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Cultura
Terça - 30 de Maio de 2006 às 09:37

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Homem travesso", foi a única observação que Simone de Beauvoir fez ao amigo Art Shay no momento em que ele capturou a surpreendente imagem que você vê ao lado. A escritora tinha, então, 42 anos, e já se havia tornado um ícone feminista além de ter publicado alguns dos textos que a celebrizariam, como "O Segundo Sexo" (1949).

A foto, assim como um punhado de boas e inéditas histórias sobre Beauvoir e seu parceiro não menos notório Jean-Paul Sartre estão em "Tête-à-Tête", livro da inglesa Hazel Rowley, 54, que remonta a vida do casal de intelectuais existencialistas franceses por meio de cartas e novas entrevistas. Mas a grande surpresa do trabalho de Rowley, para nós, brasileiros, é bem outra.

A autora recolheu indícios de que Sartre, quando esteve aqui com Beauvoir, em 1960, teria tido um caso com Cristina Tavares, uma jornalista pernambucana que, posteriormente, se tornaria deputada federal. "A passagem deles pelo Brasil é pouco estudada e muito mais importante do que ficou registrado. Foram dois meses em que conversaram com muita gente e tiveram intensa atividade intelectual", disse Rowley, em entrevista à Folha, de Nova York, pouco antes de embarcar para suas investigações por aqui.

Segundo ela, Sartre teria conhecido Tavares enquanto Beauvoir estava internada com suspeita de febre tifóide num hospital de Recife. A pesquisadora tem esperanças de encontrar cartas de Sartre para a brasileira, que morreu de câncer, com membros de sua família.

O interesse da autora por Beauvoir vem de longe. Quando era estudante de francês na universidade de Adelaide, na Austrália, entrou em contato com a obra da escritora. Tornou-se PhD em existencialismo e, em 1976, conseguiu marcar uma entrevista com Beauvoir. O encontro, entretanto, foi tenso. "Fiquei com a impressão de que ela havia incorporado demais seu personagem e não conseguia sair dele."

Em "Tête-a-Tête", Rowley tenta questionar os estereótipos relacionados a ela e a Sartre, para além do legado intelectual e político. Rowley concentra-se, por exemplo, em mostrar que o modelo de "relacionamento aberto" de que tanto se orgulhavam e que serviu de modelo para toda uma geração, deixava Beavoir deprimida em muitas ocasiões, ao mesmo tempo em que se tornava motivo de tensões entre o círculo de amigos e amantes existencialistas que os rodeavam.

Por outro lado, a pesquisadora defende que Beauvoir, diferentemente do que comumente se diz, não foi transformada de filha obediente da burguesia francesa em livre-pensadora apenas pelo toque mágico de Sartre. "Ela já tinha feito suas escolhas pessoais e intelectuais, Sartre foi apenas um estímulo", diz. Rowley recusa-se, ainda, a ver Sartre como um homem que enganava suas mulheres. "Ele lhes dava algo em troca, intelectualmente e, muitas vezes, financeiramente."

Pesquisa

Em contradição com os princípios de transparência defendidos pelo casal, estudá-los hoje não é tarefa fácil. Rowley conta que boa parte das cartas e da documentação sobre Sartre e Beauvoir está na mão de particulares e é de difícil acesso. Além disso, há vários documentos dispersos, muito pela prolixidade dos dois, mas também pela falta de uma pesquisa que abarcasse tudo o que foi produzido.

A foto de Shay, por exemplo, já havia sido publicada num álbum, nos anos 60. Quando foi editar o livro, Rowley o procurou e pediu autorização para divulgá-la. "Por muito tempo essa imagem foi, para os amigos de Beauvoir, uma foto controversa, pois mostrava uma mulher que era tida como dura e combativa numa pose sensual, vulnerável, feminina demais."

O ponto alto do livro é a narrativa dos últimos meses de Sartre. "Chorei quando escrevi o seu funeral, pois tinha acompanhado pelas cartas a maneira como Simone havia começado a sofrer com aquilo tudo muito antes. De alguma forma, ambos acabaram ali", diz Rowley.

A autora reconhece ter sido influenciada pelo modelo de relacionamento para o qual ambos apontaram. E, apesar de ter mostrado que a tensão era um elemento recorrente na vida de ambos, ela é otimista quanto a seu legado. "O modo como viveram, como cada um quis que o outro vivesse uma vida completa para mim ainda é o mais importante. E acho que há muito a se tirar dessa experiência até hoje", conclui.





Fonte: Olhar Direto

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