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Cultura
Quinta - 27 de Julho de 2006 às 07:28
Por: Ubiratan Brasil

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Nos anos 1950, François Truffaut passeava por um sebo em Paris quando um título despertou sua atenção: Jules e Jim, romance de um certo Henri-Pierre Roché. "Quando li na contracapa que era o primeiro romance de um homem de 76 anos, fiquei mais interessado ainda: adoro os relatos "vividos", as memórias, as recordações, as pessoas que contam sua vida", disse o cineasta anos depois, em 1962, quando sua versão da história estreava nos cinemas - no Brasil, ganhou o sugestivo título de Uma Mulher para Dois. Tornou-se, em pouco tempo, um clássico da nouvelle vague francesa, alçando também o nome de Roché (1879-1959) nas letras.

Jules e Jim chega agora às livrarias brasileiras, em cuidadosa edição da Jorge Zahar: além do texto de Roché, o livro vem recheado de fotos e com o roteiro completo do filme. Ótima oportunidade para o leitor descobrir tanto a escrita moderna do autor como a delicada versão do cineasta. Iniciado em 1943 e publicado poucos anos antes da morte de Roché, o romance é uma assumida versão literária de experiências pessoais do autor.

Jules é o pequeno e atarracado estrangeiro em Paris , amigo do alto e magro Jim - juntos, vivem desventuras sentimentais naquele longínquo 1907, especialmente com Catherine, que terá uma relação amorosa com cada um dos rapazes. Segundo consta, Roché viveu um triângulo amoroso semelhante ao da história. Era amigo de Marcel Duchamp e ambos se relacionaram com uma mulher, Helen Hessel. Mais tarde, refeito do affair, Roché decidiu exorcizá-lo, utilizando as letras para romancear e distorcer, como convém em experiências cruciais.

Foi essa relação sem fronteira entre vida e obra que fascinou Truffaut que, logo depois de se apaixonar pelo livro, iniciou uma troca de correspondência com Roché. Durante essa conversa por cartas, o cineasta revelou seu desejo de filmar Jules e Jim. "Falamos da adaptação e ele imaginava diálogos arejados e densos", conta Truffaut, lembrando ainda o desejo do escritor de conhecer pessoalmente a atriz Jeanne Moreau, que interpreta Catherine - o triângulo é completado por Oscar Werner (Jules) e Henri Serre (Jim). Roché, no entanto, não realizou seu desejo, assim como não teve tempo de ver o filme.

Truffaut conta que procurou ser fiel ao original. É o que explica, por exemplo, uma série de comentários em off, recurso utilizado pelo cineasta todas as vezes que o texto lhe pareceu impossível de ser transformado em diálogos ou belo demais para ser suprimido. "Prefiro a adaptação clássica, que, bem ou mal, transforma um livro em peça de teatro, forma intermediária que alterna diálogos e leitura em voz alta, o que de certa forma corresponde ao romance filmado", justifica.

O diretor considerava esse filme a síntese de seu trabalho até aquele ano de 1962, realizado logo após Atirem no Pianista, do qual considerava uma extensão. Isso porque em ambos ele pretendeu contrabalançar os personagens a fim de que inspirassem a mesma simpatia e as pessoas ficassem tentadas a amá-los da mesma forma.

Na verdade, Jules e Jim é um filme cujas quebras e elipses marcaram muito mais o cinema como uma representação da modernidade que propriamente o tema do amor livre que tanto o filme como o livro retratam. De fato, tanto o texto original de Roché como o roteiro utilizado por Truffaut (que o adaptou em parceria com Jean Gruault) oferecem cortes rápidos e descontínuos de cenas que muito entusiasmaram a geração do nouvelle vague.

E o leitor/espectador terá a oportunidade de conferir o resultado filmado por Truffaut ainda este ano, quando a distribuidora Versátil deve lançar os filmes do cineasta francês, começando justamente por Jules e Jim -Uma Mulher para Dois. Como se trata da caprichada edição lançada pela MK2 na França, a qualidade está garantida, assim como a profusão de extras, especialmente os valiosos comentários de Serge Toubiana, biógrafo de Truffaut e importante crítico de cinema.

Em 2007, a Versátil deverá iniciar a Coleção Antoine Doinel, nome de seu personagem mais famoso, sempre interpretado pelo ator Jean-Pierre Léaud.




Fonte: São Paulo/AE

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