TCE confirma pedido de afastamento de prefeito de Juscimeira
Em sessão ordinária nesta terça-feira, 18/03, o Tribunal de Contas de Mato Grosso confirmou a representação ao Ministério Público Estadual pedindo o afastamento do cargo e bloqueio de bens do prefeito municipal de Juscimeira, Dener Araújo Chaves e, ainda, Ação Civil Pública para ressarcimento de recursos públicos ao Município.
O afastamento do prefeito já havia sido pedido pelo Tribunal, através de uma Medida Cautelar proposta pelo conselheiro Valter Albano, no dia 12 de fevereiro. A iniciativa do conselheiro, que é relator das contas anuais de Juscimeira, foi motivada pelo resultado de uma auditoria especial realizada na Prefeitura, comprovando a ocorrência de irregularidades graves, incluindo fortes indícios de desvio de recursos, atraso sistemático de salários do funcionalismo e emissão de 136 cheques sem provisão de fundos. Os auditores também constataram atrasos constantes na remessa de documentos ao Tribunal, incluindo balancetes mensais.
Na decisão, o Tribunal Pleno determinou ao gestor Dener Araújo Chaves que restitua aos cofres municipais o valor equivalente a 4.135,14 Unidades de Padrão Fiscal (UPF/MT), resultante do desvio de valores e negligência na arrecadação do ITBI. Esse valor deverá ser recolhido com recursos próprios no prazo de 15 dias. Também foi aplicada a multa de 500 UPFs, uma vez que o gestor cometeu atos de gestão ilegal, ilegítimo e antieconômico.
Lei abaixo a íntegra da decisão.
FUNDAMENTOS DO VOTO
Em relação à não prestação de contas, foi constatado que, além do encaminhamento sistematicamente atrasado de todos os balancetes e documentos do APLIC, o gestor não protocolizou os balancetes de novembro e dezembro de 2007, assim como não enviou eletronicamente os informes do APLIC referente ao mês de dezembro do mesmo ano.
A prestação de contas ao TCE deve ser efetuada eletrônica (APLIC e LRF) e fisicamente (balancetes mensais e balanço anual). Não é bastante protocolar apenas a Prestação de Contas Anual. É dever do gestor encaminhar todo mês os balancetes e os informes do APLIC, bem como enviar bimestralmente os documentos relativos ao LRF - CIDADÃO. Tais obrigações estão preconizadas na Constituição Estadual e nos atos normativos do TCE/MT.
A Constituição Estadual dispõe nos seguintes termos:
“Art. 208 O Prefeito e a Mesa da Câmara Municipal remeterão ao Tribunal de Contas o balancete mensal, até o último dia do mês subseqüente. Transcorrido o prazo sem que isso ocorra, o Tribunal de Contas dará ciência do fato à Câmara Municipal, confirmada a omissão, a Câmara Municipal adotará as providências legais para compelir o faltoso ao cumprimento da obrigação.”
Parágrafo único O Prefeito remeterá na mesma data à Câmara Municipal, uma via do balancete mensal para que os Vereadores possam acompanhar os atos da Administração Municipal.
Constata-se que o gestor tem a obrigação de enviar ao Tribunal de Contas, todas as informações, iniciais e mensais, necessárias ao controle externo, sob pena de aplicação da multa prevista no inc. VIII do art. 75 da Lei Complementar n.º 269 – Lei Orgânica do Tribunal de Contas, de 29/01/2007, que prescreve:
“Art. 75. O Tribunal aplicará multa de até 1000 (mil) vezes a Unidade Padrão Fiscal de Mato Grosso – UPF-MT, ou outra que venha sucedê-la, na gradação estabelecida no regimento interno, aos responsáveis por:
... VIII – não remeter dentro do prazo legal, por meio informatizado ou físico, os documentos e informações a que está obrigado por determinação legal, independentemente de solicitação do Tribunal;”
Quanto à intempestividade nos registros contábeis do município, tal fato indica que o setor responsável para esta função não está atuando de maneira eficiente e, muito menos efetiva. Convém ressaltar que o serviço de contabilidade serve como instrumento de controle e cidadania, especialmente por evidenciar fatos ocorridos na Administração Pública.
Assim, a Administração deve se manter sistematicamente organizada, contribuindo com os serviços de controle interno e externo. Nesse sentindo, o art. 85 da lei 4.320/64, estabelece que os serviços de contabilidade devem ser organizados de forma a permitir o acompanhamento da execução orçamentária, o controle patrimonial e a legalidade dos atos administrativo.
Ao regulamentar a matéria, a Resolução n.º 14/2007 – RITC - no seu §1.º, art. 166, determina que:
§ 1º. Além dos documentos mencionados nos incisos deste artigo, os Chefes dos Poderes Executivos Municipais deverão encaminhar, até o último dia do mês subseqüente, o balancete do mês anterior.
Mais adiante o art. 175 da referida Resolução dispõe que:
“Art. 175. Os Chefes dos Poderes Executivos Municipais deverão transmitir eletronicamente, de acordo com as regras do sistema de auditoria pública informatizada de contas, sem prejuízo do encaminhamento físico mencionado no art. 166 e no seu § 1º deste regimento.”
I - (...) II - As informações mensais, até o último dia do mês subseqüente; III - Os informes bimestrais exigidos pela Lei Complementar nº 101/2000, até o quinto dia do segundo mês subseqüente ao encerramento do bimestre, de acordo com provimento próprio do Tribunal.
§ 1º. Os dados transmitidos eletronicamente serão utilizados como subsídio para a análise das contas anuais e balancetes mensais e devem se referir a todas as unidades gestoras do respectivo Município.
§ 2º. Havendo irregularidades nos dados transmitidos pelos sistemas informatizados, o responsável será alertado oportunamente para as providências saneadoras, sob pena de comprometimento das contas anuais.
Em relação à ausência de documentos comprobatórios das despesas, detectou-se diversas irregularidades nos atos de ordenamento de despesas, tais como, inexistência de assinaturas do ordenador de despesas, do responsável pela Tesouraria, bem como de assinaturas dos credores.
A ausência das referidas informações nos respectivos atos de ordenamento de despesas contraria o disposto nos arts. 62 e 63 da Lei federal n.º 4.320/64 e aos princípios da legalidade, moralidade e da impessoalidade expressos no caput do art. 37 da Constituição Federal. Tais atos são aptos a demonstrar que o controle interno do município não está atuando de maneira eficiente.
Constatou-se ainda, a imperícia e falta de efetividade no controle que o Poder Público deve exercer internamente. Além de decorrerem da negligência e ineficácia nos trabalhos dessa área da administração, tal irregularidade é oriunda da ineficiência do controle interno. No caso em tela, houve descumprimento do art. 74 da Constituição da República e do art. 191 da Constituição Estadual.
Já a realização de despesas sem prévio empenho, além de constituir crime contra as finanças públicas, previsto no art. 359-D do Código Penal, caracteriza clara infração à norma legal, visto que o art. 60 da Lei n.º 4.320/64 a veda expressamente. Também pode ser considerada ato de improbidade administrativa, nos termos do inc. IX do art. 10 da Lei n.º 8.429/1992.
Quanto à falta de regularidade no pagamento de salários dos funcionários públicos do Município, foram constatados atrasos na folha de pagamento durante o período de janeiro a agosto de 2007, bem como pagamentos realizados em datas diferenciadas.
O atraso na folha de pagamento decorre da falta de planejamento nas ações relacionadas à gestão fiscal. Ao proceder dessa maneira o gestor infringiu o §1.º do art.1.º da Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.
Embora não classificada pela resolução n.º 03/2007, deste Tribunal, tal irregularidade contraria o inciso X, art. 7.º da Constituição Federal e deve ser considerada de natureza gravíssima, diante da vital importância do salário para o servidor e sua família.
Quanto à realização de pagamento de forma diferenciada, contatou-se a realização de pagamentos a alguns servidores em detrimentos de outros dentro de um mesmo órgão como é o caso da Secretária de Administração, Infra-Estrutura e Educação. Além disso, constatou-se que não há qualquer pagamento de salário à contratados pela Secretaria de Saúde.
Tais fatos, além de comprometer, consideravelmente, a prestação de serviços públicos à população de Juscimeira, demonstra que o gestor está usando da discricionariedade no pagamento de salários á servidores públicos, o que afronta os princípios da igualdade de condições e da impessoalidade e da dignidade da pessoa humana.
Em relação à emissão de 136 cheques no valor total de R$ 701.874,95 , dos quais, segundo consta no histórico da conta corrente, 86 foram devolvidos por insuficiência de fundos e 50 por impedimento de pagamento, mais despesas e taxas sobre devolução no valor de R$ 1.017,04, caracterizando total ausência de controle interno e inobservância das normas constitucionais e de responsabilidade.
Diante disso, fica evidente que se trata, além de crime previsto no inc. VI, do § 2.º do art. 171 do Código Penal, mas também de prática corriqueira do gestor contrária às disposições do art. 74 da Constituição da República e do art. 59 da Lei Complementar n.º 101/2000. Ademais, essa irregularidade não é sanável em sua essência, posto que o eventual recolhimento de taxas devidas em função das devoluções dos cheques não elide a irresponsabilidade na gestão da coisa pública. Pelo contrário, apenas a confirma.
Com referência à realização de despesas sem licitação, vale mencionar que os processos foram apresentados tardiamente, visto que na realização da auditoria in loco foi solicitada pelos auditores a disponibilização dos documentos e os mesmos foram omitidos. Destaco ainda que consta nos autos às fls. 1133 –TC, declaração da Comissão de Licitação, que informa a inexistência de tais processos.
Novamente evidencia-se ofensa ao dever de licitar, estabelecido pelo inc. XXI, art. 37 da Constituição Federal. Evidencia-se ainda, que os fatos mencionados configuram crimes contra a administração pública previstos na Lei n.º 8.666/1993 – Lei de Licitações e Contratos Administrativos especialmente no seu art. 82, o qual prevê que os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos estabelecidos ou visando frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções nela previstas e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.
Como conseqüência, aquele que “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade” (art. 89); “frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação” (art. 90); ou aquele que “impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório” (art. 93), está sujeito às penas de detenção que variam de 6 (seis) meses a 5 (cinco) anos, e multa.
O Decreto-lei n.º 201/1967 que trata da responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, dispõe que:
“Art. 1.º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; ...
Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; ...
V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes;”.
A pena prevista no Decreto-Lei para os casos de crimes de responsabilidade dos Prefeitos é o ressarcimento ao erário, a suspensão dos direitos políticos e pena de reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos.
Diante das referidas normas legais, das irregularidades na realização dos atos de ordenamento de despesas, da evidente ofensa ao dever licitar e negligência do gestor na arrecadação constata-se a prática de diversos atos de improbidade previsto na Lei de Improbidade Administrativa.
O § 4.º do art. 37 da Constituição Federal estabelece que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário".
O referido dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei n.º 8.429/1992 , que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública.
De acordo com o art. 9.º da Lei de Improbidade Administrativa, constitui ato de improbidade auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade na Administração Pública.
Já o art. 10 da mesma Lei prevê que "constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1.º desta Lei . . .".
Existe ainda, o forte indício de desvio de recurso arrecadado com o ITBI, pois foi levantado no Cartório de Registro de Imóveis, responsável pela verificação do pagamento no momento da transferência, a realização de diversas transações imobiliárias, as quais são, por lei, fatos geradores de impostos e não ficou comprovada a contabilização das referidas receitas.
De acordo com a Constituição Federal, o ITBI pertence ao Município da situação do bem e no presente caso, ao Município de Juscimeira.
Logo, como os valores questionados (R$ 53.227,61) não compõem a receita orçamentária do ITBI, existe o forte indício de que os valores foram desviados dos Cofres do Município.
Da mesma forma, não ficou comprovada a relação entre as guias de arrecadação do ITBI nos anos de 2005 e 2007, o que confirma a negligência na arrecadação do imposto com lesão ao patrimônio público municipal no montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
Pelo exposto, conclui-se que os responsáveis pelo processamento do ITBI praticaram ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 10 da Lei Federal n.° 8.429, de 2 de junho de 1992, ao desviarem valores de ITBI pertencentes ao acervo financeiro da Prefeitura, causando lesão ao patrimônio público municipal, conjuntamente o prefeito também cometeu crime de responsabilidade, especialmente no disposto no art.1.º inc. III do Decreto-Lei n.º 201/1967, já citado anteriormente.
Esses são os fundamentos do voto.
VOTO
Por todo o exposto, VOTO, acolhendo o Parecer Ministerial n.º 681/2008, pela procedência da representação e por determinar ao Prefeito Municipal de Juscimeira, senhor Dener Araújo Chaves, para que restitua aos cofres municipais o valor equivalente a 4.135,14 UPF/MT, resultante do desvio de valores e negligência na arrecadação do ITBI, e que seja feito com recursos próprios e no prazo de 15 (quinze) dias.
VOTO, ainda, pela aplicação ao referido gestor, de multa correspondente a 500 UPF/MT, com fundamento nos incisos II, III, e VI, do art. 75, da Lei Complementar n.º 269/2007 desta Corte de Contas, que se referem respectivamente a atos de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao erário; ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sonegação de processo, documento ou informação em inspeções ou auditorias, a ser recolhida ao Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Tribunal de Contas, no mesmo prazo de 15 (quinze) dias e com recursos próprios, sob pena das sanções legais.
VOTO, finalmente, pela representação ao Ministério Público Estadual no sentido de afastar o senhor Dener Araújo Chaves das funções de Chefe do Poder Executivo do Município de Juscimeira e bloquear os seus bens, sob pena de sua permanência no cargo provocar novos danos ao erário, agravar a lesão já comprovada ou, ainda, inviabilizar ou tornar difícil ou impossível a sua reparação.
Encaminhe-se cópia integral dos autos à Procuradoria Geral de Justiça do Estado para as investigações necessárias e interposição da competente ação.
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