A idolatria do diploma
Paradoxalmente, era também aluno do 2º ano de graduação em uma faculdade de economia (sem nenhuma distinção). Por ser economista da Confederação Nacional da Indústria, sem ter o diploma, o Conselho de Economia o obrigou a fazer o curso (não assistiu a uma só aula). Se adotasse o mesmo critério, a Academia de Ciências da Suécia não daria o Prêmio Nobel de Economia a Herbert Simon e Daniel Kahneman, ambos psicólogos.
O diploma não passa de um atestado de que o seu portador cursou o programa indicado e teria satisfeito requisitos formais. Não é nem bom nem mau. Depende do uso dado a ele.
Nos casos benignos, oferece informações úteis. O diploma e sua reputação informam a quem precisa saber. Pode atestar conhecimentos específicos (o diploma de encanador do Senai atesta que praticou na escola o que fará na minha casa). Em outros casos, é mais vago, por exemplo: administrador, filósofo etc.
Para certas profissões, faz sentido que a lei exija o diploma, pois protege consumidores indefesos. É o caso de profissões em que o erro tem conseqüências graves (saúde, acidentes). Ou nas quais quem contrata o serviço não está em condições de avaliar o profissional. Nesses casos estão médicos e pilotos, em quem temos de confiar sem dispor dos meios de checar seus conhecimentos. Mas quem contrata engenheiros mecânicos ou administradores sabe avaliar competências, portanto não precisa ser "protegido", sobretudo, por conselhos interessados em restringir a oferta.
Nos casos mais malignos, assegura a reserva de mercado, impedindo o trabalho de quem sabe mas não tem o diploma. Por exemplo: Chateaubriand e Roberto Marinho não poderiam ser jornalistas hoje. Em contraste, como a Constituição alemã garante a liberdade de expressão, lá não se pode exigir diploma para ser jornalista.
Pela nossa Constituição, é o MEC que cuida dos diplomas requeridos para ensinar nas universidades. Não obstante, os conselhos vêm tentando usurpar tal prerrogativa, ilegalmente impondo exigências de diplomas para a docência.
Se no mundo inteiro fossem recrutados os melhores professores de administração, pela interpretação capenga do conselho, nenhum deles poderia ensinar nas nossas faculdades, pois não são formados em administração. Ou seja, os alunos estudam nos seus livros, mas eles estariam proibidos de ensinar.
O próprio MEC é pródigo em prestigiar diplomas e desvalorizar a experiência e a competência. Músicos como Villa-Lobos, Turíbio dos Santos e Jacques Klein não poderiam ensinar em universidades. E Portinari, que nem tinha primário completo?
Na UFRJ, um aluno brilhante de física foi mandado para o MIT antes de completar sua graduação. Lá chegando, foi guindado diretamente ao doutorado. Com seu reluzente Ph.D., ele voltou ao Brasil. Mas sua candidatura a professor foi recusada pela UFRJ, pois ele não tinha diploma de graduação. Luiz Laboriou foi um eminente botânico brasileiro, com Ph.D. pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Mas não pôde ensinar na USP, pois não tinha graduação.
A carreira dos pesquisadores glorifica as publicações e ignora por completo as realizações no campo específico do trabalho profissional. O engenheiro que salva uma empresa ou aumenta a sua produtividade não verá sua carreira docente valorizada. Mas contará pontos um paper publicado por um colega sobre o trabalho brilhante desse mesmo engenheiro.
O contrato dos docentes das universidades federais impede o exercício profissional. Se fosse respeitado, nossos futuros arquitetos aprenderiam com quem não projeta, nossos engenheiros, com quem não constrói, nossos médicos, com quem não clinica, nossos músicos, com quem não toca nem compõe, e nossos advogados, com quem não freqüenta tribunais.
Podemos e devemos fustigar os rábulas da nossa cartoriolândia. Se não protestarmos, quem o fará? Mas eles são apenas beneficiários. No fundo, a culpa é nossa, pois idolatramos os diplomas e deles somos as vítimas.
Claudio de Moura Castro é economista (Claudio&Moura&Castro@attglobal.net)
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