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Cultura
Sábado - 20 de Maio de 2006 às 09:00

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A cultura é o espaço de realização da plena cidadania, de superação da exclusão social e de incremento significativo da atividade econômica. É um traço que deve ser preservado e difundido amplamente. Para isso, a ajuda de pessoas com mais experiência de vida torna-se fundamental. Aos 76 anos de idade, Seo Albino e Dona Adélia Lima dos Santos, são exemplos dessa atividade, pois há 53 anos estão unidos não só pelo amor, mas também pela paixão ao siriri e o cururu, danças típicas da cultura mato-grossense.

Eles fazem parte do grupo "Rancho de Palha" de Várzea Grande, formado por 23 pessoas com mais de 50 anos de idade, com o objetivo único de preservar e fortalecer o ritmo na cidade e em outros lugares do Estado. Seo Albino e Dona Adélia, apesar de virem de Salvador (BA), aprenderam rápido a nova dança e já há três anos mantêm a rotina de todas as quintas-feiras comparecem aos ensaios, que acontecem na sede da Administração Regional do Cristo Rei.

"Ficamos encantados quando vimos outros senhores dançando siriri e o cururu. Resolvemos entrar para o grupo, porque além de contribuirmos para resguardar um valor cultural, estamos tendo um divertimento muito bom. Isso é um prazer para nós", conta Dona Adélia. Seo Albino até aprendeu a confeccionar e tocar o ganzá, um instrumento feito a partir de um pedaço de madeira ou bambu com cortes transversais, que são friccionados com uma haste de madeira. "É fácil tocar. Para aprender só precisa ter muita força de vontade e isso eu tenho de sobra", observa.

Para embalar o ritmo bailado, os componentes do Rancho de Palha contam ainda com o mocho e a viola de cocho, fabricados a mão por eles mesmos. Três homens cantam e tocam, enquanto os demais formam par com as mulheres na dança. Conforme explica a coordenadora, Maria José de Araújo Bastos, embora já exista há muito tempo, a banda retomou suas atividades com apresentações há seis anos, principalmente na zona rural, onde são bastante solicitados. Nesse intervalo, já estiveram na Universidade Federal de Mato Grosso (Cuiabá) e em Capão Verde (Poconé).

A primeira formação data de 1978 e está ligada as ações do extinto Centro Social Urbano (CSU). Donato Catarino da Cruz, 55, é o único integrante do grupo desde essa época. Ele também é um dos cantores e bailarinos e relata que já está familiarizado com o ritmo de Mato Grosso. "Participo das rodas de siriri e cururu desde quando tinha nove anos. Meus pais, avós e bisavôs eram todos cururueiros.

Dançar é a coisa que mais gosto na minha vida", aponta. Isso também acontece com Dona Benedita Magalhães, 51. "Infelizmente, nem meus sete filhos nem meus oito netos se interessam. Eles preferem outras coisas", queixa-se. Mas nem por isso ela deixa a tristeza tomar conta. "Lá em casa eu lavo, passo, limpo casa e ainda trabalho fora. Tenho cinco empregos e ainda cuido de um marido doente. Mas quinta-feira é sagrada pra mim. Não falto um ensaio. Sou apaixonada pelo siriri, aprendi com minha mãe", ressalta. Dona Benedita mora no Jardim Glória II e diz que não existem dificuldades para ela e que enquanto o grupo existir, quer estar com ele.

A DIVERTIDA DANÇA DA LONGEVIDADE – O grupo "Rancho de Palha" chama a atenção também por um outro aspecto: todos os seus componentes, gente da terceira idade, apresentam um quadro de saúde invejável. Para a enfermeira Vânia Lígia da Silva, coordenadora do projeto que leva saúde dos idosos da Policlínica do Cristo Rei, a dança é a grande responsável pelo bem-estar dos componentes. "A dança, além de melhorar o condicionamento físico do idoso, trabalha o lado psíquico e emocional. Ele libera muita energia enquanto baila, é um momento de extravasar e esquecer dos problemas. A gente percebe isso pela expressão do seu rosto", analisa.

Segundo a estudiosa Marlene Salvador, que fez mestrado na Universidade do Contestado em Concórdia, Santa Catarina – sobre a importância da dança como atividade física na terceira idade – a qualidade de vida dos indivíduos que praticam algum tipo de dança é superior aos que praticam outro tipo de exercício físico. "É comprovado que a dança traz maior benefício do que caminhada, corrida ou musculação. Entre as atividades aeróbicas, a dança é a mais alegre e todos podem participar, desde o mais lento até o mais agitado", esclarece.

Os médicos apontam ainda outros benefícios da dança para os idosos: para as mulheres, este tipo de atividade, realizada regularmente, melhora a capacidade cardiorrespiratória, ativa a circulação sangüínea e previne a osteoporose depois da menopausa; em geral, corre-se menor risco de fraturas de colo do fêmur, uma coisa comum na terceira idade, devido à osteoporose; o molejo da dança queima calorias suficientes para a manutenção do peso, fortalece o tônus muscular, principalmente as pernas, os glúteos e o abdômen e diminui a sensação de fome, porque o organismo produz mais serotonina.

Quem acredita que a dança é uma forma de terapia é Dona Benedita, que sempre vai sozinha aos ensaios e apresentações do grupo. "Você vem, dança e pronto. Sou a primeira a chegar e a última a ir embora", fala. Claro que também existem casais que estão juntos, como Seo Albino e Dona Adélia. "A gente vem sempre, e essa é a nossa diversão semanal. Acho que por isso nunca fomos um casal doente", supõem.

FALANDO EM "SIRIRI" E "CURURU" – O Siriri é uma dança folclórica de Mato Grosso, mais especificamente da região de Cuiabá, Cáceres, Santo Antônio do Leverger, Nossa Senhora do Livramento e Poconé. Sua origem é incerta, no entanto alguns relatos afirmam que teria surgido com os tropeiros e boiadeiros que, ao viajarem por um longo tempo transportando gado pelos confins do Brasil e como meio de distração, inventaram alguns instrumentos, canções e coreografias. Com o tempo, o siriri passou a ser tocado e dançado em festas de aniversários, casamentos, festas de santos e outras ocasiões comemorativas. Na dança, as mulheres vestem-se com saias ou vestidos rodados de seda ou chita e os homens com camisas de mangas compridas, lenço no pescoço, faixa na cintura e chapéu, todas as vestimentas em cores bem vivas.

Já a dança do cururu se classifica em sacra e profana. Na sacra, também chamada de função, geralmente acontecem as orações aos santos de devoção popular e tem o objetivo de louvar ou homenagear aquele determinado Santo. A profana é aquela dança acompanhada pelos desafios e versos dos repentistas, por trovas de amor e uma variada coreografia. O cururu é dança de roda, só para homens, ao som de desafios cantado, com acompanhamento instrumental. O cantador tem liberdade de tempo para cantar, e só quando finalizar é que o desafiante pode iniciar a resposta, que precisa ser na mesma carreira.

Esses são os ritmos do grupo "Rancho de Palha", que através de simpáticos senhores da terceira idade, pretende preservar os valores da cultura de Mato Grosso. A única certeza que todos os componentes têm, com relação ao futuro da banda, é que enquanto houver força nas pernas e a alegria estiver em seus corações, não haverá um fim, pois dessa maneira está se oferecendo às futuras gerações um legado cultural criativo, sólido e pró-ativo.





Fonte: Olhar Direto

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