essa articulação", vislumbra.
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