Lula pode ser eleitor dele mesmo, diz Leôncio Martins
Sobre a hipótese eventual de um terceiro mandato para o presidente, o professor da USP e da Unicamp acredita que Lula hoje sonda o terreno com 'muito cuidado', mas pode trabalhar para ser o grande eleitor de si mesmo em 2010.
FOLHA - Como analisa o arco de alianças de Lula e a coalizão governista?
LEÔNCIO MARTINS - Entendo que se trata de um arco-íris com excesso de cores. Aparentemente, olhada do ângulo numérico, a extensão da base de sustentação no Legislativo ajuda a tramitação dos projetos do governo nesse órgão. Mas cria alguns problemas administrativos. Três deles parecem mais sérios. Com uma composição partidária que vai da ponta da direita até a ponta da esquerda, o governo perde identidade ideológica e fisionomia programática. Esse aspecto provavelmente não impressiona negativamente a maioria do eleitorado ... nem o próprio presidente. Afeta, porém, boa parte da opinião pública. Outro fator negativo vem da complicação do caleidoscópio da distribuição dos cargos, das disputas internas entre vaidades feridas e visões diferentes do que fazer em cada órgão do governo que se entrecruza com outros. A tendência é o aumento do descontentamento na base governamental e a inevitável elevação da rotatividade ministerial. Assim, o número excessivo de partidos no governo torna mais difícil a administração da máquina pública federal, ampliada desnecessariamente com a criação de novos órgãos destinados a acalmar a voracidade dos 'aliados'. De modo geral, quanto mais numerosos os partidos no governo, mais complicada a tarefa de administrar a pesada burocracia brasileira.
FOLHA - Lula detém hoje poderes imperiais? Está à vontade no poder?
LEÔNCIO - Pela imagem transmitida, está mais à vontade do que nunca. O aspecto feliz, o ar de superioridade paternal vem não de resultados administrativos, mas dos índices de avaliação de sua pessoa na maioria do eleitorado. Mas não diria que o presidente dispõe hoje de poderes imperiais, se isso significa governar ao largo dos dispositivos constitucionais. Não vejo aqui nada de excepcional. Entre nós (e em muitos outros países vizinhos), o Executivo sempre dispôs de muitos poderes para enquadrar o Legislativo, a começar pelas medidas provisórias.
FOLHA - A CPI do Apagão pode abalar a governabilidade? Há termos de comparação com a crise do mensalão?
LEÔNCIO - Enquanto os índices de popularidade presidencial estiverem elevados, dificilmente os resultados de qualquer CPI poderão afetar negativamente a popularidade de Lula. Hoje, em razão mesmo de sua popularidade, o presidente encontra mais apoio na classe política e também nos setores empresariais, a começar pelos usineiros. Qualquer que seja o escândalo que pule da CPI, é difícil que afete o prestígio do presidente. Lula fez o milagre de ter o apoio das cúpulas empresariais e das camadas populares. Nisso, não se afasta do figurino de outros chefes populistas, como Getúlio, Adhemar, Jango. Uma diferença que separa o ex-metalúrgico dos políticos que mencionei vem do fato de que o ex-metalúrgico veio de baixo enquanto os outros já nasceram nas classes dominantes e ricas. Note-se, contudo, que esse não era o caso de Jânio, professor de classe média que começou como vereador.
FOLHA - O que se passa na oposição, em particular com os tucanos?
LEÔNCIO - Depois de ver que os casos de corrupção revelados não renderam dividendos políticos, isto é, que o eleitorado e a maioria da classe política deram pouca importância para o caso, o PSDB e também o ex-PFL [hoje DEM] parecem ter ficado perdidos. Ocorre que a bandeira da ética parece não mobilizar a maior parte do eleitorado brasileiro (e da América Latina). O pensamento de esquerda conseguiu fazer com que 'moralismo' seja coisa de rico, de 'reacionário', de 'udenista'. O povão, na verdade, não percebe como o atraso, a pobreza, o subdesenvolvimento, a violência, o autoritarismo e outras pragas têm relação com índices elevados de corrupção. Nesse contexto, a única saída para a oposição, nessa época de massificação das disputas políticas, é mostrar que se pode alcançar uma política séria de crescimento e distribuição de renda sem jogar fora a bandeira ética.
FOLHA - Qual o jogo de Serra e Aécio? FHC ficou rendido, sem interlocutores no partido?
LEÔNCIO - Não saberia dizer, mas um ponto não pode ser deixado de lado. Serra e Aécio têm responsabilidades governamentais. Não podem deixar de ter boas relações com o governo federal. Já FHC não tem as mesmas responsabilidades. Pode falar mais livremente. Mas tem menos poder de fogo. De todo jeito, os cenários para 2010 estão apenas sendo preparados.
FOLHA - Qual o futuro do PSDB?
LEÔNCIO - Qualquer prognóstico dependeria do quadro político nacional e da conduta do próprio partido, basicamente de sua disposição de permanecer na oposição por certo tempo. Mas o dilema vem do fato de que esse partido, se conservar o seu eleitorado e suas fontes de apoio na sociedade, tem chances de ganhar a Presidência. Logo, como todo partido (ou político) que sente suas chances de vitória aumentar, tem que ser menos ideológico e mais pragmático.
FOLHA - Devemos considerar seriamente a hipótese de um terceiro mandato de Lula, mesmo com todas as ressalvas?
LEÔNCIO - Creio que sim, embora sempre se possa pensar que, se não aventarmos essa possibilidade, Lula e os petistas irão esquecer que ela existe. É claro que pressões por um terceiro mandato só serão significativas se, ao final de seu mandato, Lula estiver muito bem cotado e o PT e, talvez, seus aliados não tenham um candidato competitivo. Acredito que, nesse momento, Lula e outros chefões políticos sondam o terreno com muito cuidado. Mas quem acompanhar com alguma atenção e pouca ingenuidade a atuação presidencial verá que ela está orientada, por um lado, para elevar ainda mais a popularidade de Lula com programas sociais de todo tipo; por outro lado, no plano partidário, Lula arma um leque de apoio mais do que suficiente para ter suas propostas aprovadas e alterar a Constituição. A esses dois aspectos, devemos acrescentar as sugestões que pulam aqui ou acolá de valorização da democracia direta, a proposta de criação de rede estatal de TV, distribuição de afagos a prefeitos, de empréstimos a aposentados e muitas outras sobre as quais faltaria espaço tentar enumerá-las. Que, qualquer que seja o que vem pela frente, Lula empenha-se para ser o Grande Eleitor de 2008 e 2010 poucos observadores têm dúvida. A questão é: Grande Eleitor de quem?
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