Líder em maconha, Paraguai não contém plantio
O alvo estava escondido no meio do mato de um lugar chamado colônia Maria Auxiliadora, a 60 km do Brasil e a pouco mais de vinte do ponto onde ocorreu a batalha de Cerro Corá, que pôs fim à Guerra do Paraguai, 137 anos antes. Fabricado pela Bell em 1968, nos Estados Unidos, o UH-1H é um veterano do Vietnã. É um helicóptero para transporte de tropas ou carga. Tem capacidade para carregar mil quilos dentro da aeronave e para arrastar, pelo ar, outros mil quilos. Pode transportar oito combatentes com equipamento completo de assalto na selva.
Esse beberrão, que a cada hora de vôo enxuga 360 litros de um tipo especial de querosene, a JP-1, é imprescindível para achar as lavouras ilegais, escondidas no meio do mato, invisíveis por terra. Como a tecnologia de monitoramento via satélite é incipiente, os vôos de reconhecimento são a única maneira confiável de localizar as plantações que florescem secretamente no Paraguai, o maior produtor de maconha da América do Sul.
Nos cumes dos cerros, nem sinal da presença humana. Atado por um cinto, o capitão Oscar Chamorro põe o cano de seu fuzil M-16 pela porta de bombordo do helicóptero e percorre a mata e as paredes das montanhas com pressa. "Não há ninguém", atesta. Todos fugiram quando viram o helicóptero nos primeiros vôos de reconhecimento. O Sapão, como a aeronave costuma ser chamada no jargão dos militares brasileiros, balançava um pouco à medida que as montanhas ficavam para trás. No meio das árvores, manchas de desmatamento deslizavam sob o casco. Essas manchas eram as lavouras. A estibordo cintilava o lamacento Aquidabán, que centenas de km adiante se juntaria ao rio Paraguai.
O desembarque ocorreu a menos de mil metros da maior clareira aberta pelos plantadores. O ponto onde o helicóptero tocou o solo é uma área plana, desmatada que também um dia já foi plantação de maconha. Hoje um brejo seco. Chamorro, o comandante da operação, manda todos ficarem abaixados na vegetação que renasceu pobre, enquanto uma equipe de militares, que já chegou ao alvo no primeiro vôo, volta para acompanhar os civis - jornalistas e um cara do Ministério Público - até o local. O helicóptero levanta vôo, provocando uma espiral de vento muito forte sobre as plantas do solo. O grupo parte em fila indiana, em silêncio, com militares à frente e protegendo a retaguarda. No meio da floresta, há garrafas plásticas, botinas, restos de embalagem de comida e uma cozinha improvisada. Tudo abandonado. Era ali o acampamento dos plantadores de maconha, que ocupam o ponto mais baixo da escala de poder e dinheiro que move o tráfico de drogas. A menos de quinhentos metros do acampamento está a plantação. Do tamanho de dois campos de futebol. As plantas estão viçosas, algumas com mais de dois metros altura, brilhando num verde claro muito vivo. A Senad calcula que uma lavoura dessas produza algo como seis toneladas de maconha por safra. Em cada hectare, três mil quilos de maconha.
"São quase escravos", diz o comandante Chamorro, o segundo homem da Senad, o órgão anti-drogas do Paraguai.
Os homens de Chamorro chegam à plantação portando pouco peso, menos de 20 quilos de equipamentos. Um fuzil, geralmente o americano M-16, uma pistola 9 milímetros ou 45 no coldre, uma mochila com provisões para um dia, dois cantis cheios, rádio de comunicação e facão. Os "machetes", como são chamados no Paraguai essas facas com lâminas curvas de 40 centímetros de comprimento, são essenciais. Nestas operações de erradicação, os facões acabam tendo mais uso que os fuzis ou algemas já que o objetivo não é prender a arraia-miúda da cadeia produtiva e sim, destruir plantações. Vinte homens põem abaixo um hectare de maconha em menos de uma hora. Os golpes são precisos, a uns quarenta centímetros do caule. Os homens são hábeis e precisos, não se vê mais de um golpe por planta. Quando os dois hectares desta lavoura já estão cortados, os milhares de pés são amontoados em uma grande montanha no meio da clareira. Querosene é derramada sobre o monte e a maconha arde, produzindo uma fumaça espessa e doce.
Entre janeiro e abril deste ano, a Senad já destruiu 1.008 hectares de maconha em operações como a realizada em Maria Auxiliadora. Isso representa, pelas contas das autoridades paraguaias, tirar de circulação algo em torno de 3.000 toneladas de maconha. Em 2007 as operações de queimaram 1.500 hectares de maconha. Se isso não tivesse sido feito, 4,6 mil toneladas teriam ido parar nos mercados do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, além do próprio Paraguai, segundo a Senad. O órgão estima ter destruído quantidade largamente superior de maconha do que aquela apreendida pelas autoridades brasileiras.
A partir desses números, o prejuízo nos primeiros elos do tráfico, dentro do Paraguai, com as operações do ano passado, seria de US$ 46 milhões. Se considerada a cotação de maconha dos grandes centros brasileiros, as operações da Senad teriam impedido a circulação de mais de meio bilhão de dólares nas mãos das quadrilhas atacadistas do tráfico no Brasil. Isso poderia ser multiplicado por dois ou por três, se fosse considerado o varejo - o negócio na boca-de-fumo. A estratégia da erradicação está em vigor desde o ano 2000.
Chamorro admite que, no dia seguinte ao fim da operação, os plantadores de maconha já deverão estar de volta à região para refazer o trabalho que foi perdido. Apesar disso, ele nega veementemente que a estratégia da Senad seja inócua. Por ano, são realizadas entre seis e oito operações similares.
"Eles plantam, nós destruímos, eles voltam a plantar no mês seguinte, nós voltamos a destruir. A idéia é que eles percam tanto dinheiro plantando maconha que nunca vão colher até parar de plantar, por isso nosso foco não é prender o plantador, mas causar prejuízo", explica o raciocínio.
Ele estima uma redução de 20% ou 30% da área destinada ao cultivo. Em 2002, a Senad calculava que 5.500 hectares tenham sido usados para produzir a erva; hoje o número oscilaria entre 3.500 e 4.000. O cálculo da Senad é duvidoso, mistura os frágeis dados obtidos com satélites, informações da inteligência e, sobretudo, no empirismo. "Há seis anos, levávamos oito ou dez dias para destruir plantação numa única região, hoje levamos menos tempo, o que indica, junto com outras fontes de informações, que temos que há menos maconha plantada", diz Chamorro. Ou que a produção não tenha diminuído, mas pulverizada em um maior número de lavouras menores.
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