34º Festival de Gramado começa com mudanças

Algumas mudanças parecem de ordem puramente prática, mas revelam, no fundo, uma mudança importante de conceito. O 34º Festival de Gramado - Cinema Brasileiro e Latino, que começou ontem, alivia a programação noturna, sempre muito carregada, por meio de um artifício. Os curtas deixam de ser exibidos antes dos longas, passando a ocupar uma sessão especial, formada só por eles. "É o que já fazem os maiores festivais internacionais. Em Cannes, os curtas que concorrem à Palma de Ouro da categoria são apresentados num horário especial", informa um dos curadores do evento, o crítico José Carlos Avellar.

Seu parceiro na curadoria, Sérgio Sanz, transforma a medida prática num conceito. "Por mais importante que seja o formato, ninguém vai a um festival de cinema, a menos que seja específico, para ver os curtas. Os longas ganham mais destaque e não vai nisso nenhum preconceito contra os novos realizadores nem contra os curtas."

A medida deve provocar polêmica e polêmica é o que parece que não vai faltar no festival, um dos mais antigos que ocorrem no País. A menos de um mês do seu início, Gramado viveu uma era de turbulência que gerou dúvidas quanto à própria realização do festival. O presidente da comissão organizadora, Enoir Zorzanello, afastou-se do cargo após denúncias de irregularidades administrativas que estavam prejudicando a captação por meio das leis de patrocínio. Substituiu-o, para o que talvez seja só um mandato tampão, o secretário de Cultura e Turismo do município. Mesmo assim, o Ministério Público não facilitou a captação e, assim, o Festival de Gramado começa sob o signo da pior crise de sua história - e olhem que Gramado, como Brasília, atravessou os duros anos da ditadura e, depois, a pressão da era Collor, que levou o Festival de Cinema Brasileiro a tornar-se Latino para sobreviver.

Anterior a essa crise de última hora, a decisão de Zorzanello de mudar o conceito e a programação do festival já deveriam, por si mesmas, provocar reações. Zorzanello profissionalizou a curadoria contratando Avellar e Sanz. Eles perceberam que o festival estava perdendo credibilidade por investir mais no glamour do tapete vermelho do que no encontro e discussão sobre cinema.

Em Gramado, tradicionalmente, até por pressão da imprensa local, os globais tinham preferência sobre os autores. As mudanças operadas por Avellar e Sanz nesta primeira edição a eles entregue talvez siga uma solução de compromisso. Eles outorgam o Troféu Eduardo Abelim, que leva o nome do pioneiro do cinema gaúcho, ao documentarista (engajado) Vladimir Carvalho. Incluem na competição um filme assinado por um autor ligado ao cinema marginal e que estava afastado há décadas da direção, Andréa Tonacci, que concorre com Serra da Desordem. O Troféu Oscarito vai para o globalíssimo Antônio Fagundes, mas seria injusto não reconhecer que ele é um ator de grandes papéis no cinema, tendo participado, em diferentes épocas, de filmes importantes como A Próxima Vítima, de João Batista de Andrade, e Deus É Brasileiro, de Cacá Diegues.

Há uma medida que se antecipa mais controvertida. Convencidos de que os formatos de super-8 e 16 mm tornaram-se anacrônicos face ao advento das novas tecnologias, leia-se o digital, Avellar e Sanz mantêm as duas competições este ano, mas antecipam que pode ser uma despedida. O objetivo é consolidar Gramado como um evento realmente importante, tanto do ponto de vista artístico quanto do comercial, isto é, do mercado.

A mostra latina traz filmes da Argentina, Bolívia, México, Peru e Venezuela. Para discutir acordos de produção e distribuição, Gramado abriga seminários com a participação de representantes da Ibermedia. E a menina dos olhos de Avellar será o encontro de roteiristas. Não é de hoje que os críticos e o público identificam no roteiro um dos elos fracos da cadeia do cinema brasileiro. Aprimorar o roteiro, do ponto de vista técnico, é tão necessário quanto discutir formas de organização desses profissionais.