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Sábado - 17 de Março de 2007 às 16:19

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Bonita, rica, universitária e assaltante. O caso de Ana Paula Jorge Sousa, de 21 anos, presa por roubo a residências e casas lotéricas em Campinas, a 95 km de São Paulo, deixou uma dúvida na cabeça da maioria dos brasileiros. Por que jovens com boa vida, ricos e estudados entram no mundo do crime?

Para os especialistas, a certeza da impunidade, o envolvimento com drogas, a falta de empregos - que também atinge a classe média -, e a ausência da estrutura familiar são os principais motivos para que jovens como Ana Paula decidam cometer roubos e outras contravenções, como o tráfico de entorpecentes.

“De uns anos para cá, os presídios no Brasil vêm passando por uma modificação do tipo de presos. Antes, havia um determinado segmento da população que era normalmente detido. Hoje, nós vemos grande volume de jovens de classe média nos presídios”, defende o delegado geral da Polícia Civil de São Paulo, Mário Jordão Toledo Leme.

As autoridades não têm dados atualizados sobre esse crescimento – o último censo penitenciário foi feito em 2003. Apesar disso, Jordão acredita que não é leviano afirmar que houve o aumento dos casos. E o motivo, segundo ele, está dentro de casa. “As famílias deixaram de educar. Não em termos materiais, mas em termos estruturais, psicológicos. E isso gera na sociedade brasileira uma violência urbana alta”, disse.

O psicanalista e professor doutor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Cesar Endo acredita que a certeza da impunidade é outro fator importante. “A porcentagem de crimes esclarecidos em todos os níveis no Brasil é baixíssima comparada a outros países do mundo. Isso cria uma cultura de que não é só possível, como está se tornando desejável tirar vantagem”, acredita.

Endo defende também que o caminho da contravenção aparece como possibilidade quando os jovens de classe média, apesar de sustentados pelos pais, enfrentam dificuldades no mercado de trabalho. “Eles (jovens) não conseguem trabalhar. Moram com os pais, ganham mesada, mas não tem emprego. A contravenção aparece como possibilidade de uma relativa autonomia”, diz.

Ausência de responsabilidade

A estudante Ana Paula jogou a responsabilidade de seus atos no relacionamento com o namorado, Raoni Renzo Miranda, de 18 anos, que pertencia à quadrilha de assaltantes. Apesar de apenas dois meses de namoro, ela afirma que fez isso para salvá-lo. "Eu me apaixonei por uma pessoa e acabei seguindo alguns passos dele porque não queria perdê-lo de vista", afirmou Ana Paula.

A atitude da estudante é comum na elite brasileira, de acordo com o psicanalista da USP. “É como se, moralmente, você pudesse atribuir a culpa ao outro. Isso é uma característica da elite brasileira. Sempre a culpa é do outro”, disse.

Jordão defende que as classes média e alta também têm parcela de culpa pelo aumento da criminalidade. “Esse mesmo segmento da sociedade que critica e pede ações enérgicas é o segmento que usa drogas, que compra drogas e fomenta o tráfico e o armamento dentro do Brasil”, afirma.

O professor também lembra que os crimes cometidos pela classe média não são novidade. “O crime e a violência das camadas médias sempre existiram”, diz. Ele lembrou o caso do índio pataxó Galdino de Jesus, que morreu com o corpo queimado em 1997 enquanto dormia em um ponto de ônibus de Brasília.

Os quatro acusados do crime são jovens moradores de bairros nobres da capital, que disseram acreditar que o índio era um mendigo. “Isso é perigoso porque estes jovens acreditam que, a partir de uma determinada fronteira, essas pessoas podem ser eliminadas, podem ser objetos de sua instabilidade emocional”, afirma Endo.

Outro caso conhecido que envolve um jovem de classe média é o de Pedro Machado Lomba Neto, de 23 anos, o “Pedro Dom”. Ele ficou conhecido com um dos maiores assaltantes de condomínios de luxo do Rio de Janeiro. O jovem de uma família de classe média e filho de um policial civil foi morto na madrugada de 15 de setembro de 2005, após perseguição policial, horas depois de ter assaltado um apartamento na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.

Envolvimento com drogas

Policiais apontam a droga como a maior causa de envolvimento de jovens abastados com o crime. Foi o caso de Pedro Dom, que começou a usar cocaína aos 11 anos. O caminho é quase sempre o mesmo: a pessoa começa como usuária, inicia a venda de pequenas porções para alimentar o vício e percebe que pode ter uma vida de luxo com o comércio de entorpecentes. Acaba traficante drogas.

Um dos casos lembrados por policiais do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) é o de Jaime Alves, hoje com 36 anos, que pertencia a uma família tradicional de São Paulo. Viciado, ele começou a usar a casa de quatro quartos que ganhou da mãe na Vila Mariana, na Zona Sul, para traficar drogas. Foi condenado a 4 anos e 2 meses de prisão.

Ao ver que a droga pode render dinheiro fácil, muitas pessoas se aproximam do crime. É o caso, segundo a polícia, do advogado Gustavo Silva Baccro, hoje com 30 anos, e preso em 2004 por tráfico de drogas sintéticas. Morador de um condomínio de classe média na Zona Oeste de São Paulo, ele iniciou a carreira defendendo pequenos traficantes de ecstasy, todos freqüentadores das melhores casas noturnas de São Paulo.

Baccro deixou a advocacia, de acordo com a polícia, para se dedicar ao tráfico e à organização de raves. Acabou preso e condenado a oito anos e quatro meses de prisão. O advogado costumava atrair jovens por meio de programas de conversa instantânea na internet.

A desconfiança do pai ajudou a polícia a provar o envolvimento de Baccro com o tráfico. Ele instalou um programa que arquivava as mensagens trocadas pelo advogado com os compradores. Ficou surpreso, assim como a maioria dos pais, com o envolvimento do filho com o crime.

O diretor do Denarc, Everardo Tanganelli Júnior, acredita que a droga é o grande mal a ser combatido pelas famílias. “É como câncer: quando você pega no início, consegue controlar e ter uma sobrevida. O difícil é quando você pega em estado avançado”, diz.





Fonte: G1

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