OMC obriga País a aceitar importação de pneus usados da UE
Depois de vencer vários contenciosos comerciais importantes nos últimos anos, agora será a vez de o Brasil ter de modificar suas leis diante do resultado do tribunal internacional. Brasília, porém, deverá recorrer da decisão e levar o caso ao órgão de apelação da OMC, o que adiará uma decisão final por meses.
A disputa foi aberta em 2005 por causa de uma lei brasileira de 2000 que estabelecia que produtos usados não podem ser importados. Pela norma, portanto, os pneus usados estariam impedidos de ser vendidos por outros países ao mercado nacional.
Antes da lei que barrava o produto, a Europa era responsável por 95% das importações do País. No total, os europeus vendiam 7,8 mil toneladas de pneus usados ao Brasil, ocupando 25% do mercado.
Ainda assim, cerca de 8 milhões de unidades de carcaças conseguiram entrar no mercado nacional em 2005 graças a ações judiciais de importadores - o que agora não será mais necessário.
O principal argumento europeu era de que o Brasil proibia de forma discriminatória a importação de pneus usados. Isso porque os países do Mercosul, principalmente o Uruguai, podem exportar produtos similares ao Brasil. De fato, os uruguaios só passaram a exportar para o mercado nacional depois que também venceram uma disputa no órgão de arbitragem do Mercosul.
Segundo o laudo da entidade, que é mantido em sigilo e entregue apenas aos governos em disputa, o Brasil praticava atos discriminatórios no comércio e precisa agora tratar de forma igual seus parceiros comerciais. Na prática, o País não poderia autorizar a importação apenas do Mercosul e impedir o comércio com a Europa.
Um dos argumentos brasileiros é de que a barreira tem razões ambientais, já que esse tipo de produto significaria um risco. Mas os europeus argumentam que se esse fosse o motivo real da barreira, toda a venda de pneus desse tipo teria de ser proibida.
Depósito de lixo
Já sabendo da dificuldade em defender a lei nos tribunais da OMC, o Itamaraty chegou a apresentar uma proposta ao governo que poderia evitar a derrota. A sugestão era autorizar a importação do produto europeu, mas elevar as tarifas a um nível que, na prática, impossibilitaria o comércio. Essa, por exemplo, é a prática adotada pelos Estados Unidos.
A proposta, porém, não teria sido aceita pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que na reunião pediu que os aspectos ambientais fossem levados em conta. Marina Silva chegou a ir à OMC e acusou a Europa de estar despejando lixo no País, inclusive com risco para a saúde. Para o Ministério do Meio Ambiente (MMA), um dos problemas é que o País não tem a capacidade de reciclar a quantidade que seria vendida pelos europeus.
Segundo o MMA, o Brasil pode ser obrigado a absorver 80 milhões de pneus por ano caso a decisão da OMC permaneça.
Em Bruxelas, na Bélgica, os produtores europeus comemoram o resultado do laudo da OMC. “Esses produtos não são lixo. São produtos legítimos e reciclados”, afirmou um representante da Associação de Produtores de Pneus Recauchutados da Europa. Segundo a entidade, cerca de seis empresas vão poder voltar a exportar com segurança para o Brasil. Os maiores interessados são os ingleses, espanhóis, portugueses e italianos.
O representante afirmou que algumas empresas na Europa faliram por causa da proibição brasileira.
Os produtores europeus ainda comemoram o fato de que a decisão da OMC poderá ser um precedente positivo para que o setor consiga derrubar outras barreiras pelo mundo. Hoje, cerca de 20 países contam com embargos aos pneus usados, entre eles Costa Rica, Venezuela, Argentina, Paraguai, Nigéria, Egito, Israel, Líbano e Argélia.
Interpretação diferente
O diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo, afirmou ontem de forma categórica que não há nada no relatório da OMC que obrigue o Brasil a iniciar a importação de pneus usados, como reivindica a UE.
Sob a justificativa de que o documento é confidencial, Azevedo não deu detalhes sobre a decisão. Afirmou apenas que a argumentação brasileira de que a importação de pneus usados traria riscos sanitários e ambientais foi em parte acatada pelos avaliadores do painel, o que, em sua interpretação, é o dado mais importante da disputa.
Ao aceitar argumentos brasileiros, a OMC estaria abrindo um caminho para eventuais “ajustes”, que continuariam a garantir ao País o direito de vetar a compra de pneus usados.
O ministro também deixou claro que este foi apenas o primeiro capítulo da disputa. “O contencioso não acabou”, afirmou. Mas Azevedo não quis nem mesmo definir se o Brasil saiu ou não vencedor deste primeiro round. “Não saberia dizer se vai ou não vai apelar da decisão. Normalmente não é o perdedor que apela?”
Prejuízos
Para o diretor-geral da Associação Nacional da Indústria dos Pneumáticos (Anip), Vilien Soares, a decisão é danosa ao Brasil “porque tira mercado dos pneus nacionais, porque o pneu reformado tem metade da vida útil de um novo e porque o País já tem dificuldades para a correta destinação do que é produzido aqui”.
A Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip) também não ficou satisfeita com a decisão da OMC, que em sua avaliação atinge em cheio as empresas brasileiras que trabalham na remoldagem de pneus. Tais fábricas, por força de liminares obtidas na Justiça, conseguem importar da Europa pneus de segunda mão para recondicioná-los no Brasil.
Se for mantida em última instância, a decisão da OMC faria o País importar os pneus europeus já remoldados. “Será uma situação esdrúxula: o Brasil estará obrigado a comprar do exterior pneus remoldados, mas nossas fábricas estarão proibidas de importar os pneus usados que servem de matéria-prima para a remoldagem”, disse Francisco Simeão, presidente da maior produtora de remoldados do Brasil, a BS Colway, e dirigente da Abip.
De acordo com Simeão, o Brasil perdeu o embate na OMC por ter baseado sua estratégia num argumento falso: o de que o pneu remoldado, por durar menos, representa uma ameaça ambiental maior do que o pneu novo. “O pneu remoldado tem a mesma durabilidade do novo”, afirmou Simeão.
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