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Cultura
Terça - 31 de Outubro de 2006 às 01:46
Por: Adrianne Brandy

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As bruxas não são brasileiras, mas invadiram o país e conquistaram um dia em nosso calendário. Todo ano milhares de pessoas se divertem em festas dedicadas à lenda estrangeira, adotada e difundida por escolas de idiomas. Entretanto, desde 2003, a entrada de uma figura brasileira está ameaçando a exclusividade da data. A Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci) quer comemorar o Dia do Saci e seus amigos no mesmo dia em que o Halloween é realizado, 31 de outubro.

Por causa disso já existe até um site sobre a organização e também dois projetos de lei apresentados pelos deputados federais Aldo Rebelo (PCdoB/SP) e Ângela Guadagnin (PT/SP) a favor da idéia.

O mito, marcado pela mistura de raças, é o melhor representante da cultura popular brasileira. A princípio um duende endemoninhado idealizado por indígenas brasileiros, das raízes africanas o saci herdou o pito e da mitologia européia ganhou o gorrinho vermelho. Em algumas regiões é conhecido como Romão ou Romãozinho. O perneta é esperto, sabe preparar qualquer remédio fitoterápico e não sacrifica morcegos ou sapos, ao contrário do que costumam fazer as bruxas em suas poções.

Contudo, três entre quatro crianças preferem participar do Dia das Bruxas. Apesar de conhecerem a estória do Saci, no imaginário infantil essas feiticeiras parecem ser mais assustadoras e atraentes.

Coordenador de uma escola de idiomas da Capital, Werverson de Jesus Modesto Faleiros, 30, acredita que o Halloween é uma boa oportunidade para estudantes conhecerem os costumes americanos. O fato de difundir o hábito não prejudica a cultura do país. "A cidade não pára, nem é feriado, por isso acho que essa resistência tem que ser levada menos a sério".

Na opinião do cientista social Antônio Carlos Dumont Monteiro de Castro, 59, o choque entre as culturas produz bons resultados. "Os grandes romancistas brasileiros importaram a escrita de Flaubert, Joyce, Proust entre outros".

Na verdade a intenção da Sosaci, além de estimular o folclore nacional, se assemelha ao propósito do Movimento Antropófago de Oswald de Andrade: assimilar o que há de bom em tradições estrangeiras e reinventá-las, sem perder a identidade.

Castro explica que para se apossar de algo é necessário que haja a identificação, porém esse conceito se flexiona conforme a realidade do local. "Aquilo que é forte em uma época pode ser fraco em outra. O que é bom em um lugar pode ser melhor ou pior em outro".

Para ele, a mobilização deve ser direcionada aos diversos mitos do Brasil. "Macunaíma trabalha o mito sem se transformar em algo nacionalista porque mostra os anseios, caricaturas de nós mesmos". Segundo o sociólogo, a cultura só sobrevive se for interessante e se fortalece absorvendo e adaptando os aspectos estrangeiros. Por outro lado, cabe à sociedade ser mais crítica e relativizar mais o que importa.

O livro Folclore Brasileiro, de Nilza B. Megale, informa que a tradicionalidade é uma das características de um fato folclórico. "Não no sentido tradicionalista acabado, isto é, de uma coisa do passado, mas como o modo vivo e atual pelo qual os conhecimentos foram transmitidos, ex.: avô, pai, filho e neto. (...) Essa força age no sentido de garantir a permanência de uma cultura, mas sofre pressão de outras culturas vindas de fora, daí a sua modificação".

No início deste ano integrantes da organização Sosaci foram até Brasília para entregar um abaixo-assinado ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, com o intuito de nacionalizar a comemoração do mito no dia 31 de outubro. "Respeitamos os mitos dos outros, mas não queremos que eles sejam usados pela indústria cultural como predadores dos nossos", diz o texto.

No Brasil duas cidades já aderiram à proposta. São Luiz do Paraitinga (SP) já festeja o Dia do Saci e Botucatu (SP), o Festival Nacional do Saci.




Fonte: A Gazeta

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