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Cultura
Terça - 30 de Maio de 2006 às 13:56
Por: Lidiane Barros

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Coincidência ou não, ao som da música Anjo, do Roupa Nova, Wanderson conclui o ser celeste que desenhou e pintou durante a aula de artes, na qual ele também cria asas. Ele é portador de deficiência mental leve e quem o ensina a “voar” é a artista plástica Jussara Sartori.

Todas as segundas e quartas-feiras, ele e os outros 11 amigos são orientados pela artista na sala de Educação Especial da Escola Municipal Francisval de Brito. Nos demais dias da semana, eles têm aula de alfabetização, educação física e vida funcional. Nesta, a professora titular da classe, Rosane Narci Paschoiotto, dá lições de sobrevivência: como pegar ônibus com segurança, atravessar a rua e os ensina até a “brigar” por seus direitos.

Mas é na aula de artes, que de fato eles elevam sua auto-estima. Sentem-se capazes e úteis. Jussara contou que, certo dia, uma de suas alunas disse que, enfim, podia ser útil. A declaração foi motivo de risada, relembra ela, mas, vez ou outra, a artista chora e se emociona com os depoimentos deles. “Eles precisam de oportunidade, não de piedade, pois têm suas limitações, mas a capacidade deles é muito grande. Mas percebo que estou doando pouco e recebendo muito”, declara Jussara.

Tão carentes, mas ao mesmo tempo, tão dispostos a amar. Durante as aulas, eles se abraçam, abraçam as professoras, abraçam a visita. “É incrível o cuidado que eles têm com a gente. Quando vão comer, sempre se preocupam em oferecer. São atenciosos ao máximo”, conta a professora Rosane.

“O que mais me entristece é que temos de brigar para conseguir algo para alunos portadores de necessidades especiais. Além disso, ainda hoje o preconceito atrapalha muito”.

E se o objetivo for o de ministrar arte a essas pessoas, os contratempos são maiores. Arte e educação

A experiência da artista plástica reafirma que a arte inserida nos processos pedagógicos imprime uma perspectiva de cidadania a quem ela é destinada.

Mas parece faltar sensibilidade à sociedade e também ao poder público que destina poucos recursos à essa transformação social. Jussara, a exemplo, já oferta gratuitamente o curso há dois anos e durante este tempo tentou aprovação do projeto pelo Fundo Estadual de Fomento à Cultura. Só agora, no terceiro ano, foi aprovado. Mas o projeto previsto para ocorrer durante dez meses, teve que ser abreviado para três, devido ao valor disponibilizado. Vale ressaltar, o teto do Fundo é de R$ 150 mil. Jussara conseguiu R$ 17 mil.

Observando a aula de Jussara, impossível não se emocionar diante da persistência de Maria Rodrigues, 40 anos, testando toda sua capacidade motora para pintar. Maria é órfã e tem paralisia cerebral. Atualmente, vive com uma sobrinha e só, recentemente, conseguiu uma cadeira de rodas. Algumas voluntárias, como a professora Rosane, organizam rifas e eventos para conseguir quitar a única via de movimentação dela. “Sempre pergunto: Maria, você vai conseguir? Ela diz, eu consigo, eu consigo! E vai lá e faz”. Tendo levado uma vida vegetativa até então, só agora ela tem descoberto um novo sentido para viver. Aluna apenas das aulas de arte, não vê a hora de chegar às segundas e quartas-feiras.

As aulas de pintura em tela e madeira já estão perto de terminar e Jussara começa a organizar uma exposição. A venda das peças poderá ser revertida para compra de materiais da classe.

“Quando a exposição acontecer, com certeza eles vão se sentir muito valorizados. Quando analiso meu trabalho, vejo que nessa história toda sou que aprende mais. Dou um pouquinho de amor e aprendo a exercitar minha paciência, aprendo a ser mais humana”, destaca Jussara.

A artista sonha com a continuidade do projeto, mas precisa do incentivo da iniciativa privada e do governo. O próximo passo é tentar viabilizar recursos por meio de lei municipal. “É preciso que mais pessoas incentivem esse tipo de ação. Poderia ter feito outra escolha, mas optei por essas pessoas, são elas que precisam de amparo. Projetos voltados à transformação social necessitam hoje de uma atenção maior. Atualmente é isso que me realiza”.





Fonte: Folha do Estado

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