Repórter News - reporternews.com.br
Nacional
Quinta - 06 de Setembro de 2007 às 21:58

    Imprimir


SÃO PAULO - Mesmo com toda a inteligência que possui sobre os morros cariocas, o Exército teria mais dificuldades para vencer o crime no Rio de Janeiro do que enfrentou no Haiti, diz o coronel Cláudio Barroso Magno Filho, que comandou a ação das tropas brasileiras na pacificação da região mais violenta do Haiti, Cité Soleil, reduto histórico de bandidos e considerado pelas Nações Unidas um dos lugares mais violentos do mundo em 2004, quando uma missão de paz da ONU desembarcou no país.

"O Exército tem informações de inteligência sobre o crime organizado nas favelas do Rio, desde o terreno até o inimigo. Sabemos todos os acessos, principais pontos do tráfico, quem são os líderes criminosos de cada área e qual o tipo e a quantidade de armas que eles têm. Isso pode ser compartilhado desde já. O que deu certo no Haiti e que daria certo aqui é a integração. As tropas brasileiras, sozinhas, sem apoio de outros países e da polícia haitiana, não teriam conseguido nada", revela Barroso Magno, que, após 37 anos como militar, foi para a reserva em junho, quando voltou da missão de paz.

Antes de ir para o Haiti, Barroso Magno era responsável pelo planejamento de possíveis atuações militares na segurança pública carioca. Ele reage à colocação do Exército como protagonista de ações: "A situação no Rio é muito mais complexa. O Exército jamais atuará sozinho, sempre estará integrado aos demais órgãos de segurança pública e agentes da sociedade civil".

Como aqui os criminosos buscam manter o ponto de venda de tráfico e são mais fortemente armados e organizados, a resistência seria maior, acredita ele. O Haiti não tem mercado consumidor de drogas: extorsões, seqüestros e suborno por segurança, além de influência política, sustentam as gangues.

"Nosso objetivo lá não era isoladamente combater o bandido.A meta era mudar a atitude da população em relação à situação. Em um clima de descrença, em um local em que as pessoas viviam com medo e o Estado não atuava, a gente entrou, ganhou território e ficou, não saiu mais. Queríamos mudar a lógica do jogo e fazer com que a sociedade percebesse que estávamos ali lutando por eles, e para ganhar", lembra Barroso Magno.

De dezembro de 2006 a março deste ano, com 12 operações militares e dezenas de outras policiais, as tropas internacionais, lideradas pelo Brasil, conquistaram Cité Soleil, prendendo mais de 400 pessoas, expulsando e matando importantes criminosos e empossando o prefeito, em um local onde até então o Estado não entrava.

O coronel critica aqueles que dizem que o Exército é preparado somente para a guerra, usa armamento pesado e teria dificuldades em confrontos urbanos. "Em Porto Príncipe (capital haitiana), o Exército mostrou que pode se adaptar e está preparado para combater em cidades. As regras de engajamento são claras: só se atira quando a sua vida ou a de alguém está em perigo, e se exige proporcionalidade. Eu não vou atirar de fuzil em quem me atira pedra. E isso que a gente estava lá para impor a paz, tinha ação ativa, invadia o território do inimigo para expulsá-lo e para ganhar. Mas não era por isso que sairíamos matando. A população percebeu isso e passou a confiar na gente", explica. A maioria das operações ocorria durante a madrugada para evitar o que os militares chamam de "efeitos colaterais": inocentes mortos ou feridos.

Ordenamento jurídico

Ele pondera, contudo, que o ordenamento jurídico brasileiro não dá às Forças Armadas poder de polícia, podendo apenas atuar em ações de garantia da segurança quando o presidente da República determina. Uma lei complementar deu aos militares poder de polícia para atuar na fronteira. O mesmo poderia ser feito para a ação contra o crime organizado urbano. No Haiti, os militares possuem legalidade e liberdade para ação, sob um mandato do Conselho de Segurança da ONU que autoriza o "uso de todos os meios necessários" para vencer a criminalidade.

"Se o governo do Rio liderar um processo de integração, as Forças Armadas podem ser mais um vetor a mais nesse processo. Se não tiver poder de polícia para atuar, pode contribuir com logística, inteligência, planejamento e recursos humanos. A grande lição do Haiti é que não se faz nada sozinho. E a sociedade tem que estar a nosso favor. Não adianta o policial estar ali, arriscando sua vida, se no dia seguinte vai ser criticado e pode estar no banco dos réus. A gente mostrava para os haitianos que, apesar de nós estarmos carregando uma bandeira verde-amarela no braço, estávamos lutando pelo Haiti. Eles entenderam isso e estavam do nosso lado", diz Barroso Magno.

Táticas

Outra explicação para o sucesso do Brasil na pacificação das regiões mais violentas do Haiti é, segundo o coronel, a continuidade. Após entrar em uma região, os brasileiros ocupavam prédios altos que até então eram sede dos bandidos, transformando-os em "pontos-fortes", espécies de quartéis-generais que buscavam a permanência dentro do território do inimigo o aumento constante da área de influência.

Isso pode ser constatado na prática na favela Tavares Bastos, no zona sul da capital fluminense, considerada pelo governo do Estado como a única onde o tráfico não domina. De agosto a dezembro de 2000, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a tropa de elite da Polícia Militar, fez uma série de operações no morro, expulsando os criminosos e montando sua sede no topo do morro. Desde então, não saiu de lá. E o crime nunca mais voltou.

Outra tática utilizada no Haiti e que pode ser aplicada são as ações diversionárias: incursões coordenadas em vários locais ao mesmo tempo, iludindo os criminosos sobre a real intenção dos militares. "A gente tentava dar um drible, usava a ginga brasileira. Nunca fazia a mesma coisa, inovava sempre. Enquanto eles achavam que a gente queria algo e tentavam se defender, estávamos tomando um outro local. Quando os bandidos percebiam qual era realmente nossa intenção, já era tarde demais", lembra Barroso Magno.

Em prática no Rio

A estratégia foi colocada em prática na Mangueira quando o Exército subiu o morro, em maio de 2006, para recuperar as armas roubadas de um quartel no Rio: as tropas avançaram pela frente do morro até uma linha imaginária a partir da qual receberiam ataque dos criminosos. Enquanto os traficantes se mobilizavam para conter o avanço dos militares por um lado, soldados tomaram o morro do outro lado, pelas costas dos bandidos.

"Quando viram, a gente já estava lá encima, no topo da Mangueira, e eles não tinham saída. A área era nossa. A resistência que enfrentei na Mangueira foi muito menor do enfrentávamos no Haiti. Quando tomamos o topo, não havia outra solução. Se descêssemos, seria difícil subir novamente. Resolvemos então ficar para manter nossa presença, instalando pontos-fortes no morro", lembra o tenente-coronel André Novaes, que comandou as tropas do Exército no Haiti em 2005 e a ação militar nos morros cariocas.





Fonte: Estadão

Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/208079/visualizar/