Repórter News - reporternews.com.br
As onças estão de volta ao Pantanal
É preciso superar alguns minutos de escuridão quase completa até que os olhos consigam distinguir os contornos da beira do rio Cuiabá. Para além disso, cinco metros adiante, pouco ou nada se revela. A sensação é de completa vulnerabilidade.
Para que não desça rio abaixo, o barco a motor está preso a um feixe de cipós que se estende a partir do topo da mata ciliar. A amarração tem de ser cuidadosa pois, no caso de um ataque inesperado, terá que se desfazer com um único golpe.
Estamos a cerca de três metros da margem, separados apenas por uma fresta de rio coberta por aguapés. De nossa parte, há silêncio absoluto. Da parte dela, por enquanto, também. Caberá a nós, agora, o primeiro movimento.
Passa das onze da noite quando um dos ocupantes do barco se levanta e toma posição. Um piscar rápido da lanterna identifica seu rosto. Trata-se de Oélio Falcão de Arruda, um pantaneiro de 56 anos que todos conhecem por “Fião”.
Em pé, perfeitamente equilibrado no barco, ele parece sentir cada estalar de folhas secas que nos chega da mata escura. Às mãos, leva um artefato que ele mesmo preparou e que sempre carrega consigo em ocasiões como esta.
Fião é um imitador de onça. Envolvido desde menino em caçadas pelo Pantanal (ver matéria), descobriu e veio aperfeiçoando a capacidade de esturrar de forma idêntica ao bicho. “O urro da fêmea é mais repetido. O do macho, mais compassado", ensina.
Para se fazer ouvir a longas distâncias – a onça costuma demarcar territórios que se estendem por até 40 quilômetros quadrados –, ele se vale de uma cabaça com dois furos grandes (um na ponta, outro na base) que funciona como um amplificador.
O esturro produzido ecoa pelas matas e só faz aumentar a tensão e a ansiedade. A partir de agora, tudo é uma questão de tempo. "Quando ouve o esturro, o bicho pensa que é outra onça. Então ele vem procurar. Pode estar numa distância longe, que ele vem mesmo. Ou é macho a procurar fêmea, ou é fêmea que procura o macho".
Quase uma hora se passa sem qualquer resposta do outro lado. Fião, porém, não desiste. Mais uma sessão de esturros. Desta vez, por um período mais longo. Ao final, ele continua em pé, como que se preparando para o que virá em seguida.
É uma resposta assustadoramente seca, muito similar ao chamado produzido pelo pantaneiro. Ainda em silêncio, todos se posicionam no barco para tentar identificar sua origem. Fião alcança uma lanterna e, certeiro, joga o facho de luz em nosso alvo. É ela.
“É uma macharrona”, comenta o pantaneiro, diante do porte majestoso do animal que nos observa 10 metros adiante. “E é do tipo traiçoeiro. Chegou calado, esperou chegar bem perto de nós para esturrar de volta”.
O encontro com a onça-pintada durou menos de cinco minutos. Mas foi repleto de significado. Especialmente para um pesquisador que dedicou a vida a seguir os rastros, conhecer os hábitos e proteger os caminhos do maior felino das Américas.
O biólogo paulista Peter Crawshaw Jr., considerado o maior especialista em onças do país, teve seu primeiro encontro com o animal justamente ali, nas imediações de onde mais tarde seria criado o Parque Nacional do Pantanal, há quase 30 anos.
À ocasião, ainda em início de carreira, testemunhou como o processo de caça comercial e de predação preventiva (ver matéria) havia reduzido perigosamente a população da espécie, a um ritmo que indicava até mesmo a possibilidade da extinção.
Agora, em visita à unidade, Crawshaw veio acertar os últimos detalhes de um projeto conjunto de pesquisa que tentará comprovar cientificamente uma ótima notícia: a recuperação da onça-pintada no Pantanal.
“Há vários indicativos, e mesmo o testemunho de pessoas que conheceram o Pantanal nas décadas de 1970 e 1980, que apontam para um aumento consistente da população de onças nesta região”, aponta o pesquisador.
O trabalho deverá começar em maio, com um levantamento inicial das áreas do entorno. “Nesse levantamento, vamos usar métodos indiretos, como visualizações, registros de pegadas, armadilhas fotográficas, repetir o procedimento de esturrar, como fizemos hoje”, relata.
Como base nos dados, que devem atestar a abundância relativa de onças no Parque, Crawshaw vai propor um estudo comparativo com as informações que ele próprio ajudou a coletar no final da década, na área da então Fazenda Acurizal. “Aí sim, faremos um estudo de grande porte, envolvendo a telemetria, transmissores por GPS e satélite”.
Durante três dias e três noites, a reportagem do Diário acompanhou uma prévia do que será o trabalho do pesquisador. Foram ao todo cinco tentativas, das quais três resultaram em esturros de retorno do animal – e uma visualização.
Segundo ele, somente estes resultados já são indícios da recuperação da espécie na região. “Pelos resultados que obtivemos em tão pouco tempo, parece que a população de onças aqui vai indo muito bem, com vários fatores positivos. É uma área com alta densidade local de jacarés e capivaras, que são duas espécies importantes na dieta. Trata-se de um hábitat ótimo para ela”.
Para que não desça rio abaixo, o barco a motor está preso a um feixe de cipós que se estende a partir do topo da mata ciliar. A amarração tem de ser cuidadosa pois, no caso de um ataque inesperado, terá que se desfazer com um único golpe.
Estamos a cerca de três metros da margem, separados apenas por uma fresta de rio coberta por aguapés. De nossa parte, há silêncio absoluto. Da parte dela, por enquanto, também. Caberá a nós, agora, o primeiro movimento.
Passa das onze da noite quando um dos ocupantes do barco se levanta e toma posição. Um piscar rápido da lanterna identifica seu rosto. Trata-se de Oélio Falcão de Arruda, um pantaneiro de 56 anos que todos conhecem por “Fião”.
Em pé, perfeitamente equilibrado no barco, ele parece sentir cada estalar de folhas secas que nos chega da mata escura. Às mãos, leva um artefato que ele mesmo preparou e que sempre carrega consigo em ocasiões como esta.
Fião é um imitador de onça. Envolvido desde menino em caçadas pelo Pantanal (ver matéria), descobriu e veio aperfeiçoando a capacidade de esturrar de forma idêntica ao bicho. “O urro da fêmea é mais repetido. O do macho, mais compassado", ensina.
Para se fazer ouvir a longas distâncias – a onça costuma demarcar territórios que se estendem por até 40 quilômetros quadrados –, ele se vale de uma cabaça com dois furos grandes (um na ponta, outro na base) que funciona como um amplificador.
O esturro produzido ecoa pelas matas e só faz aumentar a tensão e a ansiedade. A partir de agora, tudo é uma questão de tempo. "Quando ouve o esturro, o bicho pensa que é outra onça. Então ele vem procurar. Pode estar numa distância longe, que ele vem mesmo. Ou é macho a procurar fêmea, ou é fêmea que procura o macho".
Quase uma hora se passa sem qualquer resposta do outro lado. Fião, porém, não desiste. Mais uma sessão de esturros. Desta vez, por um período mais longo. Ao final, ele continua em pé, como que se preparando para o que virá em seguida.
É uma resposta assustadoramente seca, muito similar ao chamado produzido pelo pantaneiro. Ainda em silêncio, todos se posicionam no barco para tentar identificar sua origem. Fião alcança uma lanterna e, certeiro, joga o facho de luz em nosso alvo. É ela.
“É uma macharrona”, comenta o pantaneiro, diante do porte majestoso do animal que nos observa 10 metros adiante. “E é do tipo traiçoeiro. Chegou calado, esperou chegar bem perto de nós para esturrar de volta”.
O encontro com a onça-pintada durou menos de cinco minutos. Mas foi repleto de significado. Especialmente para um pesquisador que dedicou a vida a seguir os rastros, conhecer os hábitos e proteger os caminhos do maior felino das Américas.
O biólogo paulista Peter Crawshaw Jr., considerado o maior especialista em onças do país, teve seu primeiro encontro com o animal justamente ali, nas imediações de onde mais tarde seria criado o Parque Nacional do Pantanal, há quase 30 anos.
À ocasião, ainda em início de carreira, testemunhou como o processo de caça comercial e de predação preventiva (ver matéria) havia reduzido perigosamente a população da espécie, a um ritmo que indicava até mesmo a possibilidade da extinção.
Agora, em visita à unidade, Crawshaw veio acertar os últimos detalhes de um projeto conjunto de pesquisa que tentará comprovar cientificamente uma ótima notícia: a recuperação da onça-pintada no Pantanal.
“Há vários indicativos, e mesmo o testemunho de pessoas que conheceram o Pantanal nas décadas de 1970 e 1980, que apontam para um aumento consistente da população de onças nesta região”, aponta o pesquisador.
O trabalho deverá começar em maio, com um levantamento inicial das áreas do entorno. “Nesse levantamento, vamos usar métodos indiretos, como visualizações, registros de pegadas, armadilhas fotográficas, repetir o procedimento de esturrar, como fizemos hoje”, relata.
Como base nos dados, que devem atestar a abundância relativa de onças no Parque, Crawshaw vai propor um estudo comparativo com as informações que ele próprio ajudou a coletar no final da década, na área da então Fazenda Acurizal. “Aí sim, faremos um estudo de grande porte, envolvendo a telemetria, transmissores por GPS e satélite”.
Durante três dias e três noites, a reportagem do Diário acompanhou uma prévia do que será o trabalho do pesquisador. Foram ao todo cinco tentativas, das quais três resultaram em esturros de retorno do animal – e uma visualização.
Segundo ele, somente estes resultados já são indícios da recuperação da espécie na região. “Pelos resultados que obtivemos em tão pouco tempo, parece que a população de onças aqui vai indo muito bem, com vários fatores positivos. É uma área com alta densidade local de jacarés e capivaras, que são duas espécies importantes na dieta. Trata-se de um hábitat ótimo para ela”.
Fonte:
Diário de Cuiabá
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/308203/visualizar/
Comentários