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Politica Brasil
Quarta - 19 de Abril de 2006 às 07:52

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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Muda-se o ser, muda-se a confiança”, disse o desembargador Paulo Inácio Dias Lessa em seu discurso de despedida como presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, citando verso de um soneto do poeta português Luiz Vaz de Camões. “Faço tal reflexão - e também alerta - por constatar em vivência como é efêmera a passagem pela Justiça Eleitoral”, disse Lessa.

Em cerimônia concorrida realizada nesta terça-feira (18), às 18h, na sede do Tribunal, o ex-presidente do TRE/MT discursou aos convidados sobre sua passagem pela Justiça Eleitoral. Rememorou conquistas como a realização do referendo de 23 de outubro e a realização de duas eleições extemporâneas, e ainda a conclusão do projeto de rezoneamento de jurisdições eleitorais para interior do Estado.

Aos servidores efetivos da Justiça Eleitoral que, segundo Lessa, nesse mar de mudanças são os que realmente permanecem, ele deixou um recado: “Não se esqueçam jamais da finalidade desta instituição. Não sois empregados públicos comuns, posto que manufaturam um produto precioso, que é a preparação das eleições. Amem seu ofício, (...) Sem eleitor, candidato e partido não existe motivo algum para a existência da Justiça Eleitoral e todos os empregados que nela militam”.

Leia a íntegra do discurso de despedida do ex-presidente do TRE/MT, desembargador Paulo Inácio Dias Lessa.

Senhoras e Senhores,

Quero dedicar este discurso de despedida aos homens de mente aberta, aos amigos que me julgam merecedor de atenção e a todos que acorreram a esta Sessão Solene atendendo ao convite postado. (...)

O sol se fez poente. É noite de despedida. E a maturidade conquistada me faz ponderar:

Nascimento, crescimento, auge e declínio.

Essa realidade inexorável, aplicada à vida, à natureza, ou mesmo a um mandato diretivo - como este que se encerra neste ato solene, de presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso -, leva à reflexão sobre o sentido das coisas.

Na vida, somos passageiros de circunstâncias.

Apenas navegantes de acontecimentos. Testemunhas, talvez; (...) às vezes, personagens de histórias.

Essa realidade incontornável se aplica a todos – sejam àqueles milhões de rostos desconhecidos na multidão, que comumente se alcunha de pobres mortais (como se todos nós não os fossemos) -, mas também àqueles que tiveram na vida o privilégio, por alguns minutos, meses ou anos, de serem objeto de fama, residentes do pináculo da glória ou merecedores de duradoura referência de importância em suas comunidades.

Faço tal reflexão - e também alerta - por constatar em vivência como é efêmera a passagem pela Justiça Eleitoral.

Digo isso e enfatizo: ainda bem que é assim!

No curso desta fala justificarei o pensamento.

Todavia, antes da explicação, retorno ao intróito, assinalando que não devemos esquecer da efemeridade deste cargo.

Eu, que estou sendo desapeado pelo fim do mandato, não esquecerei.

Nem devem ignorá-la os nobres magistrados que estão assumindo o comando desta celebrada Corte – aos quais desejo felicidades para, no curto espaço de tempo disponível, conseguirem cumprir todas as realizações sonhadas.

Com eminentes e sábios desembargadores Antonio Bitar Filho e José Silvério, futuros presidente e vice-presidente do Tribunal Eleitoral mato-grossense, faço questão de compartilhar um ensinamento sobejamente conhecido:

Não dediquem muita atenção aos aplausos da entrada.

Pois isso é comum.

Sejam, pois, cuidadosos como a forma com que se terminam as coisas.

Pois isso é o importante.

Da lavra do mesmo pensador, o frade jesuíta espanhol Baltazar Gracián, garimpo um complemento ao ensinamento, muito próprio para a ocasião:

“As palavras são as sombras dos atos. Os atos são a substância da vida e, as palavras sábias, o seu adorno”.

Numa situação paradoxal erigida no curto espaço de tempo para realizações e na vontade extrema de deixar alguma obra, devemos nos contentar em falar o que é certo e fazer o que é honesto.

No primeiro, mostraremos uma cabeça perfeita; no segundo, um coração perfeito. Para, em ambos, elevarmo-nos ao nível de um espírito superior.

No meu curto período como corregedor e presidente desta Egrégia Corte Eleitoral, tive o privilégio de participar da realização das eleições municipais para prefeito em 2004, do referendo em 2005, e colaborar em outras duas eleições municipais extemporâneas, também em 2005, nos municípios de Vale de São Domingos e Araputanga.

Diversas outras ações administrativas merecem saltar em destaque, a exemplo do concurso público para funcionários dos Cartórios Eleitorais e a criação da Ouvidoria Eleitoral.

Mas nenhuma das ações executadas me fez mais realizado do que a interiorização da Justiça Eleitoral – obra galgada pelo projeto de re-zoneamento anteriormente aprovado por esta mesma Corte.

Instalamos sedes de serventias eleitorais em cidades encravadas na vastidão da Amazônia, como Aripuanã, Cotriguaçu, Nova Monte Verde, Brasnorte, Guarantã do Norte, ou na distante Araguaia, como Ribeirão Cascalheira.

Também o fizemos em cidades como Rio Branco, na região Oeste, área de fronteira com a Bolívia, e Santo Antonio do Leverger, na região do Pantanal. Foram iniciativas como esta que tornam conseqüente o ensinamento que nos diz que “as palvras devem ser sombras dos atos”.

Para quem prometia levar a Justiça Eleitoral para mais perto do cidadão, fiz a minha parte. Dei substância ao meu discurso.

São estas últimas ações que saciaram a minha vontade de fazer algo relevante.

Realizações que, mesmo de maneira fugaz, farão com que seja sentida a minha ausência.

Senhoras e Senhores,

Quis o constituinte, em obra de grande sabedoria, limitar a permanência do magistrado na Justiça Eleitoral.

A permanência é por no máximo dois biênios, ainda assim se consentida a recondução ou somente em casos onde ficar comprovada a ausência de um sucessor na Comarca.

Defino como sabedoria a brevidade do mandato porque, diferentemente de quaisquer outras áreas da Justiça, no Eleitoral opera-se aquilo que é mais caro para uma sociedade organizada: o poder, a liderança, a escolha dos representantes.

Da mesma forma como os nossos governantes são obrigados a, periodicamente, submeter-se ao crivo do voto, periodicamente também são substituídos aqueles cuja incumbência é preparar o ambiente para o povo promover as escolhas.

Nenhum deles, candidatos e organizadores de eleições são permanentes. Não há como nenhum deles se “encastelar” em cargos.

Para uns, o voto; para outros, a regra do rodízio.

São estáveis, apenas, os servidores desta Justiça Especializada – mas, para estes, não se destinou a palavra final, vez que o comando político da Instituição ficou reservada ao colegiado que se renova a cada período de dois anos, e aos juízes eleitorais, que são escolhidos por igual período.

Somos, então, como receitou o poeta Luis Vaz de Camões, sujeitos a mudanças:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Muda-se o ser, muda-se a confiança”, ele disse em um dos seus sonetos. (...)

Aos servidores desta Casa, dos Cartórios e Postos Eleitorais, como despedida, reservo minhas palavras de agradecimento por terem ombreado em meus sonhos.

Mas, mesmo para estes, faço questão de fazer uma ressalva importantíssima.

Não se esqueçam jamais da finalidade desta instituição. Não sois empregados públicos comuns, posto que manufaturam um produto precioso, que é a preparação das eleições.

Amem seu ofício; amem os eleitores, que é o sentido final da Justiça Eleitoral. Respeitem os partidos e os candidatos.

Sem eleitor, candidato e partido não existe motivo algum para a existência da Justiça Eleitoral e todos os empregados que nela militam.

Meus amigos, meus irmãos de caminhada...

Rendo, em nome do Diretor Geral Mauro Sérgio, tributos a todos os Secretários, Assessores, Coordenadores e demais Auxiliares que ajudaram a tornar profícua a minha estada na Justiça Eleitoral.

E em nome do jovem juiz Antonio Horácio da Silva Neto, agradeço a paciência e a compreensão dos meus pares neste Sodalício.

A presença de Horácio nesta Casa reforça a minha convicção na importância da renovação e confirma a minha certeza de que o Poder Judiciário de Mato Grosso está cada vez melhor, com juízes de qualidade invejável.

Como disse no começo, nascimento, crescimento, auge e declínio, tudo em seu tempo, pois existe tempo para tudo sob a proteção de Deus.

Deixo o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso com a crença do dever cumprido.

Deixo-vos citando novamente Camões, o poeta português.

Com a devida vênia, se me permitem, se a hora não for imprópria, em derredor à saída, recitar-lhes algo que fala sobre o tempo.

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,

a força, a arte, a manha, a fortaleza;

O tempo acaba a fama e a riqueza,

o tempo o mesmo tempo de si chora.

Amigos: sintam, de mim, saudades. É o que espero.

Mas não muita saudade, pois estarei tão perto, sempre com disposição de servi-los.

Porém, nem pouca saudade, pois me farão sentir tão simples.

Muito obrigado.





Fonte: Da Assessoria

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