Suprema Corte contraria Morales sobre poderes da Assembléia
Segundo o máximo tribunal boliviano, a reivindicação de Morales abala a ordem legal e constitucional do país, e põe em risco a integridade nacional, a paz social e a segurança da Bolívia.
A posição foi divulgada em comunicado escrito e em entrevista coletiva do presidente da Suprema Corte, Héctor Sandoval.
"Ao não ter caráter fundacional, nem ser emergente de uma revolução triunfante, a Assembléia não pode ser considerada originária, e deve obedecer à lei de convocação e à atual Constituição", assinala o documento.
A Suprema Corte contradiz Morales e seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), que pretendem que a Assembléia tenha poderes sobre todas as demais instituições estatais, o que vem sendo qualificado pela oposição como "autogolpe".
O Governo se recusa a reconhecer ainda a determinação de que mudanças na Constituição devem ser aprovadas por dois terços dos votos, como também estabelece a Lei de Convocação da Assembléia Constituinte, assinada por Morales em março.
O caráter original, fundacional e plenipotenciário da Assembléia foi aprovado na semana passada pela maioria governista, sem respeitar os dois terços previstos no primeiro artigo do regulamento interno, que há dois meses contrapõe Governo e oposição.
A Constituinte, com a qual Morales pretende "refundar a Bolívia", teve início em 6 de agosto e, até ontem, só havia aprovado esse primeiro artigo do regulamento, que a Suprema Corte considera inconstitucional e ilegal.
Ontem à noite, no entanto, os dois lados fizeram gestos de conciliação, após a reincorporação de um constituinte governista que havia sofrido um grave acidente.
Opositores e governistas prometeram tratar melhor uns aos outros, e alguns chegaram a se abraçar, em uma sessão inédita da Assembléia, que depois aprovou com dois terços dos votos outros onze artigos do regulamento, todos de caráter técnico e sem importância política.
Segundo a Suprema Corte, a Constituinte deve cumprir sua função de redigir a nova Constituição do país em no máximo um ano, para que depois seja ratificada em referendo.
Segundo sua opinião, o desacato da Assembléia à atual Constituição abala a ordem legalmente constituída, subverte o sistema social e democrático de direito e põe em risco a integridade nacional, a paz social e a segurança nacional.
Sandoval afirmou que o pronunciamento não é político, mas estritamente jurídico, dentro do âmbito do direito constitucional.
"Estamos fazendo um alerta. Defendemos a institucionalidade do Poder Judiciário. Não há teor político. Nosso parecer é totalmente jurídico e amparado na Constituição", afirmou.
Ele ressaltou sua preocupação com a possibilidade de que, uma vez aprovada a nova Constituição, os atuais poderes do Estado desapareçam, como antecipou o Governo.
Além da Suprema Corte e da oposição, os líderes políticos e cívicos de quatro dos nove departamentos bolivianos também se opõem ao caráter plenipotenciário da Assembléia, e ameaçam não acatar a nova Constituição caso Morales force sua aprovação ou ela aconteça de forma ilegal.
Apesar dos gestos de conciliação de ontem à noite, pelo retorno ao fórum do chefe dos constituintes do MAS, o líder indígena Román Loayza, após um mês de ausência por um acidente, governistas e opositores ratificaram hoje suas divergências.
O principal partido de oposição do país, Poder Democrático e Social (Podemos), reiterou sua rejeição ao caráter plenipotenciário da Assembléia, e sua defesa da aprovação das mudanças por dois terços dos constituintes.
O partido de Morales tem 137 votos e conta com o apoio de vários movimentos menores, o que lhe dá maioria absoluta (128 de 255 constituintes), mas não os dois terços exigidos pelo regulamento (170).
"Enquanto não aceitarem que os dois terços são o mínimo pressuposto para avançar, os gestos de conciliação não vão passar de miragem", afirmou o chefe dos constituintes do Podemos, Rubén Darío Cuéllar.
O constituinte Jorge Lazarte, da centrista União Nacional (UN), chamou de "surreal" a aproximação de ontem à noite, e disse estar esperançoso de que o Governo abra um processo de consenso para mudar o primeiro artigo do regulamento.
No entanto, o ministro da Presidência da Bolívia, Juan Ramón Quintana, declarou que o Governo não voltará atrás em suas reivindicações, e que o caráter plenipotenciário da Assembléia é "irreversível".
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