Repórter News - reporternews.com.br
Meio Ambiente
Sexta - 17 de Agosto de 2007 às 14:12

    Imprimir


Duas das tribos indígenas mais importantes do sul do Brasil, os guaranis e os caingangues, parecem ter pelo menos uma coisa em comum com os demais brasileiros: seu DNA traz a marca da mistura de raças, mesmo que sua aparência física não revele isso à primeira vista. Um novo estudo mostra uma contribuição significativa de homens (e, em alguns casos, de mulheres) de origem européia e africana no material genético dos dois povos nativos.

O trabalho, publicado recentemente na revista científica "American Journal of Physical Anthropology", é uma tentativa de elucidar a história populacional das duas tribos, hoje muito aculturadas (ou seja, com modo de vida profundamente influenciado pelos não-indígenas), mas que historicamente foram importantes para as relações entre índios e não-índios na América do Sul.

Os parentes dos atuais guaranis que viviam em São Paulo e nos estados da região Sul alimentaram o mercado de escravos da era colonial e foram os principais elementos das missões fundadas pelos jesuítas. Já os caingangues, conhecidos como "guaianases" em território paulista, tiveram uma história de contatos mais arredios com os invasores europeus, sendo finalmente encurralados pela colonização nos estados sulinos ao longo do século 19.

Paternos

Na pesquisa, os geneticistas analisaram o DNA de 200 guaranis e 78 caingangues, moradores de aldeias no Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul. Em vez de estudar todo o genoma, o que seria um trabalho colossal, a equipe se concentrou em analisar os dois tipos de material genético mais relevantes para traçar a história populacional humana. São o mtDNA, ou DNA mitocondrial, e o cromossomo Y.

As vantagens da dupla são óbvias. O mtDNA, que está presente exclusivamente nas mitocôndrias (as usinas de energia das células), só é passado de mãe para filha ou filho, registrando, portanto, a linhagem materna da pessoa de forma inquebrantável ao longo das gerações. Já o cromossomo Y, a marca genética da masculinidade, só é transmitida de pai para filho homem. Variações pequenas nas "letras" químicas de DNA dos dois elementos costumam estar restritas a certas linhagens ou populações do mundo, o que ajuda a traçar a genealogia delas.

Em ambos os casos, os pesquisadores identificaram entre as tribos variantes que trazem justamente a assinatura de populações não-indígenas. Em relação ao cromossomo Y, em alguns casos não é possível precisar a origem geográfica, mas a população com menos contribuição paterna européia ou africana é a dos caigangues gáuchos, com 14% de cromossomos Y "estrangeiros". Esse número, porém, chega 42% entre os caingangues do Paraná. Uma das variantes do Y, de provável origem européia, está presente em todas as reservas indígenas estudadas.

Em princípio, esse é o padrão esperado: afinal, desde o Descobrimento, os relacionamentos foram quase sempre de homens brancos (ou de origem africana) com mulheres indígenas. No entato, Maria Cátira Bortolini, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que é uma das autoras do estudo, pede cautela.

"A gente pode estar pegando coisas mais recentes nessa análise. O problema é que fica difícil estimar a questão temporal", afirma ela. Bortolini lembra, por exemplo, que houve casos de prostituição esporádica envolvendo mulheres indígenas nas últimas décadas. Além disso, basta que um branco ou negro tenha tido filhos com uma índia no passado distante, e que a linhagem de filhos homens tenha se mantido de forma ininterrupta, para que o cromossomo Y dele tivesse chegado até nós. Sem esse dado, seus descendentes pareceriam totalmente indígenas.

Maternos

Um dado ainda mais interessante, levando em conta a assimetria geral nas relações sexuais entre índios e não-índios, é a presença de mtDNA não indígena em uma das tribos, a caingangue. Mais precisamente, são três pessoas com mtDNA de origem africana e uma com mtDNA típico de europeus. Ainda é difícil dizer como e quando mulheres de outras etnias foram incorporadas à tribo e deixaram nela sua marca genética.

"O professor [Francisco] Salzano [um dos co-autores do estudo] levantou alguns registros de pessoas não-indígenas de origem pobre que acabaram se casando com membros das tribos pela questão da falta de terra", já que a lei garante o direito de propriedade das áreas indígenas à tribo.

A equipe da pesquisa inclui pesquisadores da UFRGS, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da USP, do Instituto Multidisciplinar de Biologia Celular (La Plata, Argentina) e do University College de Londres.




Fonte: G1

Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/211256/visualizar/