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Cultura
Segunda - 24 de Setembro de 2007 às 20:57

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SÃO PAULO - Encerrada no domingo, a Bienal teve o recorde de público de suas 13 edições: 645 mil pessoas - 15 mil a mais do que em 2005 - cruzaram os corredores dos pavilhões do Riocentro em 11 dias. Foram vendidos 2,5 milhões de livros, um acréscimo de 200 mil em relação à feira anterior.

No domingo, dia de promoções nos estandes, filas eram vistas por toda parte. Uma das mesas mais concorridas foi a do Fórum de Debates. O acadêmico Alberto da Costa e Silva, os

historiadores Clóvis Bulcão e Francisca Nogueira, o jornalista Laurentino Gomes e a antropóloga Lilia Schwarcz falaram dos 200 anos da vinda da família real portuguesa ao Brasil (motivo de uma série de comemorações no ano que vem.)

A sexta-feira foi marcada por uma bonita homenagem a Gabriel García Márquez - a bienal pan-americana já havia prestado tributo a Ariano Suassuna (os autores se tornaram octagenários em 2007).

Já que o mestre de Aracataca não veio ao Rio, seus dois grandes amigos brasileiros, o cineasta Ruy Guerra e o escritor e tradutor Eric Nepomuceno, que desfrutaram de sua companhia e

trabalharam sobre sua obra, foram convocados para contar um pouco de como é Gabo na intimidade.

Lealdade brutal

Eles encantaram a platéia com uma hora de divertidas histórias sobre o modo como o escritor encara a amizade e seu ofício. Os dois se referiram o tempo todo à "máfia" em torno

dele: os amigos que o cercam e aos quais ele é extremamente leal "García Márquez é de uma lealdade brutal, profunda; de uma generosidade sem limites. Ruy e eu somos da mesma ‘máfia’ há

mais ou menos 33 anos", disse Nepomuceno, que verteu para o português oito de seus livros. Entre eles, a obra-prima "Cem Anos de Solidão", cujas vendas são contadas na casa dos milhões

(mais de 30) e que, em junho deste ano, completou 40 anos, tendo sido traduzido para mais de 35 idiomas.

Guerra, que adaptou para o cinema três obras de García Márquez, relembrou, a despeito da péssima memória que disse ter, episódios engraçadíssimos, como os sucessivos porres que tomou com o amigo com a intenção de discutir um trabalho que fariam juntos. "Durante dez anos, a gente marcava de se encontrar em todas as partes do mundo e nunca decidíamos que história (do

escritor) seria (filmada). Eu bebia uma garrafa de uísque e ele, outra", contou. Um dia, o resultado das bebedeiras finalmente saiu: o filme "Erendira", lançado em 1982, com roteiro do

escritor.

O cineasta disse ainda que enquanto ele já sonhou ser escritor, o amigo colombiano - que neste ano cheio de comemorações celebra também os 60 anos de publicação de seu

primeiro conto, "La Tercera Resignación" - pensou em fazer cinema. "Eu disse a ele: ‘Está dando certo assim para os dois até agora, então não vamos trocar.’ Fiquei esperando ele dirigir

o primeiro filme para eu escrever meu primeiro romance."

Nepomuceno conheceu Gabo quando tinha 25 anos e trabalhava como repórter em Buenos Aires. Foi convidado por ele, por telefone, para ir ao Chile e fazer reportagens sobre o fim

da democracia no país. Mais tarde, entre 1979 e 1983, quando ambos moravam na Cidade do México, mantiveram convivência estreita. Já Ruy Guerra estava em Barcelona quando lhe foi

apresentado por Mario Vargas Llosa, então seu grande amigo.

Márquez e Vergas Llosa

O rompimento entre o colombiano e o peruano - a amizade foi "dissolvida" com um soco desferido por Vargas Llosa no olho de García Márquez em 1976, supostamente por ciúme de sua mulher - também foi tratado na conversa de sexta-feira. "Os dois se ignoram. É muito mais do que uma inimizade", disse Nepomuceno. "Esse soco foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na vida do García Márquez porque ele rompeu de vez com aquele sujeito", afirmou Guerra.

Bastante saudosos, Guerra e Nepomuceno recordaram o García Márquez atencioso, que tem uma caneta especial para dar autógrafos (o que faz com calma e com letra bonita); da

personalidade gregária, que gosta de fazer com que seus amigos se tornem amigos entre si; do autor de fama planetária, que é reconhecido em qualquer canto do mundo (talvez o mais célebre de seu tempo, na opinião de Nepomuceno); do escritor incomparável, cujos livros têm uma "carga desaforada de poesia" e que escreveu "uma história descomunal, que é a historia de todos nós".

Falaram, por outro lado, do homem implacável em que se transforma quando percebe que se aproximaram dele para tirar vantagem. Lembraram ainda que ele não gosta de ser consultado

quando algum livro seu está sendo traduzido ou adaptado. Certa vez, quando filmava "Erendira", Guerra lhe perguntou o que significava um peixe passando diante da moça estuprada, ao que Gabo respondeu: "Lo que tu quieras!"




Fonte: Estadão

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