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Da “revolução” de abril em Cuiabá – III
Wilson Lemos
O golpe militar estava consumado. No país traumatizado sob o arbítrio castrense já não sopravam os ventos da liberdade. E sobre a nação martirizada e ferida em seus brios, começava a cair a densa “noite verde” que inexorável iria nos envolver por mais de vinte anos. Pelo Brasil afora a repressão se alastrava. Os truculentos centuriões da ditadura nascente se entregavam à caça dos indesejáveis que se opunham à nova ordem. Cuiabá estava à mercê da sanha dos caçadores e o medo pairava no ar.
Naquela atmosfera de insegurança, face à ameaça que rondava a todos, alguns companheiros saíam da cidade ou ficavam em suas casas. Mas, nem todos se deixavam dominar pelo medo. Alguns, não demonstrando apreensão, mantinham a rotina de suas vidas indiferentes ao que lhes pudesse acontecer. Embora conscientes de que não haviam cometido quaisquer crimes ou ato subversivo, sabiam que estavam na famosa lista negra dos golpistas. Mesmo assim, não deixavam de ir à sede do partido para discutir os acontecimentos nem evitavam comparecer aos locais dos costumeiros bate-papos.
Todo fim de tarde, como era de costume, lá estavam eles no conhecido Bar Internacional, no alto da Av. Getúlio Vargas, comentando os fatos políticos, conversando amenidades noite adentro. Alguns como Silva Freire, Renato Pimenta, Bouret, Pompeu Filho, Carlos Bezerra, Ronaldo de Castro e outros cujos nomes não recordo, dificilmente faltavam a esses nossos encontros. Mas suas prisões não demoraram a acontecer. Com exceção de Pompeu Filho e talvez Renato Pimenta, não sei ao certo, logo todos acabaram “hóspedes” do quartel do 16º BC. Se não me falha a memória, o primeiro foi o jornalista e poeta Ronaldo de Castro, identificado com o nosso grupo, mas que era integrante do PCB, então na clandestinidade.
Certa noite, no Bar Internacional, alguém nos trouxe a notícia: Ronaldo fora apanhado. Segundo a versão transmitida, nosso poeta, num arroubo de ousadia etílica, se postara na calçada do quartel protestando contra o golpe. O impacto da prisão foi amenizado pelo quixotismo das circunstâncias em que se dera o fato. A partir daí, os demais companheiros, como era de se esperar, foram sendo apanhados um a um.Não demorou muito para chegar minha vez. Eu decidira não deixar a cidade e ficar para encarar os fatos sem preocupar-me com as conseqüências da temeridade da minha decisão. Estava ao alcance do longo braço repressivo, mas não temia o que pudesse me acontecer.
Tal destemor, não decorria de um surto de coragem física nem tampouco de um acesso súbito de patriotice. Advinha daquele inconformismo que nos leva à indignação contra qualquer ato que afronte os direitos individuais do cidadão. Eu me se sentia não só esbulhado de alguns desses direitos inalienáveis, como também sob a ameaça de ser penalizado por tê-los exercido. O mínimo que podia fazer, naquelas circunstâncias, era não fugir dos repressores, demonstrando que não os temia, e fazendo da minha temeridade uma forma de protesto.
Enquanto o cerco se fechava em torno dos militantes políticos de esquerda, em particular de petebistas, eu me preparava para a 25ª hora.Submeti minha pequena biblioteca e meus arquivos a uma criteriosa varredura. De propósito, deixei bem à vista alguns livros e pastas de arquivo que certamente despertariam a curiosidade dos que em breve iriam vasculhar minha casa à procura de documentos comprometedores. Entre os livros, um exemplar da Bíblia, um volume do “O evangelho segundo a Revolução”, do frei Carlos Josaphat. Conhecendo a paranóia anticomunista dos inquisidores, a cor das capas dos livros não passaria despercebida.Era a cor vermelha, que atraia os miúras enfurecidos.
Finalmente, vi chegar a minha hora.
O golpe militar estava consumado. No país traumatizado sob o arbítrio castrense já não sopravam os ventos da liberdade. E sobre a nação martirizada e ferida em seus brios, começava a cair a densa “noite verde” que inexorável iria nos envolver por mais de vinte anos. Pelo Brasil afora a repressão se alastrava. Os truculentos centuriões da ditadura nascente se entregavam à caça dos indesejáveis que se opunham à nova ordem. Cuiabá estava à mercê da sanha dos caçadores e o medo pairava no ar.
Naquela atmosfera de insegurança, face à ameaça que rondava a todos, alguns companheiros saíam da cidade ou ficavam em suas casas. Mas, nem todos se deixavam dominar pelo medo. Alguns, não demonstrando apreensão, mantinham a rotina de suas vidas indiferentes ao que lhes pudesse acontecer. Embora conscientes de que não haviam cometido quaisquer crimes ou ato subversivo, sabiam que estavam na famosa lista negra dos golpistas. Mesmo assim, não deixavam de ir à sede do partido para discutir os acontecimentos nem evitavam comparecer aos locais dos costumeiros bate-papos.
Todo fim de tarde, como era de costume, lá estavam eles no conhecido Bar Internacional, no alto da Av. Getúlio Vargas, comentando os fatos políticos, conversando amenidades noite adentro. Alguns como Silva Freire, Renato Pimenta, Bouret, Pompeu Filho, Carlos Bezerra, Ronaldo de Castro e outros cujos nomes não recordo, dificilmente faltavam a esses nossos encontros. Mas suas prisões não demoraram a acontecer. Com exceção de Pompeu Filho e talvez Renato Pimenta, não sei ao certo, logo todos acabaram “hóspedes” do quartel do 16º BC. Se não me falha a memória, o primeiro foi o jornalista e poeta Ronaldo de Castro, identificado com o nosso grupo, mas que era integrante do PCB, então na clandestinidade.
Certa noite, no Bar Internacional, alguém nos trouxe a notícia: Ronaldo fora apanhado. Segundo a versão transmitida, nosso poeta, num arroubo de ousadia etílica, se postara na calçada do quartel protestando contra o golpe. O impacto da prisão foi amenizado pelo quixotismo das circunstâncias em que se dera o fato. A partir daí, os demais companheiros, como era de se esperar, foram sendo apanhados um a um.Não demorou muito para chegar minha vez. Eu decidira não deixar a cidade e ficar para encarar os fatos sem preocupar-me com as conseqüências da temeridade da minha decisão. Estava ao alcance do longo braço repressivo, mas não temia o que pudesse me acontecer.
Tal destemor, não decorria de um surto de coragem física nem tampouco de um acesso súbito de patriotice. Advinha daquele inconformismo que nos leva à indignação contra qualquer ato que afronte os direitos individuais do cidadão. Eu me se sentia não só esbulhado de alguns desses direitos inalienáveis, como também sob a ameaça de ser penalizado por tê-los exercido. O mínimo que podia fazer, naquelas circunstâncias, era não fugir dos repressores, demonstrando que não os temia, e fazendo da minha temeridade uma forma de protesto.
Enquanto o cerco se fechava em torno dos militantes políticos de esquerda, em particular de petebistas, eu me preparava para a 25ª hora.Submeti minha pequena biblioteca e meus arquivos a uma criteriosa varredura. De propósito, deixei bem à vista alguns livros e pastas de arquivo que certamente despertariam a curiosidade dos que em breve iriam vasculhar minha casa à procura de documentos comprometedores. Entre os livros, um exemplar da Bíblia, um volume do “O evangelho segundo a Revolução”, do frei Carlos Josaphat. Conhecendo a paranóia anticomunista dos inquisidores, a cor das capas dos livros não passaria despercebida.Era a cor vermelha, que atraia os miúras enfurecidos.
Finalmente, vi chegar a minha hora.
Fonte:
RepórterNews
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