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Antigo chefe é querido pelos ribeirinhos
Muito antes da criação do Parque Nacional do Pantanal, ele já estava lá. Analfabeto, ex-pescador, ex-capataz de uma fazenda de gado, Benjamim Dias da Silva comandou a unidade federal por quase duas décadas antes de repassá-la ao atual chefe. Mas nunca perdeu a majestade.
“O dia em que for embora, este parque tem grande chance de se acabar”, decreta o hoje agente de fiscalização, nascido no município de Barão de Melgaço há 66 anos.
Experiência na região não lhe falta. Benjamim tinha 17 anos quando deixou a casa dos pais para cair no mundo pantaneiro. E foi seguindo o rastro das histórias sobre um verdadeiro paraíso da pesca que ele chegou à região onde hoje se localiza o Parque Nacional. “Cheguei como pescador e nunca mais quis voltar. Era peixe demais. Em pouco tempo, arrumei um pedaço de terra para fazer minha lavoura”, lembra.
Benjamim logo descobriria que aquela imensidão de terras, que parecia não ter fim, tinha ao menos um dono. Sua sorte é que o proprietário da fazenda Caracará, que se estendia por cerca de 64 mil hectares – incluindo-se aí o lote ocupado pelo pescador – estava mesmo precisando de alguém que tomasse conta daquela área.
“Mas ele achou preferência eu ficar e cuidar da terra. Vendi a lavoura para ele e fui contratado como capataz-geral da fazenda”, conta Benjamim, que não evita um brilho nos olhos ao recordar este período. “Era fartura demais. Isso aqui era tudo fazenda. Eram 25 mil, 28 mil, tinha ano de ter até 33 mil cabeças de gado”.
A pujança da pecuária de região, porém, não duraria muito. Benjamim conta que a cheia de 1974, que surpreendeu os pecuaristas e provocou a morte de milhares de cabeças, levou à ruína as propriedades da região – muitas, quase integralmente tomadas pela inundação.
“A fazenda Santo Amaro, que era a maior de todas, com 180 mil hectares, acabou. A Boa Vista acabou. A Bélica acabou. Tudo acabou. Aqui foram eliminados todos os fazendeiros. Não é que foi uma ou duas não. Foram todas as fazendas. Inclusive aquela em que eu trabalhava”. De volta à pesca, Benjamim ficaria ausente da região até 1979, quando o antigo patrão o convenceu a voltar. À ocasião, já começava a engatinhar o processo de compra da fazenda Caracará pelo IBDF (hoje Ibama) – que levaria à criação do Parque Nacional do Pantanal.
Em maio de 1981, a fazenda foi de fato vendida. Mas o ex-capataz não ficaria sem patrão. Um convite de Brasília, lembra ele, colocou uma nova missão em seu caminho. ”Me chamaram ao IBDF e eu fui. Entrei lá às duas da tarde e, às quatro, já saí funcionário. Para mim mesmo não disseram nada. Voltei no remo do Porto Jofre até aqui”.
E foi assim, sem nenhum treinamento prévio ou capacitação, que Benjamim se tornou chefe de uma unidade de conservação federal. No aterro que se tornaria a sede, o casebre que ele morava se manteve como única edificação oficial – situação que durou dois anos até a construção da casa que ele ocupa até hoje.
De Brasília, vieram apenas um barco a motor e um rádio, por meio do qual o novo chefe conseguia mostrar serviço e relatar os esforços de fiscalização. “Daqui eu já me comunicava todos os dias com a sede em Cuiabá. Aquela era uma época que tinha muito contrabando de pele de jacaré. Tinha muito mesmo. E era gente perigosa. Só aqui na sede do parque vieram duas vezes para me matar. Até a Polícia Florestal correu. Ficamos só eu, minha mulher e minhas cinco crianças”.
Benjamim não ficava sozinho. Segundo ele, sempre havia “quatro ou cinco” hóspedes enviados ou autorizados por Brasília. “Na maior parte, era gente que vinha fazer pesquisa”.
Perguntado sobre como lidava com a burocracia do cargo – em especial, com os documentos que não sabia ler –, ele diz que fazia uso de sua boa memória. “Eu não sei ler, não sei escrever, a única coisa que eu sei é assinar meu nome. E muito mal. Mas se eu mando alguém ler uma portaria para mim, num dia em que eu estiver com a idéia bem tranqüila, nunca mais esqueço”.
Ao longo de todo o período em que chefiou a unidade, seu nome se tornou conhecido e respeitado entre a vizinhança pobre da região (ver matéria). Para ele, o que mais o preocupa hoje não é a situação dos bichos, que considera ser melhor do que nos primórdios do parque.
“Aqui onça era muito pouco, assim como o jacaré e a ariranha. Hoje virou o contrário e é até um absurdo a quantidade que tem. O que está quase terminando é o peixe, que é o que sustenta este povo que mora por aí”, relata o ex-pescador. “Mas hoje ninguém enxerga o povo ribeirinho”.
Sobre a possibilidade de se aposentar e deixar, enfim, o parque, Benjamim diz ter certeza de que não se adaptaria em outro canto. “Em certas horas dá até vontade. Mas depois eu paro e penso: eu não vou agüentar morar na cidade. Eu não vou a festa, não jogo e não bebo. Eu não gosto de nada tumultuado. Esse é o meu sistema”.
“O dia em que for embora, este parque tem grande chance de se acabar”, decreta o hoje agente de fiscalização, nascido no município de Barão de Melgaço há 66 anos.
Experiência na região não lhe falta. Benjamim tinha 17 anos quando deixou a casa dos pais para cair no mundo pantaneiro. E foi seguindo o rastro das histórias sobre um verdadeiro paraíso da pesca que ele chegou à região onde hoje se localiza o Parque Nacional. “Cheguei como pescador e nunca mais quis voltar. Era peixe demais. Em pouco tempo, arrumei um pedaço de terra para fazer minha lavoura”, lembra.
Benjamim logo descobriria que aquela imensidão de terras, que parecia não ter fim, tinha ao menos um dono. Sua sorte é que o proprietário da fazenda Caracará, que se estendia por cerca de 64 mil hectares – incluindo-se aí o lote ocupado pelo pescador – estava mesmo precisando de alguém que tomasse conta daquela área.
“Mas ele achou preferência eu ficar e cuidar da terra. Vendi a lavoura para ele e fui contratado como capataz-geral da fazenda”, conta Benjamim, que não evita um brilho nos olhos ao recordar este período. “Era fartura demais. Isso aqui era tudo fazenda. Eram 25 mil, 28 mil, tinha ano de ter até 33 mil cabeças de gado”.
A pujança da pecuária de região, porém, não duraria muito. Benjamim conta que a cheia de 1974, que surpreendeu os pecuaristas e provocou a morte de milhares de cabeças, levou à ruína as propriedades da região – muitas, quase integralmente tomadas pela inundação.
“A fazenda Santo Amaro, que era a maior de todas, com 180 mil hectares, acabou. A Boa Vista acabou. A Bélica acabou. Tudo acabou. Aqui foram eliminados todos os fazendeiros. Não é que foi uma ou duas não. Foram todas as fazendas. Inclusive aquela em que eu trabalhava”. De volta à pesca, Benjamim ficaria ausente da região até 1979, quando o antigo patrão o convenceu a voltar. À ocasião, já começava a engatinhar o processo de compra da fazenda Caracará pelo IBDF (hoje Ibama) – que levaria à criação do Parque Nacional do Pantanal.
Em maio de 1981, a fazenda foi de fato vendida. Mas o ex-capataz não ficaria sem patrão. Um convite de Brasília, lembra ele, colocou uma nova missão em seu caminho. ”Me chamaram ao IBDF e eu fui. Entrei lá às duas da tarde e, às quatro, já saí funcionário. Para mim mesmo não disseram nada. Voltei no remo do Porto Jofre até aqui”.
E foi assim, sem nenhum treinamento prévio ou capacitação, que Benjamim se tornou chefe de uma unidade de conservação federal. No aterro que se tornaria a sede, o casebre que ele morava se manteve como única edificação oficial – situação que durou dois anos até a construção da casa que ele ocupa até hoje.
De Brasília, vieram apenas um barco a motor e um rádio, por meio do qual o novo chefe conseguia mostrar serviço e relatar os esforços de fiscalização. “Daqui eu já me comunicava todos os dias com a sede em Cuiabá. Aquela era uma época que tinha muito contrabando de pele de jacaré. Tinha muito mesmo. E era gente perigosa. Só aqui na sede do parque vieram duas vezes para me matar. Até a Polícia Florestal correu. Ficamos só eu, minha mulher e minhas cinco crianças”.
Benjamim não ficava sozinho. Segundo ele, sempre havia “quatro ou cinco” hóspedes enviados ou autorizados por Brasília. “Na maior parte, era gente que vinha fazer pesquisa”.
Perguntado sobre como lidava com a burocracia do cargo – em especial, com os documentos que não sabia ler –, ele diz que fazia uso de sua boa memória. “Eu não sei ler, não sei escrever, a única coisa que eu sei é assinar meu nome. E muito mal. Mas se eu mando alguém ler uma portaria para mim, num dia em que eu estiver com a idéia bem tranqüila, nunca mais esqueço”.
Ao longo de todo o período em que chefiou a unidade, seu nome se tornou conhecido e respeitado entre a vizinhança pobre da região (ver matéria). Para ele, o que mais o preocupa hoje não é a situação dos bichos, que considera ser melhor do que nos primórdios do parque.
“Aqui onça era muito pouco, assim como o jacaré e a ariranha. Hoje virou o contrário e é até um absurdo a quantidade que tem. O que está quase terminando é o peixe, que é o que sustenta este povo que mora por aí”, relata o ex-pescador. “Mas hoje ninguém enxerga o povo ribeirinho”.
Sobre a possibilidade de se aposentar e deixar, enfim, o parque, Benjamim diz ter certeza de que não se adaptaria em outro canto. “Em certas horas dá até vontade. Mas depois eu paro e penso: eu não vou agüentar morar na cidade. Eu não vou a festa, não jogo e não bebo. Eu não gosto de nada tumultuado. Esse é o meu sistema”.
Fonte:
Diário de Cuiabá
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/308537/visualizar/
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