Pesquisa estuda espécies que sobrevivem devastação em MT
As mudanças na paisagem provocadas pela conversão de florestas em áreas de pastagem são geralmente muito rápidas e visíveis. A biodiversidade que antes dependia da continuidade das matas simplesmente some dali. Quem pode, se refugia em remanescentes. Só que pouca gente se arriscou a estudar a fundo quais espécies efetivamente conseguem sobreviver e em que condições. É para investigar isso e a eficiência dos corredores de matas sobre diversos mamíferos, especialmente carnívoros de médio e grande porte, que a bióloga gaúcha Fernanda Michalski pesquisa a região de Alta Floresta há sete anos.
A escolha foi oportuna. O município reúne características muito propícias ao êxito do estudo. Num raio de aproximadamente 50 quilômetros da área urbana, é possível acessar pequenas e grandes propriedades rurais, que mantêm corredores de matas ripárias (as que protegem cursos d’água) mais compridos ou curtos, estreitos ou largos, ligando fragmentos florestais de todos os tamanhos. De meio hectare a matas intocadas. Para esta fase da pesquisa, Fernanda selecionou 20 corredores, muito diferentes entre si, para coleta de informações sobre a presença desses bichos.
“Nosso objetivo é saber se os animais estão usando os corredores ou não, justamente para avaliar quão eficiente está sendo a nossa legislação, que pede uma área mínima na borda dos rios” - diz.
A rotina da pesquisadora, que recebe estagiários do Brasil inteiro, é puxada. Além de escolher as áreas com a ajuda de imagens de satélite, é preciso instalar equipamentos de monitoramento, percorrer trilhas, pastagens, em busca de informações. Tudo sem sequer chegar perto dos animais. “Não precisamos capturar, nem manipular. Conseguimos indícios da presença a partir de rastros, armadilhas fotográficas, relatos de moradores, e coleta de fezes, de onde extraímos seu DNA e mandamos para análise no laboratório de genética da PUC-RS”, diz a pesquisadora, integrante do Instituto Procarnívoros e vinculada ao departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo. Por sinal, o uso de dados de DNA das fezes são considerados pioneiros para pesquisas na região amazônica.
Através desses métodos, a pesquisadora tem conseguido obter as primeiras respostas para suas maiores indagações. “Queremos saber se o uso dos fragmentos florestais está associado à presença de corredores ou não. As pessoas dizem que as onças andam pelos pastos. Mas não sabemos se não há uma preferência por um determinado tipo de hábitat”, diz Fernanda. De acordo com os primeiros resultados, as onças têm optado mais pelos corredores de matas do que pelas áreas abertas. “Sabemos que os bichos estão se movimentando, temos visto rastros e obtido fotos”. Mas nem sempre essa presença significa que ali as espécies são viáveis.
“Mesmo em áreas de floresta com 800 hectares, nunca encontraremos queixadas, de acordo com nossos dados”, constata a pesquisadora. Em porções de 100 hectares, a probabilidade de ocorrência de onça-pintada é inferior a 40%. Em compensação, com esse mesmo tamanho é praticamente certo encontrar macacos-pregos. Isso mostra que cada espécie apresenta graus diferentes de tolerância aos fragmentos. Mas mesmo os que têm mil hectares ainda não são suficientes para manter populações viáveis em longo prazo, afirma a pesquisadora. “Para essa região, uma área que considero razoável para aceitar a presença mais freqüente seria acima de dez mil hectares, dependendo da sua conectividade”, avalia. De acordo com a pesquisa, o tamanho dessas áreas determinou em 90% a variação do número de espécies encontradas até o momento.
Em seu monitoramento, Fernanda já se deparou com mais de 20 indivíduos entre jaguatiricas, onças-pintadas e pardas, cujas áreas de uso têm sido mapeadas e identificadas. O encontro com outros animais mais inesperados foi motivo de comemoração. “Após sete anos de pesquisa na região, fotografamos três indivíduos de cachorro-vinagre. Foi o primeiro registro confirmado dessa espécie”, destaca a pesquisadora. Também surpreendeu a presença de ariranhas naqueles corredores. Segundo ela, ainda não se pode dizer se este é um animal difícil de ver, pois a ariranha tem sido muito pouco estudada, principalmente na região amazônica e em situações de fragmentação.
Comentários