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Nacional
Sexta - 26 de Janeiro de 2007 às 09:23

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A chacina de três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ocorrida em janeiro de 2004, é um dos capítulos mais violentos da história recente do Noroeste de Minas Gerais. Ao verificar as condições a que estavam submetidos os peões nas lavouras da região, e aplicar multas aos fazendeiros que não respeitavam a legislação e exploravam seus funcionários, os fiscais entraram em rota de colisão com os expoentes do agronegócio local.

Naquela parte do estado, o cultivo de soja, milho e feijão em larga escala representa a principal fonte de renda dos municípios. "Agora também está entrando o algodão. Já existe até uma pequena fábrica de tecido aqui em Unaí", afirma o vereador Euler Lacerda Braga (PTB). E a sanha dos empresários do meio rural não pára por aí. Duas destilarias de álcool encontram-se em construção na cidade. Em poucos anos, deve começar a moagem de cana-de-açúcar para alimentar as usinas.

Mas nem sempre foi assim. "A história do latifúndio em Unaí se inicia com a concentração de terra para gado, e a expulsão de posseiros que viviam do extrativismo do cerrado", explica Marcilene Ferreira, da Comissão Pastoral da Terra. Há 30 anos, a agricultura de subsistência e a pecuária encabeçavam a lista das principais atividades econômicas. Entretanto, o terreno plano a perder de vista, característico daquela região de Minas Gerais, e incentivos concedidos pelo governo federal, interessado em levar o "progresso" para aquelas bandas, atraiu muitos produtores do Sul do país durante a década de 80. Com eles, teve início o cultivo de grãos no Noroeste do estado, sacrificando ainda mais a vegetação nativa.

Hoje, em Unaí, predominam as grandes e médias propriedades. De acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), as fazendas com mais de mil hectares, que representam 2,5% do total de imóveis rurais, abocanham um terço da área do município - o segundo maior de Minas Gerais. Por outro lado, os agricultores familiares que sobrevivem em minifúndios com dimensões de até 65 hectares, e que respondem por mais da metade do número de propriedades, ocupam somente 8,7% das terras.

Apontado pelas investigações como um dos mandantes da chacina, Antério Mânica, eleito prefeito de Unaí com quase três quartos dos votos válidos na última eleição, é um dos que apostou as fichas nas áreas de cerrado e se deu bem. Ele e seu irmão Norberto, também acusado de arquitetar a morte dos fiscais, figuram entre os maiores produtores de feijão do mundo. "O prefeito é um grande defensor da classe", afirma Irmo Casavechia, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Unaí, do qual os Mânica também são sócios.

Problemas trabalhistas

No Noroeste de Minas Gerais, o processo de mecanização nas lavouras de soja e milho já se encontra bastante avançado. Por essa razão, é nas plantações de feijão que se verifica a utilização mais intensiva de mão-de-obra. Ninguém ganha menos de um salário mínimo, mas os rendimentos variam de acordo com a produtividade. Isso quer dizer que, quanto mais feijão retirado, mais dinheiro no bolso.

Por causa desse sistema de remuneração, durante a colheita, que ocorre principalmente nos três primeiros meses do ano, os peões se desdobram a fim de arrumar dinheiro suficiente para atravessar a entressafra. Mas o serviço pesado, aliado à necessidade de conseguir o máximo possível no período de lida, ataca a saúde dos trabalhadores. Problemas de coluna e deficiências respiratórias são as queixas mais comuns. "É muito esforço físico em pouco tempo", define Arenildo Pereira, que há mais de 20 anos atua na "arranca" de feijão.

Em média, os fazendeiros pagam apenas R$ 15,00 pela colheita de uma "tarefa" - área de 1.375 metros quadrados de plantação. Aumentar esse valor é uma das principais bandeiras do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) da cidade, ao qual Arenildo é filiado. O presidente da entidade, Manuel José Faria, alerta ainda para outra luta importante: combater a contratação de peões por meio de aliciadores de mão-de-obra, os chamados "gatos", a fim de burlar a legislação trabalhista.

"Há fazendeiros que preferem se arriscar e não assinar a carteira de trabalho porque acham que a probabilidade de serem pegos é pequena", afirma. Depois da chacina de 2004, o número de operações do MTE diminuiu consideravelmente, reclama Faria. Naquele ano, só seis foram realizadas na região. A própria chefe da seção de fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais (DRT-MG), Doralice Lisboa, reconhece a queda no ritmo. "Os fiscais temem a violência, e passaram a cobrar mais estrutura para ir a campo", diz. Em 2005 e 2006, no entanto, as inspeções voltaram a acontecer com mais freqüência. Cerca de 700 trabalhadores rurais foram registrados nesse período, na região de Unaí. Hoje, todas as equipes de fiscalização são acompanhadas pela Polícia Federal.

Na opinião do representante dos produtores, a ação dos fiscais do MTE é rigorosa demais. "Aqui é uma região de fronteira agrícola, não há como seguir todas as normas trabalhistas. Uma fazenda precisa de tempo para ser implantada porque o lucro na agricultura é muito pequeno", argumenta Casavechia. Para ele, muitos empresários rurais não podem arcar com os encargos trabalhistas, já que os direitos garantidos por lei aos empregados comprometeriam a situação financeira do próprio empreendimento. "Não é possível montar uma fazenda modelo do dia para a noite", completa. Porém, vale lembrar que mesmo alguns campeões do agronegócio, como o próprio prefeito de Unaí, já foram autuados pelo MTE. De 1995 até 2004, ano da chacina, fiscais lavraram 30 autos de infração em diversas propriedades pertencentes a Antério Mânica, devido a irregularidades trabalhistas.

Como resposta às fiscalizações do MTE, os produtores de feijão vêm seguindo a mesma trilha da soja e do milho, apostando na mecanização, medida que vem gerando um desemprego massivo e tirando o sono dos trabalhadores. "Muitos deles só sabem arrancar feijão, fizeram isso a vida toda", explica Faria. "Essa é a tendência para se fazer agricultura de larga escala. Além disso, é melhor comprar máquina do que sofrer penalidade", argumenta Casavechia.

Conflitos no campo "O agronegócio acentuou os conflitos agrários no Noroeste do estado", analisa Luís Carlos Martins Costas, promotor de Justiça de Conflitos Agrários do Ministério Público Estadual (MPE) de Minas Gerais. De acordo com o órgão, existem 74 pedidos de reintegração de posse tramitando na Justiça, feitos por fazendeiros que tiveram suas propriedades ocupadas por movimentos sociais, em três municípios expressivos daquela região: Unaí, Arinos e Buritis. Esse último ficou famoso no ano de 2002, quando militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entraram na fazenda que pertencia aos filhos do então presidente Fernando Henrique Cardoso, reivindicando o aceleramento do processo de reforma agrária no país.

Em Unaí, especificamente, os pedidos de reintegração de posse perfazem um total de 26. De acordo com os sindicatos patronais e de trabalhadores rurais, existem dois acampamentos de movimentos de luta pela terra na cidade. Por sua vez, o número de assentamentos chega a 22, onde vivem cerca de 1.346 famílias.

O agronegócio pressiona o cerrado, que caracteriza a região central do Brasil. "Ainda existem ainda 90 milhões de hectares a serem abertos", avisa Casavechia. A produção de grãos em larga escala, altamente mecanizada e geradora de poucos empregos, avança em direção ao Sul do Maranhão, ao Leste do Tocantins e ao Oeste baiano. Mas fica o alerta: "o atual modelo do agronegócio não provocou apenas a exclusão social, mas alterações significativas em alguns biomas", critica Martins.





Fonte: Repórter Brasil

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