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Diretor do Geenpeace vê risco de 'perder o planeta'
Sem mudanças rápidas e profundas na produção e no consumo de energia, a humanidade corre o risco de "perder o planeta". O alerta, feito em tom de lamento, é do diretor de campanhas do Greenpeace no Brasil, Marcelo Furtado. Diante dos sinais cada vez mais evidentes de que se aproxima uma crise climática de grandes proporções, a entidade busca fazer a sua parte, apontando alternativas para evitar o pior. E assegura: é possível cortar as emissões de gás carbônico pela metade, até 2050, sem paralisar a economia mundial.
A mudança de rumo, afirmam os ambientalistas, exige investimentos, pesquisas e, como primeiro passo, vontade política. Para Furtado, países europeus como Alemanha, Dinamarca e Espanha mostram o caminho a seguir. A inação pode levar o planeta a enfrentar uma elevação média de temperatura de 3ºC - o sufiente, por exemplo, para transformar a floresta amazônica em cerrado. Leia a seguir trechos de entrevista:
Terra Magazine - O Greenpeace afirma que a implantação de uma revolução energética nos próximos anos depende, principalmente, de vontade política. A entidade identifica essa vontade política, hoje, em que países? Marcelo Furtado - A revolução depende de um tripé, que, no caso europeu, está plenamente estabelecido: vontade política, iniciativa privada querendo investir e consumidores cientes dos benefícios que terão. No Brasil temos uma vontade política muito baixa, uma iniciativa privada tímida e o consumidor muito desinformado sobre a relação entre energia e aquecimento global. Na China e na Índia há avanços. Na Europa, os líderes na revolução energética são países como Dinamarca, Alemanha, Espanha - esse último apareceu na lista mais recentemente e está assumindo uma fatia de mercado muito significativa. Há também algumas iniciativas individuais: se os Estados Unidos são exemplo da irresponsabilidade climática, a Califórnia assumiu metas estaduais de redução de emissões e está investindo forte no desenvolvimento de tecnologias.
Como vencer os lobbies contrários? A gente acha que deve haver uma resposta importante ao IPCC (NR: organismo ligado à ONU, da qual fazem parte mais de 1.000 estudiosos do clima), que diz agora que poderá haver um aumento de 3ºC na temperatura média do planeta neste século. As ONGs lutam para que a temperatura média global não suba mais de 2ºC. Uma elevação global de 3ºC significa, no Brasil, uma Amazônia esquentando de 4ºC a 5ºC. Isso provocaria a savanização da Amazônia, uma floresta tropical viraria cerrado. E isso significa que todo o regime de chuvas da região centro-sul fica comprometido. E isso, por sua vez, afetaria nossa produção de biomassa. Nossas projeções de revolução energética levam em conta uma produção de biomassa com a qual não poderíamos mais contar. Não podemos perder a Amazônia. É um regulador climático nosso e do mundo.
A atual geração de políticos e tomadores de decisão pode acabar no banco dos réus no futuro? Se seguirmos o padrão de produção e consumo previsto pela Agência Internacional de Energia, não conseguiremos vencer a luta ciontra o aquecimento global e vamos perder esse planeta. O cenário "business as usual" (NR: que mantém as atuais tendências, sem mudanças no padrão energético) nos leva a bater contra um muro. Não podemos ir por esse caminho.
Como vocês avaliam o programa do governo brasileiro que incentiva as energias alternativas, o Proinfa?
É um primeiro passo, mas muito tímido, porque ele não conseguiu formar o 'x' da questão, um mercado. Se conseguirmos criar um mercado, a própria iniciativa privada e os consumidores tratam de desenvolver isso depois. Historicamente, porém, é preciso que o começo venha de uma política pública que assegure a compra da energia, pois isso dá segurança ao investidor.
O sistema elétrico brasileiro hoje se concentra muito na exploração do potencial hídrico. Estamos perto do limite desse tipo de exploração? Existe uma capacidade limite teórica, que é muito alta, mas na prática está regulada pelos regimes de chuva e aproveitamento de rios. Esse é um setor que ainda poderá crescer por algumas décadas, mas crescer de um jeito diferente. Não mais com aqueles megaprojetos, com grandes reservatórios, mas com pequenas centrais elétricas, inclusive com turbinas que aproveitam o próprio fluxo do rio, não precisam de reservatórios ou estrangulamentos.
E as demais necessidades de energia, além da elétrica? Falemos um pouco de transportes. Se quisermos reduzir mesmo as emissões de gás carbônico em 50%, como nos propomos, a solução é reduzir o número de veículos individuais. Se cada chinês tiver um automóvel, não vamos cumprir essa meta. É preciso investir em transporte de massa de qualidade e em uma revolução na própria frota de automóveis, com motores mais eficientes. Esses grandes veículos utilitários, que viraram moda nos Estados Unidos e aqui, não cabem nessa nova realidade.
Em termos de custos e capacidade de produção, quais são as alternativas à construção de novas usinas nucleares? Em primeiro lugar, é preciso destacar que a energia nuclear não é neutra em termos de carbono. A mineração de urânio e o enriquecimento geram carbono. Em segundo lugar, os custos verdadeiros da energia nuclear não são externalizados. Não são computados, por exemplo, os custos do seguro de uma usina nuclear, que é altíssimo, os custos da manutenção dos resíduos nucleares etc. Com o petróleo caro e os custos da energia nuclear externalizados, os custos das energias renováveis ficam competitivos. É fundamental retirar os subsídios das fontes sujas para que as pessoas saibam o verdadeiro custo da energia.
No Brasil, pela projeção do Greenpeace, a energia eólica pode chegar a 22% do total até 2050. Dada a falta de investimentos no país, não existe aí uma disparidade muito grande entre a projeção e a realidade? O nosso cenário é o mais otimista. A primeira pergunta é: existe capacidade de geração desse tamanho? Sim. Mas está concentrada onde? No Nordeste - Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte. O problema é que não existe uma integração boa desses Estados com a rede, não há muitas linhas de transmissão para o resto do país. Nas nossas projeções, introduzimos o custo da ligação desses Estados à rede para poder viabilizar a produção de energia eólica. Uma vez que tenhamos essa conexão, teremos capacidade de produção.
A mudança de rumo, afirmam os ambientalistas, exige investimentos, pesquisas e, como primeiro passo, vontade política. Para Furtado, países europeus como Alemanha, Dinamarca e Espanha mostram o caminho a seguir. A inação pode levar o planeta a enfrentar uma elevação média de temperatura de 3ºC - o sufiente, por exemplo, para transformar a floresta amazônica em cerrado. Leia a seguir trechos de entrevista:
Terra Magazine - O Greenpeace afirma que a implantação de uma revolução energética nos próximos anos depende, principalmente, de vontade política. A entidade identifica essa vontade política, hoje, em que países? Marcelo Furtado - A revolução depende de um tripé, que, no caso europeu, está plenamente estabelecido: vontade política, iniciativa privada querendo investir e consumidores cientes dos benefícios que terão. No Brasil temos uma vontade política muito baixa, uma iniciativa privada tímida e o consumidor muito desinformado sobre a relação entre energia e aquecimento global. Na China e na Índia há avanços. Na Europa, os líderes na revolução energética são países como Dinamarca, Alemanha, Espanha - esse último apareceu na lista mais recentemente e está assumindo uma fatia de mercado muito significativa. Há também algumas iniciativas individuais: se os Estados Unidos são exemplo da irresponsabilidade climática, a Califórnia assumiu metas estaduais de redução de emissões e está investindo forte no desenvolvimento de tecnologias.
Como vencer os lobbies contrários? A gente acha que deve haver uma resposta importante ao IPCC (NR: organismo ligado à ONU, da qual fazem parte mais de 1.000 estudiosos do clima), que diz agora que poderá haver um aumento de 3ºC na temperatura média do planeta neste século. As ONGs lutam para que a temperatura média global não suba mais de 2ºC. Uma elevação global de 3ºC significa, no Brasil, uma Amazônia esquentando de 4ºC a 5ºC. Isso provocaria a savanização da Amazônia, uma floresta tropical viraria cerrado. E isso significa que todo o regime de chuvas da região centro-sul fica comprometido. E isso, por sua vez, afetaria nossa produção de biomassa. Nossas projeções de revolução energética levam em conta uma produção de biomassa com a qual não poderíamos mais contar. Não podemos perder a Amazônia. É um regulador climático nosso e do mundo.
A atual geração de políticos e tomadores de decisão pode acabar no banco dos réus no futuro? Se seguirmos o padrão de produção e consumo previsto pela Agência Internacional de Energia, não conseguiremos vencer a luta ciontra o aquecimento global e vamos perder esse planeta. O cenário "business as usual" (NR: que mantém as atuais tendências, sem mudanças no padrão energético) nos leva a bater contra um muro. Não podemos ir por esse caminho.
Como vocês avaliam o programa do governo brasileiro que incentiva as energias alternativas, o Proinfa?
É um primeiro passo, mas muito tímido, porque ele não conseguiu formar o 'x' da questão, um mercado. Se conseguirmos criar um mercado, a própria iniciativa privada e os consumidores tratam de desenvolver isso depois. Historicamente, porém, é preciso que o começo venha de uma política pública que assegure a compra da energia, pois isso dá segurança ao investidor.
O sistema elétrico brasileiro hoje se concentra muito na exploração do potencial hídrico. Estamos perto do limite desse tipo de exploração? Existe uma capacidade limite teórica, que é muito alta, mas na prática está regulada pelos regimes de chuva e aproveitamento de rios. Esse é um setor que ainda poderá crescer por algumas décadas, mas crescer de um jeito diferente. Não mais com aqueles megaprojetos, com grandes reservatórios, mas com pequenas centrais elétricas, inclusive com turbinas que aproveitam o próprio fluxo do rio, não precisam de reservatórios ou estrangulamentos.
E as demais necessidades de energia, além da elétrica? Falemos um pouco de transportes. Se quisermos reduzir mesmo as emissões de gás carbônico em 50%, como nos propomos, a solução é reduzir o número de veículos individuais. Se cada chinês tiver um automóvel, não vamos cumprir essa meta. É preciso investir em transporte de massa de qualidade e em uma revolução na própria frota de automóveis, com motores mais eficientes. Esses grandes veículos utilitários, que viraram moda nos Estados Unidos e aqui, não cabem nessa nova realidade.
Em termos de custos e capacidade de produção, quais são as alternativas à construção de novas usinas nucleares? Em primeiro lugar, é preciso destacar que a energia nuclear não é neutra em termos de carbono. A mineração de urânio e o enriquecimento geram carbono. Em segundo lugar, os custos verdadeiros da energia nuclear não são externalizados. Não são computados, por exemplo, os custos do seguro de uma usina nuclear, que é altíssimo, os custos da manutenção dos resíduos nucleares etc. Com o petróleo caro e os custos da energia nuclear externalizados, os custos das energias renováveis ficam competitivos. É fundamental retirar os subsídios das fontes sujas para que as pessoas saibam o verdadeiro custo da energia.
No Brasil, pela projeção do Greenpeace, a energia eólica pode chegar a 22% do total até 2050. Dada a falta de investimentos no país, não existe aí uma disparidade muito grande entre a projeção e a realidade? O nosso cenário é o mais otimista. A primeira pergunta é: existe capacidade de geração desse tamanho? Sim. Mas está concentrada onde? No Nordeste - Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte. O problema é que não existe uma integração boa desses Estados com a rede, não há muitas linhas de transmissão para o resto do país. Nas nossas projeções, introduzimos o custo da ligação desses Estados à rede para poder viabilizar a produção de energia eólica. Uma vez que tenhamos essa conexão, teremos capacidade de produção.
Fonte:
Terra Magazine
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/245421/visualizar/
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